A divisão das tarefas domésticas entre casais héteros sempre foi um assunto quente nas conversas com minhas amigas. Parece que vivemos em um mundo em que apenas nós mulheres enxergamos a sujeira e desorganização e percebemos a necessidade de ir ao supermercado ou lavar roupas. Quando entra um filho na jogada, a coisa fica ainda mais dramática (e cansativa) porque a lista de afazeres que eles requerem é beeem grande. Como promover igualdade dentro de casa? Eis a questão de um milhão de dólares.

No Brasil, é super comum que famílias de classe média e alta contratem diaristas ou empregadas domésticas. Assim a maior parte do trabalho de limpar banheiros, passar pano no chão, limpar janelas, etc., é feito por outras mulheres e o que sobra (se é que sobra) são tarefas como fazer supermercado, cozinhar e cuidar da(s) criança(s). Só que vejo dois poréns aí. O primeiro é que “compramos” um pouco de liberdade ou tempo às custas da exploração de outras mulheres, o que, a mim, incomoda. E segundo, essa situação pode acabar mascarando a realidade de que muitos homens não se responsabilizam por quase nada dentro de casa.

Fora do Brasil não é bem assim que a banda toca. Nas duas temporadas em que morei fora, era raríssimo conhecer alguém que pagasse para outra pessoa limpar sua privada. Isso era até alvo de um certo estranhamento por parte dos nossos amigos. Lá as casas da classe média costumam ser pequenas e funcionais e há no mercado uma infinidade de itens que facilitam a limpeza e o preparo dos alimentos. Lembro de comprar lencinhos umedecidos bactericidas, “panos” descartáveis, produtos maravilhosos, um aspirador super potente e rapidinho estava tudo resolvido (nada muito bom pro meio ambiente, mas não dá pra ter tudo né?). Na cozinha era tudo muito mais prático. Comprávamos folhas já lavadas (aqui no Brasil também tem, mas é bem mais caro), legumes picados e outros alimentos em porções individuais. Tudo isso diminuía muito o tempo gasto com a casa. Se dividido igualmente então, maravilha! Confesso que tenho um pouco de inveja de algumas amigas casadas com estrangeiros que já “vêm de fábrica” com o chip da divisão de tarefas pré-instalado. Bem que podiam exportar esse produto pra cá, né?

Creio que a desigualdade na divisão de tarefas tem a ver com a educação que tivemos aqui no Brasil. Minha geração, que está na faixa dos 30 anos, cresceu vendo suas mães donas de casa ou trabalhando fora, mas dando conta da casa. E cresceu vendo os homens assistindo a tudo isso. Não estou dizendo que em todas as casas era assim, mas em muitas era. Então a mensagem que foi sendo ensinada, para meninos e meninas, era que cabia a elas, principalmente, o cuidado com a casa e os filhos (independente do fato de trabalharem ou não), e cabia a eles sair pra trabalhar e trazer o maior salário. E não bastava, pra elas, somente fazer tudo isso, mas tinha que ser tudo perfeito e em tempo recorde. Reconheço que essa divisão estreita de papeis também aprisiona os homens – não só as mulheres. Mas o fato é que essa educação sexista resultou na situação que temos hoje de que muitos homens simplesmente não acham que a responsabilidade pela casa em que moram também é deles.

Semana passada recebi essa tirinha incrível, em que a blogueira Emma explica porque nós mulheres, especialmente mães, estamos sempre tão cansadas. É brilhante porque ela desenha pequenas cenas do dia a dia e mostra a diferença de atitude entre homens e mulheres. Se o objetivo é guardar os objetos que estão sobre a mesa, a mulher pega o item para levá-lo até o quarto, mas, no caminho, vê uma roupa no chão. Então leva a roupa para o cesto de roupas sujas, mas daí percebe que ele está cheio. Vai até a máquina e coloca tudo pra lavar. Só que aí ela vê os vegetais que precisam ser guardados na geladeira e lembra que precisa adicionar mostarda à lista de compras. E assim, após cerca de duas horas, ela “termina” de guardar os objetos sobre a mesa. E o homem? Bem, o homem vai lá e simplesmente guarda os objetos em seus lugares, sem perceber mais nada em volta. E qual o problema disso? Bem, alguém eventualmente vai ter que perceber o resto, e esse alguém provavelmente vai ser essa mesma mulher, que ao final do dia estará exausta.

Ah, mas você deveria ter pedido, eles podem argumentar… Só que esse é precisamente o ponto: estamos cansadas de pedir, pois não somos as gerentes da casa. Queremos que nossos parceiros simplesmente façam o que precisa ser feito. Afinal, qualquer bebê precisa, no mínimo, trocar fralda, tomar banho e receber quatro refeições por dia. Todo dia. Sem termos que falar sobre isso. E, infelizmente, essa situação ingrata é a realidade tanto de mulheres que trabalham fora e acabam assumindo uma dupla jornada quando chegam em casa quanto de mulheres que trabalham “apenas” dentro de casa. Afinal se você está sempre em casa e não traz nenhum dinheiro, por que não faz logo tudo? A pesquisa Mulheres e Trabalho realizada pelo IPEA apenas numerou o que muitas de nós já sabíamos: as mulheres trabalham muito mais do que os homens em atividades domésticas. São cerca de 20h por semana delas, contra somente 10h deles. É o DOBRO. Uma reflexão bacana sobre as origens da encrenca toda aqui.

Emma deixa muito claro na tirinha que nossa exaustão não vem só de realizar tarefas como cozinhar, limpar, lavar roupa, mas principalmente da responsabilidade de pensar a casa toda. É esse planejamento, esse pensar constante no que precisa ser feito é mentalmente exaustivo e muitas vezes cansa mais do que fazer uma tarefa em si. Ela chama isso de mental load. O duro é que esse trabalho é permanente… e invisível.

Então, se você está cansada de ser a gerente da sua casa, é preciso… dividir o trabalho. Não vou falar delegar, porque o termo implicaria que ainda somos gerentes. Tenho uma amiga que, mesmo podendo pagar, prefere não ter diarista. Para ela, o fato de ninguém além dela e do marido cuidarem da casa faz com que eles se responsabilizem o tempo todo, ou seja, sempre que você chegar em casa, vai ter algo pra fazer, afinal a casa é sua. Na visão dela, ninguém deixa mais o sapato jogado na sala porque simplesmente não tem outro alguém pra guardar além de você mesmo. Faz muito sentido. Tem a ver com “tomar o controle da casa de volta” ou algo parecido. E para que isso aconteça, algumas (talvez muitas) conversas são necessárias, dependendo da quantidade de machismo que precisa ser desconstruída. Também acho que às vezes, algumas brigas podem ser necessárias. Tem momentos na vida em que é necessário colocar o pé na porta.

Uma estratégia que pode funcionar é, simplesmente, soltar as rédeas da casa por um tempo e deixar rolar… Como no experimento do papel higiênico feito por Andrea. Você pode escolher não fazer o que você fazia. É você que lava a roupa? Não lave. Se chegar na segunda de manhã e não tiver pão pro café, que pena, vamos todos pra padaria. E, como Andrea muito bem pontua no texto, o fato de seu marido se engajar mais nos trabalhos domésticos vai fazer bem pra você e também para seus filhos. Aí está o começo de uma educação mais igualitária e daqui 30 anos talvez essa geração não tenha que conversar mais sobre esse assunto.

Creio também ser importante diminuirmos nossas exigências com relação à perfeição do lar. A casa não precisa estar sempre impecável, perfumada e com toda a roupa limpa. Aceite a sujeira, abrace a bagunça, afinal tem gente (que não vive só de limpar a casa) morando ali. Faça supermercado pela internet se isso facilitar sua vida, compre mais toalhas ou roupas de baixo para poder lavar roupa com menos frequência, peça comida pronta, enfim, sempre dá pra pensar em como fazer menos e menos e menos. Operar no mínimo. E ainda assim morar numa casa bacana. Então eu creio que se diminuirmos um pouco nossas expectativas com o padrão de limpeza e se nossos companheiros perceberem o óbvio, que são 50% de quem suja e portanto de quem deveria limpar a casa, podemos nos encontrar no meio do caminho e ser mais felizes. Sem contar que sobra mais tempo pra relaxar – juntos.

Uma outra mudança de mentalidade que acho extremamente necessária é a de olhar com olhos amorosos para o cuidado com a casa. Vamos parar de odiar trabalhos domésticos! Eu sempre tento pensar no resultado. Penso na comida quentinha e gostosa que estará pronta para mim, meu filho e meu marido. Hum, que delícia! Porém, isso envolve escolher a receita, fazer supermercado, cortar tudo, depois lavar a louça. Ok, faz parte. Penso na casa limpa e organizada e com flores em cima da mesa. Só que isso envolve tirar o pó, aspirar o chão, organizar a bagunça e comprar flores. Ok, faz parte. Mas focando sempre no aspecto positivo da coisa, têm sido mais fácil pra mim encarar com mais leveza essas atividades.

Estou partindo do pressuposto de que nós mulheres estamos sobrecarregadas com as tarefas domésticas e descontentes com essa divisão desigual. Mas se você faz tudo na sua casa e está bem com isso, ótimo. Vale tudo desde que as duas partes estejam felizes e de acordo. Trago aqui alguns insights pra refletir e ideias sobre como mudar essa realidade para quem deseja. Esses dias li uma frase muito verdadeira da artista Ida Feldman:

“Enquanto você estiver vivo, vai ter louça”.

Sensacional não? kkk Então acho efetivamente mais sábio homens e mulheres aceitarem o fato e encararem a pia (ou comprarem uma máquina de lavar louça, que ajudou muito aqui em casa).


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11 respostas

  1. Eu ressaltaria ainda que essa mudança de mentalidade é uma conquista, uma coisa que precisa ser construída, porque dada nossa educação acho improvável que algum homem acorde um belo dia e se proponha a fazer as coisas… Não por egoísmo, simplesmente porque talvez eles não percebam todo esse trabalho invisível, toda essa carga. Não cresceram pensando nisso, entrou no modo automático e, convenhamos, é uma posição confortável. Mas que dá pra mudar, dá. Se isso sobrecarrega a nós e não estamos felizes, então vale a pena comprar a briga. Que às vezes é briga, às vezes é conversa… mas se trata de tomar pra si esse desafio de fazer o companheiro entender que a família é de todos, a casa, os filhos. Fomos nós que sonhamos isso juntos, então que o pacote de ônus venha dividido igualmente para os dois. Aí poderemos aproveitar os bônus em paz, felizes e sem aquela sensação de “vivo cansada e ele não me entende”. Tenho amigas que se queixam mas preferem manter tudo como está, só pra evitar embates. Pra mim, esses embates dos quais elas correm são uma oportunidade de crescer juntos, tornar o dia a dia menos pesado e fortalecer ainda mais essa união.

  2. No ponto! Na grande maioria das vezes, me faço de louca e deixo o circo pegar, mas sou a primeira a ficar irritada quando a bagunça é demais! Meu marido veio com o chip, mas não gerencia nada em casa e, como tu dissestes, esse é o pior trabalho. Ainda essa semana falei pro meu filho, que na casa dele, com ou sem companheiro/a, ele vai ter que decidir o que, como e quando comer, ele me olhou com cara de espanto. Euuuu???? Sim, senhor! Amando o blog!

  3. texto sensacional nic! reúne tantos temas que há tempos nos debatemos ne? é tão difícil dar nomes… por isso acho importante demais falar sobre isso pra gente ir entendendo do que se trata afinal… acho que é uma longa luta mesmo, que envolve conversas sem
    fim, mas sobretudo, que é o que me move agora, é uma mudança de atitude minha… sou eu que posso nao falar, nao fazer e no limite nao pensar na bagunça, na sujeira, nas tarefas que estao ae na frente… eu posso deixar e dar a oportunidade pra outros verem e fazerem e pensarem… lembro desses sustos ae (qdo adolescente) de entao me dar conta de que “opa, tem que por agua na forminha senao nao tem gelo?!?” kkk … porque o stress disso ae cai em mim – no meu corpo e na minha mente – e nao to achando q vale a pena… e mais ainda quero muito que meu filho veja mais disso acontecendo ali na frente dele… bora seguir ne?!?

  4. Bom dia!! Nicole que texto ótimo. Gostaria de pedir sua permissão para usar algumas de suas frases no meu TCC? Obrigada.

  5. Sobre homens estrangeiros, acabo de me divorciar de um francês, um dos motivos foi que além do meu trabalho fora da casa, tudo o que dizia respeito à casa caia nas minhas costas: compras, faxina, cozinhar, absolutamente tudo. ficava o homem folgadamente sentado, enquanto eu após o meu trabalho, tinha que dar conta de tudo, inclusive, isso atrapalhou meus estudos que pretendo retomar.. Conversar sobre isso? Pedir para ele fazer algo? Ajudar? Tais pedidos muitas vezes acabaram em violência doméstica, verbal e até física. E o que mais? Ainda reclamava que a comida não estava assim, que eu não tinha feito isso ou aquilo. Para piorar, ainda tinha a filha folgada igual que veio morar junto. Detalhe: fazem parte da classe média alta bem alta da França. Não acho que todos são assim, mas todos não são o oposto disso também, senti isso na pele. Na casa da mãe dele, era a mesmíssima coisa. Quando a mãe dele quebrou o pulso, só eu a ajudava quando ela precisava. Ele? A filha? Um sentava no sofá em frente a tv enquanto a outra, se punha diante do computador, fingindo que não estavam vendo nada. Agiam como reis escravocratas.

    1. Poxa, Tatiana, que situação! Com certeza não dá pra generalizar. Do mesmo modo que há muitos homens brasileiros que dividem as tarefas domésticas meio a meio, tem muito europeu que acha que casou com uma empregada. O fato é que há muito trabalho de desconstrução a ser feito, né? Que bom que você pulou fora desse relacionamento. Tamo juntas! Beijos

  6. Não concordo quando vc diz que conseguimos mais tempo, explorando outras mulheres, essas outras mulheres são pagas pelo seu serviço, e na maioria das vezes depende desse trabalho p colocar comida em casa. Quem dera que mais mulheres pudessem contratar domesticas ou diaristas.

    1. Oi Raquel, é verdade que a maioria das mulheres não têm condições financeiras de contratar domésticas, e por outro lado, também é verdade que as mulheres que trabalham como domésticas, são na maioria muito mal pagas, e ainda, levam de brinde, carga horária além do combinado, tarefas fora do combinado (já vi casos em que além da faxina, a funcionária tinha que lavar e passar aos sábados as roupas trazidas por um filho da família, que estudava fora e visitava os pais aos finais de semana, ou seja, ao invés de ele cuidar da lavagem das roupas na cidade onde morava, as roupas sujas eram trazidas para a casa dos pais para serem jogadas nas costas da trabalhadora, sem contar como serviço extra, sem direito à recusa; vi o caso de uma diarista que chegava nas casas para fazer a faxina, porém, já era incumbida de passar roupas, fazer o almoço, entre outras coisas, sendo que oficialmente o trabalho dela era uma faxina; e também vi o caso de trabalhadoras que eram contratadas para o lar, e acabavam, além disso atendendo no balcão, limpando a loja ou o escritório da empresa), ou seja, infelizmente muitas que têm condições, acabam explorando e abusando de outras mulheres, e aqui podemos verificar uma clara exploração herdada da mentalidade colonialista e escravagista atualizada; e já vi pessoas que criticam tudo isso lá fora, agindo abusivamente dentro de casa, e tratando as trabalhadoras como se fossem pessoas inferiores. Infelizmente isso acontece muito. E é justamente pela necessidade dessas mulheres de dependerem desse trabalho para pôr comida na mesa, que elas tantas vezes trabalham por pouco, trabalham para muito além do combinado, do teórico, sem poder reclamar, podendo somente se submeterem por causa da situação de extrema vulnerabilidade em que se encontram; e as patroas, por sua vez, sabem que se essa reclamar, não fizer, é só mandar embora e contratar outra, afinal, infelizmente a fila dos que estão em vulnerabilidade social é enorme, e não há de faltar quem aceite abusos para não passar fome.

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