Sabe aquelas certezas que a gente traz na cabeça sem nunca ter pensado muito? Para mim a ideia de engravidar e, consequentemente, fazer uma cesária, era clara, mesmo sem ter o desejo de engravidar ainda e sem parar um segundo para pensar a respeito.

Depois que me casei a pergunta mais repetida era o clássico: “quando vem o bebê?” e junto com o “não estamos pensando nisso agora” logo complementava que “o que mais tenho medo é do parto, daquela injeção enoooorme da anestesia”! Falava como se só existisse essa opção.

Não sei para outras mulheres, mas na minha cabeça achava sim que era essa minha única opção. “Mais seguro né?!”, repete-se isso como se muitos tivessem vasto conhecimento de fisiologia humana.

Quando engravidei da segunda vez – uma gravidez após uma perda não costuma ser tão “leve” como qualquer gravidez deveria ser, mas acredito que cada mulher carregue seus medos quando recebe o resultado positivo no Beta – fui a três obstetras diferentes e, claro, a ideia da cesárea pairava.

Os dois primeiros médicos, já na consulta, destacaram os riscos e cuidados que eu deveria ter devido a minha condição. Um inclusive já tinha dado a sentença de cesária “lá para a 36a semana por aí”! Já o terceiro médico destacou o quão natural era tudo aquilo e me trouxe uma sensação enorme de paz e tranquilidade que dessa vez ia dar certo. Na primeira consulta não falamos nada de parto (talvez seja essa a estratégia — rs). Não preciso nem dizer com quem segui… Precisava sentir que seria diferente já que meu medo era tão grande. O que eu não sabia? Que minha história mudaria completamente por esta escolha!

No primeiro dos encontros em grupo – que já era algo diferente do que se espera num pré-natal comum – a pergunta sobre a forma de parto veio para algumas grávidas que seguiam juntas. Minha resposta, colocando o medo no bolso para mostrar um humor, foi um sonoro: “teletransporte”! Lembro bem da feição do médico e das doulas que estavam nesse encontro… Hoje rolo de rir desse momento!

Era tão ignorante a respeito do meu corpo e do evento gigantesco que estava acontecendo que tenho até um pingo de vergonha — só um pinguinho, pois na verdade sei que tem muito interesse de “gente grande” por trás dessa necessária ignorância das mulheres a respeito de si mesmas!

O tempo foi passando e a barriga foi crescendo… Fui tendo acesso a uma gama de informações que pareciam escondidas! E mergulhei no processo,  lia tudo que me indicavam… Foi uma verdadeira saga conseguir a pérola “Parto Ativo”, de Janet Balaskas. Enchi meu computador de vírus ao baixar o documentário “O renascimento do parto”, pois fiquei na lista de espera do DVD e já estava muito perto do parto! Recomendo fortemente ambos, que tiveram um papel importantíssimo e também contribuíram para que o fim dessa história fosse diferente!

Com uns 6 para 7 meses de gestação veio uma sensação enorme de dúvida. Acho que foi quando consegui digerir todo o novo conhecimento a respeito do parto e aquilo batia de frente com o que tive acesso por toda uma vida, do que assistia na tevê, do que as próprias mulheres ao meu redor falavam. Ficou claro que o que conhecia sobre parto até então era extremamente superficial e, por que não, bem manipulado, cheio de equívocos e crenças que limitavam a força e a atuação feminina em um evento absolutamente fêmeo!

“Mulheres sabem parir”, “seu corpo foi feito para isso”, e muitas outras afirmações naturais batem de frente com crenças modernas de medicalização do nascimento. Não estou aqui, de jeito algum, culpabilizando a cesárea, esse procedimento incrível que salvou inúmeras vidas desde sua descoberta. Só fiquei com uma baita dúvida se ela realmente precisa acontecer em larga escala, em tantos casos. Depois de um momento de angústia e muita dúvida, veio uma paz de poder escolher um caminho após conhecer profundamente as opções.

Sou privilegiada, sei disso! Para o senso comum, preparar a chegada de um filho é comprar enxoval, preparar o quarto, dormir bastante para “guardar energia” (ah se isso fosse possível! rs). Aqui em casa foi época para muita leitura, conversa com várias pessoas e principalmente, alinhamento com o pai, figura importantíssima e determinante no parto!

A participação paterna nesse tipo de decisão é uma das mais essenciais, pois não consigo imaginar ter que lutar não só contra o
sistema, como contra a crença social cesarista e ter ainda que convencer o parceiro. As mulheres que precisam passar por todas essas esferas, tenho profunda admiração! Não tive esse problema. Eu e meu marido passamos por esse processo juntos. Tínhamos um pensamento bem parecido sobre parto no início e as coisas foram mudando até que refizemos nosso entendimento.

Assim os dias foram passando e cada vez mais entrávamos em uma atmosfera para receber nossa filha! Com 39 semanas e 3 dias, num domingo de sol a pino, saimos para caminhar na praia. Andamos muito! Muito mesmo (somos dois gatos preguiçosos então devo dizer que nosso muito não é lá muita coisa! rs). Tiramos nossa última soneca da tarde juntos como apenas um casal e ficamos em paz naquele dia. No início da madrugada minha bolsa estourou. Senti uma fincada forte que me acordou e a água foi descendo vagarosamente. Levantei, vi que era isso mesmo, acordei meu marido, mandamos uma mensagem para nossa querida doula e quando voltei a me deitar veio a primeira contração, cinco minutos depois a outra… e assim foi!

Tínhamos estudado tanto a respeito que mesmo em meio ao trabalho de parto sabíamos mais ou menos o estágio que me encontrava. E estava indo rápido demais! Talvez seja o fato de ter me despedido tanto da barriga (risos)!!! Na sacada do meu apartamento ouvia o mar e sentia uma brisa fresquinha para um fevereiro. As contrações pulavam e ritmavam cada vez mais próximas um das outras. As ondas batiam, o vento soprava… tudo era muito cadenciado.

Nessa hora sentia a sola dos meus pés no chão. É incrível a vontade que dá de ficar andando e sempre (sempre!) com os pés “fincados” no chão! É incrível como a gente sabe o que precisa… eu mesma me remexia, buscava posições, pedia para ir para o chuveiro, agachava-levantava-agachava!

Fechava os olhos, imaginava nós duas numa bolha azul, exercício de meditação que fiz durante toda a gravidez. Nadávamos nós duas juntas nessa luz que de tempos em tempos se tornava violeta. Pegava em sua mão, estávamos unidas e seguimos assim até a chegada da minha doula e do obstetra… tinha já entrado em um transe bem diferente e não me lembro mais de muita coisa depois desse momento. Simplesmente havia me entregado àquele momento, já não tinha consciência do que estava acontecendo. E não senti que precisava ter, confiei.

O médico pediu para que eu me recostasse no sofá de casa e me fez encostar nos fios de cabelos da minha filha, que já estava nascendo. Até hoje encho meus olhos d’água ao penteá-la. Fomos para o hospital. No caminho a playlist (sim, a playlist do parto funcionou lá em casa) me dava um presente junto com o nascer do sol naquele 20 de fevereiro… “Ave Maria” era o fundo musical para o momento de ir ao encontro físico de minha filha.

Já no hospital, quando senti ela coroando, tive uma enorme vontade de rir e gargalhei!!! Uns poucos minutos depois ela nascia, em uma contração só, na posição que eu escolhi, sem nenhuma intervenção. Estavam todos assistindo àquilo. E seu pai a pegou e trouxe para o melhor abraço que já tive na vida! Seu corpo quentinho, seboso e sedento por proteção se encaixou facilmente no meu colo, e buscou meus seios. Ficamos duas horas juntas após o parto até que tive que ir para o centro cirúrgico… Mas aí já é outra história.

E como isso tudo aconteceu? Até hoje não consigo entender muito. Nascer, assim como morrer, estão em minha cabeça intimamente ligados a Deus. É natural, instintivo, animal e divino. A gente é que tem a tendência de racionalizar até o que, às vezes, não é nem necessário.

Obrigada por essa experiência, filha. Aprendi muito e conheci partes de mim que não imaginava durante esta nossa primeira jornada. Feliz um ano desse dia incrível!


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