Eu me sinto livre. Ao mesmo tempo a ideia de liberdade parece tão vaga. Eu não sei desde quando nem porque me sinto assim. Não sei sequer se faz sentido entender. Eu me sinto tranquila. A tranquilidade me liberta. Me ajuda a lidar com preocupações. Eu me sinto livre. Livre para existir e para amar. Há muito espaço em mim para o amor. É delicioso ter todo esse espaço porque o amor apenas se multiplica. Eu recomendo que vocês façam cada vez mais espaço em vocês para o amor, para a generosidade, para a gentileza em pequenos momentos diários. E não estou falando sobre o amor romântico. O amor romântico é outra história. Amar de maneira não romântica é muito poderoso, é revolucionário. É um amor sem escolhas, amor que impera e se expande em todas as relações.

Eu comecei a escrever o parágrafo anterior no sábado de manhã, ainda deitada. Dormi mais. Retomei a escrita no domingo à noite, após ir ao cinema sozinha assistir «Dolores». Ir ao cinema sozinha é um presente para mim. Eu me sinto alegre em poder me permitir viver algo que eu gosto tanto. É uma prática de amor.

Enquanto eu escrevia isso, esperando o metrô um senhor me chamou e conversou comigo. Ele queria saber sobre o que eu estava escrevendo. Eu desconversei. Ele estava me paquerando. Eu fui educada, mas mantive a distância que necessito para me proteger. Foi uma situação para praticar o que eu estava escrevendo. Ele me perguntou se eu era solteira ou casada. Eu respondi em voz alta e tive a impressão de que a estação toda me ouviu.

Conversamos um pouco. Ele me contou sobre seus dois casamentos. A primeira esposa faleceu e a segunda o trocou por outro. Quando o metrô chegou, eu esperei q ele fosse na frente para que ele não se sentasse perto de mim. Ele sentou em um banco vazio e me disse pra me sentar ao lado dele. Eu agradeci e disse que prefiro ir sozinha. Provavelmente ele se ofendeu. Os homens se ofendem com muita facilidade. É difícil sentir que a existência feminina vai além dos seus arredores. Ele me perguntou onde eu morava e eu respondi educadamente «não vou te dizer». Talvez ele aprenda a não mais perguntar. Tomara.

Quando eu saí do trem eu lhe desejei boa semana. Ele tinha olhos tristes e solitários. «Eu prefiro ir sozinha» ficou ecoando. Eu realmente prefiro. Não é sempre, mas eu gosto e preciso. Eu me delicio comigo. On my own é um privilégio imensurável quando se é mulher. Não sai barato. O preço é alto e a satisfação mais ainda.

Foto | Lígia Francisco

On my own way. On my way (to where?). My way.

Eu gostaria de envelhecer pensando que more much more than this I did it my way. A minha mãe gostava dessa música. Não apenas ela. A minha mãe foi no show do Sinatra no Brasil. Era uma grande alegria ouvi-la contar. É bonito ver alguém relembrar um momento especial. Seus olhos se iluminavam e, de um jeito diferente, os meus também nesse exato momento.

Eu desconfio muito de que viver praticando a generosidade seja bastante produtivo para evitar arrependimentos. Eu posso me imaginar me arrependendo de ter sido muito generosa apenas se eu não for também generosa comigo. Por isso eu quero tentar ir ao cinema sozinha uma vez por semana. Como eu fiz no meu aniversário e hoje à noite. Quando cheguei em casa preparei uma salada e foi também um ato de carinho.

É importante se nutrir de muitas maneiras. Pode ser difícil saber do que temos fome. Amar tem me alimentado, mas tem me alimentado principalmente de desafios. É incrivelmente difícil amar sem escolhas, se não há escolhas o mesmo amor que vai, deveria ir para si também. Por independer de escolhas, o fluxo de amor não poderia ser interrompido sequer por escolhas alheias.

É difícil não alimentar ódio por quem recusa nosso amor. Com generosidade tento pensar que nem tudo gira ao meu redor, tento não me ofender e tento me convencer de que sou incapaz de entender. Eu sigo adiante apenas buscando me direcionar a mim mesma pra curar a dor do desperdício. Pro amor rejeitado virar ódio basta uma faísca de tristeza. O ódio é uma arma, mas é principalmente armadilha. Eu me esforço para estar livre dele.

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