Mãe,

Quando olho pra ti hoje, eu não te reconheço. Aquela mãe que eu tive há quinze ou vinte anos atrás faz parte do passado. É claro que tenho memórias. Vivemos uma adolescência difícil. Milhões de brigas e uma considerável solidão de ambas as partes. Claro que importa se a iniciativa é tomada pela mãe e não pela filha. Tanto que hoje eu me esforço com bravura para construir esse lastro com meu filho. Fazer diferente. Mas antes eu tinha mágoas. Muitas. Me sentia abandonada. Crescida e ainda abandonada. Sempre me senti meio fora de lugar na nossa família. Mas você me deu uma irmã pequena e ali eu achei um canto pra mim. Ao lado dela eu deitava nas noites de temporal. E lá eu me sentia acolhida.

Tantos limites tem um ser humano. E querem que a gente vire super pessoa quando nos tornamos mãe. Que bobagem. Que ilusão que ainda dura.

Mas não mais aqui no meu coração. Eu agora estou lúcida. Ao menos nesse ponto. Da solidão que você sentiu ao longo desses anos em que criou as tuas filhas em diferentes graus de precariedade, eu já posso imaginar. E o perdão, se é que é disso que se trata, é automático. Na verdade, a mágoa se apaga, puff. Não é assim tão rápido dentro da gente, mas é um pouco isso que acontece. Um dia você acorda, olha pra sua mãe e pensa, essa mulher aí eu reconheço. E quando percebe, na verdade, você está se olhando no espelho e vendo em si a força que ela te mostrou todos os dias de sua vida. Você entende o legado de luta. Você entende que nesses corpos e mentes aqui quem manda somos nós. Decerto não virei feminista à toa. Obrigada, mãe. Por mais essa.   

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