Desde o começo da minha caminhada pela igualdade de gênero, há alguns anos, venho estudando e refletindo sobre a ausência de mulheres em algumas esferas da sociedade: na política, na presidência das grandes empresas, nos espaços de poder de maneira geral… Atualmente, como professora universitária nas áreas de administração e tecnologia da informação, cheguei a algumas conclusões sobre as dificuldades que as mulheres enfrentam para entrar ou permanecer no mundo da tecnologia. Divido as principais com vocês.

Tudo começa na infância

Vira e mexe, eu falo sobre a importância das referências e dos brinquedos que oferecemos às crianças e a importância disso nas escolhas futuras em relação à profissão. Se comumente oferecemos às meninas bonecas, panelas, comidas e ferros de passar e aos meninos caminhões, robôs e estações espaciais, é bem provável que eles internalizem a ideia de que: a) o mundo do cuidado, das emoções e o domínio privado – casa, filhos – é o mundo das mulheres; e b) o mundo das grandes construções, da lógica, das conquistas e aventuras é o mundo dos homens. A consequência disso é que quem fugir um pouco dessa “divisão de trabalho” tende a enfrentar problemas ou estar “fora de lugar”. Então quando não nos manifestamos veementemente contra a ideia de que meninas não são tão boas assim em matemática e que é “normal” meninos ficaram tantas horas jogando games, estamos contribuindo para que meninas não imaginem o mundo da tecnologia como seu. Como já explorei aqui, de acordo com a ONG britânica Let Toys be Toys a divisão brinquedos focados em tecnologia e construção para meninos e brinquedos relacionados a trabalhos manuais e artísticos para meninas limita suas potencialidades futuras. Por conta disso são tão importantes ações como a Change the Game, do Google, que tem como objetivo construir um futuro com mais diversidade na indústria de jogos para celular.

A tal da representatividade

Outra grande questão é a falta de representatividade no mundo da tecnologia. Se considerarmos que, de acordo com o Gender Gap Report, 72% dos profissionais de inteligência artificial são do sexo masculino, fica difícil para meninas e mulheres acreditarem que há espaço para elas nestes locais. É muito comum que mulheres sejam as únicas representantes de seu gênero em salas de aula ou reunião. E isso intimida. Assusta. Afugenta. Não é fácil. Muitas acabam adotando trejeitos “masculinos” para se encaixar, mas isso pode não ser saudável psicologicamente. Quantas mulheres conhecidas ocupam cargos de C-level no mundo da tecnologia? Paula Bellizia, na Microsoft, Sheryl Sandberg, no Facebook, Ginni Rometty, na IBM, Susan Wojcicki, no Youtube, Angela Ahrendts, na Apple, mas… quem mais? No Brasil, de acordo com a Exame, somente 16% das pessoas que ocupam cadeiras na presidência das 500 maiores empresas do país são mulheres. 

Piadas e desincentivos ao longo do caminho

Se mesmo com essas barreiras, uma mulher decide estudar ou trabalhar com tecnologia, ela provavelmente terá que ser muito persistente e resiliente. As salas de aula dos cursos de tecnologia costumam ser majoritariamente formadas por homens brancos. Na minha experiência como professora, nunca tive uma turma com mais de 3 alunas. Eu disse uma, duas, três alunas, apenas, entre mais de 20 homens. E esses locais, infelizmente, costumam ser bem machistas. Ouvir que aquele lugar não é pra elas, brigar por espaço e igualdade, e ainda apreender conhecimentos técnicos é mais cansativo pra elas do que para eles. Sem contar que elas provavelmente são responsáveis por mais tarefas domésticas do que seus companheiros (20h contra 10h semanais, respectivamente, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais – IBGE, 2015). Outro problema é que, uma vez no mercado de trabalho, mulheres recebem salários inferiores aos dos homens, mesmo quando ocupam o mesmo tipo de cargo e possuem a mesma escolaridade. Em média, as mulheres recebem apenas 77% do que os homens ganham e se considerarmos mulheres negras em relação a homens brancos, elas ganham apenas 40% do salário deles.

A falta de diversidade na tecnologia é prejudicial para todos

Em muitas de minhas aulas, trago o tema da diversidade e sua importância para a inovação, especialmente em empresas de tecnologia. Relatórios como Delievering through Diversity, da McKinsey, publicado em 2018, mostram que empresas com mais mulheres no board tendem a ter lucratividade acima da média da concorrência. Além disso, costumam reter seu pessoal, ter mais foco no mercado (que é, de fato, diverso), tomam melhores decisões e em menos tempo. Alguns dos impactos para a sociedade da ausência de mulheres na tecnologia ficam evidentes como no caso do algoritmo da Google, que respondia à busca pela palavra “lésbica” indicando sites de pornografia. Depois de algumas manifestações, em especial de ativistas francesas, a empresa (cujo quadro é formado, segundo dados de 2016, por somente 18% de mulheres em cargos de tecnologia) alterou o algoritmo e agora aparecem referências mais científicas sobre o significado da palavra lésbica. Outro impacto da falta de diversidade racial na tecnologia é o fato de softwares de reconhecimento facial não reconhecerem rostos negros, como evidencia a pesquisadora negra do MIT Joy Boulamwini, que teve que vestir uma máscara branca para ter sua face lida pelo software. 

Apesar de tudo isso, minha experiência mostra que muitos homens ainda enfrentam muita dificuldade para criar empatia com as mulheres que tentam entrar na tecnologia. Costumo ouvir de meus alunos que “há oportunidades para todo mundo”, que “não tem mais nenhuma barreira ou portão fechado para as mulheres na tecnologia” e que “elas é que não gostam muito de programar”. É, ainda temos um longo caminho pela frente até a igualdade. 

*Esse texto foi publicado originalmente no NSC Total em 11 de outubro de 2019.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *