Essa semana acabei de ler (devorar, na verdade) um livro chamado O segredo da Dinamarca: descubra como vivem as pessoas mais felizes do mundo. A obra foi escrita pela jornalista inglesa Helen Russel, que mudou-se para a terra do Lego com seu marido para investigar por que os dinamarqueses são considerados o povo mais feliz do mundo. A leitura é muito leve e traz uma ótima reflexão sobre qualidade de vida e bem estar social.

Russel menciona vários aspectos da vida que os dinamarqueses consideram impactar positivamente em seu nível de felicidade (veja um resumo aqui). Como durante mais de 6 meses do ano, é frio e escuro do lado de fora, eles adoram investir em casas bonitas, confortáveis, quentinhas e cheias de peças de design – dinamarquês, naturalmente. Existe até um termo pra esse aconchego todo, é o hygge (entenda aqui). Equilibrar vida pessoal e profissional é, sem dúvida, um dos pilares da felicidade na Dinamarca. A carga horária de trabalho semanal é de 37 horas. Ou seja, eles trabalham das 8h às 16h e, nas sextas-feiras, algumas empresas liberam os funcionários às 14h30! Outro aspecto muito importante é a igualdade. Lá ninguém é melhor do que ninguém e todo mundo ganha um salário decente, não importa se é padeiro ou CEO. A carga de impostos é altíssima, mas em troca você tem saúde, educação e segurança de qualidade.

Parece bom demais para ser verdade? Então espere até ouvir sobre criação de filhos.

O Estado dinamarquês concede às famílias um ano de licença remunerada para cuidar de um bebê. Só a Suécia oferece uma licença maior, de um ano e quatro meses. Nas primeiras 14 semanas, são necessariamente as mães que ficam em casa (os homens têm direito a 15 dias, mas estão pleiteando um tempo maior). A partir da 14a semana, pai e mãe dividem a licença de maneira que faça sentido para aquela família. Não é coincidência que na Dinamarca as mulheres ocupam mais de 40% dos assentos do parlamento. Alô, mulheres, vamos pra política fazer leis que nos beneficiem?

Os dinamarqueses entendem que o cuidado com os filhos não é apenas um problema das mulheres, mas dos dois seres humanos que decidiram colocar uma criança no mundo – e do Estado, que tem interesse naquela força de trabalho futura. Atividades que tradicionalmente entendemos como “trabalho feminino” como cozinhar e limpar a casa são valorizadas e os homens estão habituados a fazer de tudo dentro de casa. É super comum ver pais empurrando carrinhos de bebê, brincando com crianças em parquinhos às 3 da tarde ou buscando seus filhos na escola. Fantástico não? Além disso, qualquer mãe que tenha filhos menores de 18 anos recebe um subsídio do governo, independente da sua renda. Ou seja, o Estado entende que o tempo de cuidado com as crianças, que são o futuro daquela nação, merece ser remunerado. Faz todo sentido, porque a trabalheira não é pouca. E também porque as taxas de natalidade no país vêm caindo. Veja que este é o país mais feliz do mundo e ninguém falou de empregada doméstica!

E a creche? Todos os bebês que nascem na Dinamarca têm uma vaga garantida na creche dos seis meses aos 6 anos, quando vão para a escola (que é gratuita, assim como o ensino superior). Em troca de 45 horas (!!!) de cuidado por semana para crianças menores de 2 anos, os dinamarqueses pagam entre R$1300 e R$ 2000. Os 75% restantes do custo são pagos pelo governo (lembra que eu falei que todos os profissionais recebem um salário digno?). A partir dos 3 anos, o preço cai para R$ 950 porque o cuidado passa a ser menos intensivo. Não é de graça mas os preços não são proibitivos como em muitas cidades brasileiras. Não é incomum encontrar mulheres que pararam de trabalhar porque seu salário mal cobria o custo da creche, então acabava “fazendo sentido” elas ficarem em casa cuidando não só dos filhos, mas de tudo (lembra da tirinha do trabalho mental?). Já vimos esse filme. Mas na Dinamarca as pessoas confiam no sistema e têm certeza de que seus filhos estarão bem cuidados e bem alimentados nas creches – com comida orgânica e fresca. As crianças costumam ter muita liberdade para explorar o ambiente, que é todo pensado e planejado a partir das diferentes etapas do desenvolvimento infantil.

Por isso tudo, 78% das mães dinamarquesas voltam ao trabalho depois da licença-maternidade. Os dinamarqueses não entendem por que as mulheres não desejariam voltar para um emprego que gostam e que paga um bom salário, dado que o Estado cuida muito bem das crianças no tempo em que estão fora. Apesar de tudo isso, as mulheres ainda ganham 16% menos do que os homens na mesma função e as mulheres não mães ganham 5% a mais do que as mulheres mães no país.

Não, eu não estou sendo paga pelo governo dinamarquês para fazer propaganda do país. Também concordo que deve ser mais fácil oferecer todo esse bem estar social para uma população de apenas 5 milhões e meio de habitantes. E nem tudo são flores por lá. Os dinamarqueses bebem e fumam muito e são responsáveis por altas taxas de violência em geral e contra a mulher. Uma pesquisa da União Europeia mostrou que 52% das dinamarquesas entrevistadas foram vítimas de violência física ou sexual, quando a média dos outros países europeus é de 33% (não é ideal, mas é menos pior). E o inverno, além de longo, é muito rigoroso. Durante vários dias, não há mais do que duas horas de sol.

Minha intenção com esse texto não é provocar uma depressão coletiva em nós brasileiros… Mas sim apontar para o fato de que existem outras formas de lidar com o cuidado com os filhos, individual e coletivamente. A igualdade de salários e oportunidades no mercado de trabalho passa, necessariamente, por uma divisão mais igualitária nos cuidados com a casa e com os filhos. E o Estado deveria ser parte disso, oferecendo creches de qualidade para todos. Ao fim do livro, senti um sopro de esperança, já que outra realidade é sim possível.


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4 respostas


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    Cristiane Leme disse:

    Nicole, obrigada pela menção aos meus textos no Brasileiras Pelo Mundo.
    Eu já tinha deixado um comentário aqui mas acho que foi retirado. Não tem problema, o importante é que você leia esse aqui 🙂

    Queria apenas esclarecer que não houve campanha nenhuma do governo dinamarquês para que as mulheres tivessem mais filhos. O artigo que você citou se baseou numa campanha veiculada pela agência de viagens Spies, que se aproveitou do fato de as estatísticas apontarem que os dinamarqueses em geral fazem mais sexo quando estão fora do país para vender pacotes de viagens. Essa peça publicitária foi divulgada pelo mundo todo e teve continuações com promoções e premiações para quem tivesse realmente engravidado e tido filhos após ter viajado com a empresa. No Brasil ela chegou distorcida e algumas pessoas fizeram fake news para ganhar audiência e cliques, divulgando uma suposta campanha do governo, que jamais existiu. Teve até gente que me escreveu aí do Brasil para perguntar sobre a tal campanha que nunca existiu, depois de ter lido uma dessas matérias inverdadeiras…

    Agora o que existiu de verdade foi uma campanha da prefeitura de Copenhague em 2015 para incentivar jovens estudantes a terem filhos mais cedo, já que a média nacional fica acima dos 30 anos . por aqui, as pessoas que decidem fazer universidade ou ensino continuado estudam até os 35 anos mais ou menos. Fora isso, não houve nada.

    Obrigada pelo espaço, sucesso pra você!

    1. Oi Cristiane, muito obrigada por seu comentário e esclarecimentos. Fiz algumas alterações no texto para evitar confusão. Um abraço e sucesso no Brasileiras pelo Mundo!

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