Já há algum tempo me pego pensando sobre escrever/publicar ou não esse relato. Mentalmente eu já o fiz diversas vezes. Mas, pensando em todos os relatos que eu já li e no quanto eles me ajudaram nessa caminhada materna, senta que lá vem textão…

Desde antes de engravidar, eu nunca tive dúvidas sobre minha capacidade de parir. Nunca tive medo de parir. Nunca passou pela cabeça a possibilidade de não conseguir parir. Sempre acreditei na máxima “mulheres sabem parir e bebês sabem nascer”. Mas com a amamentação não foi bem assim.

A primeira vez que tive minha capacidade de amamentar questionada foi na minha primeira visita ao ginecologista, por volta dos 13 anos. Ele me disse que, por possuir mamilos invertidos, deveria me submeter a uma cirurgia de correção caso tivesse a intenção de amamentar quando engravidasse. Essa mesma afirmação me foi dita nos 8 anos seguintes em todas as consultas que fiz com ele, até que finalmente me submeti ao procedimento única e exclusivamente com a intenção de amamentar meu bebê quando engravidasse. Pensei comigo “problema resolvido”, vou conseguir amamentar, afinal uma outra máxima da maternidade é “mulheres sabem amamentar e bebês sabem mamar”. Quando engravidei, fiz questão de não comprar mamadeiras e não pesquisar absolutamente sobre nada relacionado a isto.

Após uma gravidez tranquila, foi chegado o tão esperado momento do parto. Resumindo a história – afinal isso não é um relato de parto – foi um parto domiciliar rápido, sem nenhuma intervenção e quase sem dor. Nasceu meu filho, renasci mãe. E lá estava eu, mãe de primeira viagem, com meu bebê nos braços. 100% de sucesso da minha estreia na maternidade. Mas, se a vida é uma caixinha de surpresas, a maternidade é uma caixinha de surpresas que você abre durante o looping da montanha russa.

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Foto Aline Brant

Dois dias após o parto veio minha apojadura, termo que até então eu não conhecia, apesar de me considerar super bem informada sobre tudo que precisava saber. Além de não conhecer o termo “apojadura”, também não sabia o quão dolorosa ela poderia ser. Meus seios incharam tanto que não conseguia levantar os braços, não conseguia segurar meu filho e em alguns momentos nem mesmo levantar sozinha da cama caso estivesse deitada. Foi o meu primeiro “pior momento como mãe”. A primeira vez que me senti incapaz. E a primeira vez que eu duvidei que conseguiria amamentar. Tentei durante todo o dia oferecer meu peito ao meu filho, mas ele não conseguia pegar devido ao inchaço que aumentava a cada momento. Tentei massagear e ordenhar manualmente, mas não saia nenhuma gota de leite. Tentei utilizar uma bomba de ordenha manual, mas não saia nenhuma gota de leite. Não conseguia entender como e nem porque meu filho, que havia mamado por 3 horas seguidas ao nascer com uma pega perfeita, não conseguia mais mamar no peito. Com o passar dos dias a situação não melhorou muito e a junção disso com o forte calor de dezembro, fez com que meu filho perdesse muito peso rapidamente e tivesse que ser internado com apenas 14 dias, o que me levou ao meu segundo “pior momento como mãe”. No hospital meu leite secou completamente e devido a falta de um banco de leite na minha cidade, o leite artificial teve que ser introduzido.

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Foto Aline Brant

Durante os seis dias que meu filho ficou internado, passei pelos piores momentos da minha vida até hoje. Afirmo sem medo de estar exagerando que cheguei próximo da loucura. Ouvi coisas que nunca imaginei que fosse ouvir, pensei coisas que jamais havia pensando, me senti ausentar do meu corpo físico em alguns momentos. Com o passar dos dias meu filho foi melhorando e meu coração foi tentando se acalmar. Decidi resistir. Decidi não desistir.

Ainda no hospital ouvi de uma enfermeira que a cirurgia de correção dos mamilos que fiz poderia ter criado uma quelóide ou rompido algum ducto, o que gerou minha dolorosa apojadura e toda minha dificuldade da amamentação. Ouvi também que deveria usar uma concha para ajudar na formação do meu bico, que apesar da cirugia, continuava muito plano. Ouvi que deveria tomar remédio para aumentar minha produção. Ouvi que talvez não valesse a pena tanto esforço assim para amamentar.

Sai do hospital decidida a retirar o leite artificial e retomar minha sonhada amamentação exclusiva e chegando em casa uma das primeiras coisas que fizemos foi procurar uma consultora de amamentação. Na primeira consulta vimos que a pega do meu filho era perfeita e de acordo com a consultora eu tinha produção de leite. Iniciamos então a relactação para retirar a mamadeira inserida no hospital e para estimular minha produção de leite. O fantasma da perda de peso nos assombrava sempre e quase diariamente íamos a uma farmácia perto de nossa casa verificar se nosso bebê continuava a ganhar peso.

Após um mês fazendo a relactação era chegado o momento de retirar a sondinha e alcançar a amamentação exclusiva. Mas o leite artificial ainda era necessário, minha produção ainda era pouca e meu bebê sempre adormecia rapidamente quando estava no peito. Era necessário a utilização da colher dosadora ou o copinho para o LA. Só que meu bebê não aceitava nenhum dos dois. Foram várias semanas dedicadas a isso, estressando a mim, ao meu bebê e a todos que estavam a nossa volta. Chegamos ao ponto dele me ver com a colher/copo na mão e chorar até quase perder o ar. Estava em frangalhos e já não sabia mais o que fazer. Só me sentia a pior mãe do mundo por não conseguir amamentar meu filho.

Não tinha mais forças para ficar do jeito que estava, não tinha mais forças para ver meu bebê chorando, não tinha forças para encarar o medo dele perder peso novamente. Não acreditava mais em mim. No dia 16 de fevereiro de 2017 eu vivi meu terceiro “pior momento como mãe”. Decidi parar tudo que estava fazendo e voltei a dar a mamadeira. Nesse dia eu só chorei. Dei a mamadeira e chorei. Chorei de tristeza, de medo, de fraqueza, de solidão, de culpa, de vergonha. Chorei. EU NÃO CONSEGUI AMAMENTAR.

Durante algum tempo tive vergonha de falar sobre isso em público. Nos primeiros meses do meu filho, evitava sair de casa por muito tempo por medo dele ficar com fome e as pessoas verem que eu estava fazendo a relactação ou que eu estava dando a mamadeira. Era como se isso acendesse o letreiro de “pior mãe do mundo” em cima da minha cabeça. Até hoje revivo tudo que passei na minha cabeça e tento achar uma explicação para o que passamos. Tento achar onde erramos, o que faltou. Não sei se foi a cirurgia que fiz que me impediu de amamentar. Não sei se foi meu psicológico que não aguentou o tranco. Não sei se faltou informação, acompanhamento profissional no momento adequado. Não sei se faltou rede de apoio, se faltou canja de galinha, canjica branca ou se faltou água. A vida segue. Ela tem que seguir. E eu vou daqui tentando administrar a minha bigorna da culpa materna que nós mães começamos a carregar desde que engravidamos.

Hoje eu teria feito muita coisa diferente, mas não sei se o resultado final seria outro. Se tem uma coisa que a maternidade me ensinou foi a não acreditar em leis absolutas. Quanto mais rígida uma regra, mais rapidamente você vai quebrá-la. Infelizmente nem todos os bebês sabem nascer e nem todas as mães sabem parir. Infelizmente nem todos os bebês sabem mamar e nem todas as mães sabem amamentar. A maternidade me ensinou a julgar menos e a acolher mais.

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Foto Aline Brant

 

Minha admiração a todas as mães que conseguem amamentar seus filhos.

Meu respeito às mães que escolhem não amamentar seus filhos.

Minha solidariedade às mães que gostariam, mas que por algum motivo não conseguiram amamentar seus filhos.

*Esse texto foi publicado no Fala Frida originalmente no dia 10 de agosto de 2017.


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0 resposta

  1. Que relato maravilhoso!!! Passei por todas essas situações e me culpe mto tb, com o tempo o coração vai acalmando…Abraços

  2. Passei por algo parecido. Também evitava sair, tinha vergonha…Mas decidi que isso pode até fazer parte da minha história, mas não me define como mãe! Força! Estamos juntas!

  3. Completamente emocionada e identificada!!!
    Um abraço gostoso!
    E que sejamos felizes e alimentemos as nossas crias seja lá do jeito que for!

  4. Uau, Aline!! Não sei se conseguirei por em palavras o que eu gostaria de dizer. Mas, vou tentar. Eu consegui amamentar. Mas, não consegui ter o parto natural/ normal que idealizei tanto. Foi muito difícil e hoje posso até dizer que até meio traumatizante todo aquele processo. Enfim, concordo com você. Sao eventos fisiológicos, mas somos seres atravessados pela linguagem, de forma, que não somos tão naturais assim. Concordo com você! E precisamos considerar que amamentar é um ato dentre tantos outros que uma mãe pode ter com relação ao seu filho!! Parabéns! Tomara que fique tranquila com a certeza que você fez o que pôde!!! Parabéns!!!

  5. Linda MãeAline, entender suas limitações como mãe e aceita las é parte de um doloroso processo de amor. Somente assim conseguimos seguir por novos caminhos e fazer o que de melhor as mães sabem fazer, Amar. Amar no sentido mais amplo: abrir mão de sonhos antes sonhados, de noites de sono, de conceitos e preceitos, de entender que a dor física e emocional também faz parte, de passar por cima dos preconceitos que nós mesmas vamos somando ao longo da vida. Parabéns pela força e perseverança. Tenho muita admiração pela sua doce alegria ?

  6. Parabéns Aline pelo relato. Infelizmente nos sentimos culpadas porque temos o péssimo hábito de nos julgar, porque a sociedade infelizmente julga sem remorsos mães que não conseguem amamentar. E muitos não conseguem entender que na maternidade não existe certo ou errado ou regras impostas por todos como você relatou. Cada ser humano é de um jeito e somos livres para escolher além disso a maternidade é feita de erros e acertos. E acredite ser mãe é muito mais do que amamentar no peito. Eu passei por uma situação muito parecida, milhões de opiniões e julgamentos ao meu redor Pq não conseguia amamentar como deveria. Minha filha dormia nos 10 primeiros minutos e era uma luta para manter acordada e não ganhava peso. Tentei vários métodos inclusive o da sonda ( que aliás ideia ótima amarrar no pescoço ) mas não teve jeito tive que introduzir a fórmula. A verdade é que percebi que no meu egoísmo de querer que minha filha amamentando apenas no peito eu estava fazendo ela sofrer e podendo ter consequências inclusive cognitivas no futuro por falta de alimento. E pensei que mãe é essa que faz seu filho sofrer por uma vontade egoísta? Minha filha quer alimento não importa de onde vem. E percebi algo muito maior: mãe possui um amor supremo e que abre mão de suas vontades e desejos para que seu filho esteja sempre saudável e seguro! Isso sim é mãe e maternidade é reconhecer quando o caminho que tomou não é o mais adequado para seu filho e ter a livre escolha de escolher outro caminho com muito amor! “Mais amor e menos julgamento por favor!” Deveria ser o lema de nossa era.

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