Tenho conversado com muitas pessoas ultimamente sobre a importância de reconhecermos o quanto a sociedade brasileira é racista – e o quanto muitas de nossas ações também o são. Dia desses comentei com minha mãe que usar a palavra “mulata” para se referir a uma mulher negra de pele clara é uma atitude racista. Ela ficou pasma! Argumentou que sempre utilizou tal palavra, que até ensinava o termo em sala de aula enquanto professora. Pois é. Só mulata vem de mula, que significa um animal híbrido, estéril, originário do cruzamento da égua com jumento ou cavalo com jumenta. Em outras palavras, uma pessoa mulata seria o resultado do “cruzamento” de uma pessoa de raça inferior (no caso, a negra – equivalente ao jumento) e uma superior (a branca – equivalente ao cavalo). Deu pra entender agora? Saiba mais sobre o assunto aqui.

Muitas pessoas se queixam comigo de que “agora não dá pra falar mais nada”, “que tudo é preconceito”, “que esse “politicamente correto” é muito chato”, que “tudo virou um mi mi mi” etc. Eu entendo porque se sentem assim. Nossa sociedade – felizmente – está mudando e muitas ofensas diárias e injustiças históricas não são mais toleradas. Mas o que fazer diante destas transformações? Você pode começar se informando. Lendo, ouvindo, assistindo. Entenda quais são os debates. Ouça integrantes destas minorias (não vale uma outra pessoa falar por eles, lembra do lugar de fala?). Só assim conseguiremos desmantelar o racismo estrutural da nossa sociedade.

Grada Kilomba, escritora e artista portuguesa, no livro Plantation memories: episodes of everyday racism, cita, a partir de Paul Gilroy, cinco estágios de defesa que sujeitos brancos comumente enfrentam para finalmente conseguirem “ouvir” sobre questões raciais. 

NEGAÇÃO É um mecanismo que opera inconscientemente para resolver conflitos emocionais, recusando-se a admitir os aspectos mais desagradáveis da realidade externa e de pensamentos e sentimentos internos.

CULPA O segundo mecanismo é a culpa, emoção que segue quando infringimos uma questão moral. A pessoa experimenta conflito por ter feito algo que agora acredita que não deveria ter feito.

VERGONHA É o medo do ridículo, provocado por experiências que questionam nossos preconceitos sobre nós mesmos e nos compelem a nos vermos com novos olhos. É um mecanismo que ajuda a reconhecer a discrepância entre as percepções de outras pessoas acerca de nós, bem como a forma que enxergamos nós mesmos.

RECONHECIMENTO É o mecanismo que vem depois da vergonha, o momento em que o sujeito branco reconhece sua branquitude e seu racismo. É a passagem da fantasia para a realidade.

REPARAÇÃO É o ato de reparar o mal que foi causado pelo racismo ao transformar agendas, espaços, posições, dinâmicas, relações subjetivas, vocabulários, ou seja, abrir mão de privilégios e apoiar ativamente a transformação da sociedade.

É um processo e tanto, não? Em que fase você se encontra na desconstrução do seu racismo? Ainda em negação? Ou já atuando na reparação? E se você não sabe o que fazer, eu posso sugerir algumas coisas.

A primeira delas é mudar a linguagem. Ou seja, agora que você sabe que a palavra mulata tem uma conotação racista, você tem a obrigação moral de não só deixar de utilizá-la como também de passar adiante essa informação e influenciar outras pessoas.

Se você é professor/a, abra a pauta do racismo em suas aulas. Não existe nenhuma profissão ou área do conhecimento que não seja atravessada por essa questão. Se você tem um microfone na mão, chame uma pessoa negra para falar. Convide pessoas negras para palestrar, para ensinar sobre racismo. Estude história, se informe. Vá além do que tradicionalmente aprendemos na escola porque isso não é suficiente. Reconheça que, como nação, fomos por muito mais tempo escravocratas (300 anos) do que o contrário (cerca de 150 anos). O racismo não é um problema das pessoas negras, é um problema de toda a nação brasileira, ou seja, meu e seu, nosso. E quem é branco tem uma dívida gigante a pagar. 

Referência

KILOMBA, GRADA. Plantation memories: episodes of everyday racism. Münster: Unrast, 2016. 

*Este texto foi publicado originalmente no Fala Frida no dia 08 de outubro de 2019.

 

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