Hoje é 8 de março e qual reflexão feminista é possível em tempos de guerra? Não basta estarmos vivendo há dois anos uma crise sanitária global com consequências sociais, econômicas e políticas desastrosas para tantas pessoas, que vem um genocida como Vladimir Putin e dá início à uma guerra contra a Ucrânia em pleno 2022. Alguns fatos sobre essa guerra inacreditável são dignos de nota para nossa reflexão sobre o feminismo nos dias de hoje:

CORPOS FEMININOS E A GUERRA

>Têm circulado na internet fotos de mulheres ucranianas com armas, como a ex-miss Ucrânia Anastasiia Lenna. Parece ótimo, já que as mulheres podem ocupar todos os espaços que quiserem, não é mesmo?

O que o feminismo tem a ver com isso

Em algumas dessas imagens, as mulheres estão maquiadas, penteadas e parecem estar em um editorial de moda, como apontou Nina Lemos. Promover-se às custas de uma guerra? Qual é o glamour da guerra, minha gente? Um vídeo no Tik Tok em que uma mulher faz dancinha com o uniforme militar, com tanques ao fundo, também viralizou. Essas imagens têm bombado em sites pornográficos e há quem fale em um calendário só com elas. A objetificação das mulheres realmente não dá trégua nem em tempos de guerra. 

Ainda mais grave do que isso são as acusações do Ministro das Relações Exteriores ucraniano de que as tropas russas têm estuprado mulheres nas cidades ocupadas. Mesmo sem provas, sabemos que o estupro é uma arma de guerra das mais potentes, porque mutila não só os corpos como as mentes e almas das vítimas. Naomi Wolf fala sobre isso em seu livro Vagina: uma biografia. Violações sexuais em contextos de guerra já aconteceram na Bósnia, Arábia Saudita, Marrocos, Síria, Índia, Paquistão e certamente na Alemanha Nazista. Até quando?

EXÉRCITO DE REFUGIADAS

>São incontáveis as famílias que estão sendo despedaçadas por conta dessa guerra, já que crianças e mulheres têm se refugiado na Polônia enquanto homens com idades entre 18 e 60 anos são obrigados a ficar na Ucrânia para pegar em armas contra a Rússia. Em uma semana de guerra, o número de refugiados já chega a um milhão de pessoas.

O que o feminismo tem a ver com isso

Quantos destes homens que ficaram em solo ucraniano sobreviverão ao arsenal bélico russo que compreende 900 mil homens e mulheres ativos, mísseis, jatos, tanques, navios e submarinos ultra modernos – frutos de investimentos anuais de U$61 bilhões por ano) – além do maior número de armas nucleares do mundo? Você já imaginou a quantidade de mães solo ucranianas quando essa guerra acabar? Mulheres que, além de viver a própria dor e trauma de uma guerra que não desejaram, terão que ser o esteio emocional e econômico destas famílias órfãs. Dureza é pouco! 

Outro ponto importante é que pessoas trans têm tido dificuldades para atravessar a fronteira. Esse é o caso de Zi Faámelu, que tem em seus documentos o nome masculino, foi impedida de ir para a Polônia e pode ser convocada para lutar. O processo de mudança de nome na Ucrânia costuma ser lento e custoso e ela diz que as pessoas trans se sentem “esquecidas, negligenciadas, abandonadas”. 

A GUERRA É UM NEGÓCIO DE HOMENS

>Ucranianas que viveram enquanto crianças a tenebrosa Segunda Guerra Mundial – que aconteceu há cerca de 80 anos – estão tendo que repetir a dose do horror. Uma sobrevivente do Holocausto de 77 anos – Yelena Osipova – foi presa na Rússia ao protestar contra a guerra na Ucrânia (junto com mais 7 mil pessoas, estima-se). Outros idosos relataram lembranças dos bombardeios nazistas quando a Ucrânia passou a ser invadida pela Rússia. 

O que o feminismo tem a ver com isso

Será que não aprendemos nada com as atrocidades nazistas e com a banalidade do mal do Holocausto judeu? A guerra está sendo liderada em grande parte por homens não só brancos e velhos, como também machistas e antiquados. Guerra em pleno 2022 depois de tudo que já estudamos – e vivenciamos, como o caso de Yelena – nas aulas de História? Vladimir Putin – o genocida – gosta de se deixar fotografar sem camisa, para mostrar sua suposta “virilidade”. O que pode ser mais infantil do que isso? 

Além disso, quantas mulheres estão envolvidas nas decisões de guerra que mudarão suas vidas e as de milhares de pessoas? As mulheres não gostam da guerra, não fazem a guerra. Não precisam provar para o mundo seu poder explodindo bombas em um país vizinho. Virginia Woolf nos lembra que “o exercício da autoridade é parte integrante – e exclusiva da formação masculina; a obediência acompanha a formação feminina. Cabe aos homens decidir os destinos de suas mulheres e de seus filhos; cabe a eles também, decidir os destinos das nações”. Até quando?

O livro de Virginia onde se encontra essa citação já diz muito por si só: “As mulheres devem chorar… e se unir contra a guerra: patriarcado e militarismo”. Como vocês sabem, Virginia Woolf (saiba mais sobre ela e sua obra aqui, aqui e aqui) não só viveu a Segunda Guerra, como escreveu reflexões importantíssimas ao som de bombas em Londres e suicidou-se em 1941, último ano deste evento histórico pavoroso. 

Encerro este texto com outra reflexão dela: “Num tempo de guerra, mais do que nunca, militarismo e masculinismo constituem um par indissolúvel. A guerra é, seguramente, um negócio de homens”. Portanto, mesmo sendo a guerra um negócio de homens, ela afeta a todas as pessoas, e afeta mais ainda as mulheres e as crianças. Fim da guerra já!

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