Dia desses vi uma pessoa no Facebook recomendando o documentário “Undateable” na Netflix. Trata-se de uma série de histórias de pessoas com deficiência enfrentando a dura jornada em busca de um amor. São várias pessoas com todo tipo de síndromes e deficiências mostrando suas rotinas e como lidam com a falta de oportunidade de experimentarem um relacionamento.

Inicialmente, relutei em assistir por temer ser mais uma daquelas narrativas cheias de sentimentalismos e carregadas de dramaticidades, mas achei melhor dar uma chance, já que para criticar uma coisa é preciso conhecê-la. Para minha surpresa, foi um ótimo engano. Ao invés daquele discurso enfadonho de superação, encontramos ali histórias de pessoas reais com sonhos de vida e desejos como qualquer outra. Entretanto, em função de sua deficiência, encontram dificuldades para socializar e, consequentemente, para se relacionar com alguém.

Todo o documentário se passa na Inglaterra, onde alguns sites de relacionamento se propuseram a auxiliar pessoas com deficiência encontrarem “sua alma gêmea”. Ao invés de usarem aplicativos comuns como Tinder, por exemplo, elas recorrem a estas empresas para conseguirem achar alguém compatível com seus perfis. São vários personagens, cada um com um histórico diferente. Há casos mais brandos onde a deficiência não afetou tanto o físico da pessoa, até aqueles em que as doenças causaram várias lesões no corpo. 

Pessoas normais, é claro.

O que me atraiu no documentário foi mostrar o lado humano de cada um. As pessoas com deficiência são apresentadas em seu dia a dia, trabalhando e saindo com amigos. Alguns ainda moram com seus pais, mas outros vivem sozinhos recebendo ajuda em pequenas atividades domésticas. Essa pequena dependência não é exacerbada, sendo mostrada com naturalidade. Qualquer um pode precisar de um auxiliar para limpar a casa, não é?

As deficiências e síndromes ocupavam “o seu lugar”, ou seja, são mostradas como uma diferença normal. Como se criasse um parâmetro invisível para o espectador em um discurso “fulano tem dificuldades de expressar seus sentimentos por causa do autismo e por isso fica nervoso com primeiros encontros, mas todos ficamos ansiosos quando vamos conhecer alguém pela primeira vez”.

O valor de um match

O não envolvimento com as histórias é impossível devido a esse nível de proximidade que criamos com os personagens. Conforme avançamos nos episódios, vamos nos familiarizando com as deficiências de cada um e terminamos sem compreender como alguém não dá uma chance para aquelas pessoas. Por isso considero que Undateable (ou “Os impegáveis” em uma tradução bem livre) é um documentário para quem não tem deficiência. 

Muitas vezes dizemos para vocês, sem deficiência, nossas dificuldades quando falamos sobre relacionamentos. Muitas vezes, alguns na tentativa de diminuir nossas dores costumam dizer “não é bem assim”, “isso é coisa da sua cabeça” e por aí vai. Entretanto, lidar com anos de recusa pode nos causar problemas de autoconfiança, autoestima e de socialização piorando ainda mais as possibilidades de conhecer alguém.

Pessoalmente, acho covardia desconsiderar essa realidade de solidão da pessoa com deficiência. O capacitismo pode destruir uma mente. Nem todos conseguem enfrentá-lo sem ajuda de profissionais ou de familiares. Aliás, na grande maioria dos casos, a família contribui para esse estado de infantilização da pessoa impedindo seu amadurecimento.

Por isso, recomendo que assistam e observem como somos iguais a vocês quando o assunto é o desejo de ser amado. Acredito que é um bom momento para abrir a mente e mudar o olhar. Com certeza vale MUITO a pena!

Uma pequena crítica

Apesar de ser uma ótima oportunidade para refletirmos e expormos nossas dificuldades de relacionamentos, surgiram em mim alguns incômodos enquanto assistia. São eles:

Valorização exagerada dos relacionamentos Não quero menosprezar aqui a solidão que experimentamos durante nossa vida, tampouco ignorar os sentimentos de cada personagem, mas confesso minha preocupação ao observar tamanha carência em alguns. Apesar de saber como é bom ter alguém ao nosso lado, isso não deve ser nossa única razão de ser. Por isso, mencionei a importância da família em oferecer uma educação que promova a autonomia da pessoa com deficiência. Talvez esse “tom” seja proposital no documentário, mas me incomodou.

A necessidade de “abrir” uma brecha em sites de relacionamentos Neste ponto entra a famosa questão “separar para nivelar”. Ou seja, ainda precisamos estipular cotas para que possamos ter a mesma oportunidade. Eis a importância de se combater os preconceitos atitudinais, desconstruir velhos pensamentos a respeito da deficiência, fazendo com que nossas semelhanças consigam superar as diferenças.

O perigo do mito da relação com iguais Achei muito interessante ver o esforço da empresa em buscar pessoas com dificuldades de aprendizagem para se relacionarem entre si, contudo me preocupou o modo como o espectador sem deficiência pudesse compreender isso. É muito comum ouvirmos pessoas dizerem “ah, você é cadeirante poderia namorar alguém cadeirante também” como não nos restasse outra opção a não ser envolver com nossos pares. Acho importante entenderem que também temos a opção de nos apaixonar por qualquer um, indo além dos estereótipos.

Tirando isso, não deixe de assistir, hein? 

* Este texto foi originalmente publicado no Disbuga em 15 maio 2018.

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