Minha filha é uma menina corajosa, cheia de fantasias. Tem esperança de que, quando fizer onze anos, receberá uma carta de Hogwarts, como aconteceu com o Harry Potter, convocando-a para a escola de bruxos mais importante do mundo. Ama a Eleven, do Stranger Things, admira a Super Girl, ficaria feliz em ter super poderes! Sempre teve espadas, sabres e agora tem um bastão, na verdade um pedaço de madeira, como a Rey, de Guerra nas Estrelas. Quer ser a Rey acima de qualquer coisa, lutar e proteger os rebeldes contra o Império.

Dia desses, queria que eu escolhesse uma época pra voltar no tempo. Estava numa fase meio cowboy e me disse que queria voltar ao Velho Oeste, parecia uma época perfeita, cheia de aventuras, queria ser uma xerife.

Eu tive um surto de honestidade e disse que ela nunca seria uma xerife. Disse, de um jeito mais suave, que em meados do século XIX o máximo de aventura que uma mulher ia viver era ter um caso com algum fora da lei, mas o mais provável era que fosse violentada pelo bando e, sem outras oportunidades, virasse uma prostituta.  Caso contrário devia ficar trancada em casa, vestindo roupas desconfortáveis e cuidando da casa e dos filhos.

Me dei conta de que tinha estragado a fantasia e pedi desculpas. Expliquei que, há pouco tempo, a gente não votava, não dirigia, não tinha voz nem vez. Disse que, em nenhuma outra época, tínhamos tido tantos direitos e tantas oportunidades. E fiquei feliz! Muito feliz!

Muitas mulheres, ainda, não têm vez e não têm voz. Mas enquanto escrevo esse texto, milhares marcham nos EUA e, em vários países da Europa e, em todos os lugares, se escutam nossas vozes. Discordantes, às vezes, é verdade, mas falamos. E somos ouvidas.

Embora haja muito a ser dito e, principalmente, muito a ser feito, vivemos uma época extraordinária. Muitas feministas comparam o que se vê, nesses nossos dias, com a revolução provocada pela pílula anticoncepcional. É possível que daqui há muitas décadas os anos de 2017 e 2018 sejam lembrados como o período em que o mundo começou a mudar, de verdade, para as mulheres.

Em 2017, o Líbano, a Tunísia e a Jordânia revogaram leis que permitiam o perdão a estupradores que se casassem com suas vítimas. Ainda, em 2017, a Índia passou a considerar estupro o casamento com mulheres menores de 18 anos, o Chile legalizou o aborto em algumas situações e, a partir de 1º de janeiro de 2018, a Islândia passou a considerar ilegal o pagamento de salários menores à mulheres, com igual qualificação e para os mesmos cargos que os homens. Casos de assédio no trabalho foram noticiados no mundo inteiro. Por aqui, um dos principais galãs da TV brasileira foi afastado das telas, após denúncia de abuso sexual.

Todas sabemos que não é o suficiente, mas agora podemos sonhar com um mundo em que ninguém será vítima de violência, exclusivamente, por ser mulher.

Ainda tenho medo de que a minha filha seja violentada, abusada, assediada, que perca sua fé, sua autoestima, seja passada para trás, se deixe dominar. Mas acredito que ela vive a melhor época pra ser uma menina, na história da humanidade, até hoje. Sei que ela pode sonhar, que pode ser quem quiser, fazer o que quiser, porque tem super poderes, pode lutar contra o Império, proteger as rebeldes, é uma bruxa, pode voar.

Que dia bom pra estar viva!


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Uma resposta

  1. De fato, estamos num período que pode ser lembrado como um marco no empoderamento feminino. Já ouvi algumas vezes de outras mulheres que, se pudessem escolher ser mulheres ou homens, escolheriam ser homens, pois ser mulher é muito difícil. Sempre fiquei incomodada. Acho que dizer isso significa aceitar uma supremacia masculina (pelo menos nos contextos que eu ouvi).. Gosto de ser mulher e gosto do desafio de ser uma mulher num mundo que está caminhando para entender o que é isso! Sigamos na luta. A conversa com a sua filha pode ter sido, num primeiro momento, um baque, mas certamente ela vai se lembrar sempre da importância que essa conversa teve. Super papo mãe e filha esse 🙂

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