Deitada no leito que sangrava

O corpo esquecia-se e ia-se. Era morta.

Seu poder era sua sentença.

 

Pois padecem os homens do medo da liberdade

Porque não sabem viver a própria vontade.

 

Seu ato de ser gente lhe ceifou o existir. Era morta.

Sozinha entrou no corredor escuro do abate. Sozinha carregava todas as dores e alegrias.

Era medo e pavor naquele dia. Era sozinha. Não queria.

Quieta, silenciada. Condenada já estava.

Nascera mulher. E só na morte marca existência.

Até então era esquecida. Mulher não parida. Puta. Filha de ninguém.

Quando morre na esteira da liberdade vira número.

Vira gente. Vira exemplo. Vira luta.

O corpo esquecia-se e ia-se. Era morta.

 

Era ninguém. Sua vida não valia. Valia era a ideia de vida.

Valia o poder do cajado. Valia a vontade do pau desordenado. Valia o abandono.

Valia a língua que julga. A caneta que assina. A cor da pele. A conta do banco.

Valia o voto. Valia a hipocrisia. Só não valia ela. A vida dela se ia. Era morta.

 

Nascera inocente como nascem todas as mulheres.

Mas por ordem de letra sua vontade é crime. E o crime a faz morta.

Sozinha entrou no corredor escuro do abate. E ali morreu à sombra dos juízos do mundo.

 

 

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