Quando o primeiro filme “O Diário de Bridget Jones” foi lançado no Brasil eu tinha em torno de 18 anos. Leitoras provavelmente conhecem a história, baseada no livro homônimo de Helen Fielding: Bridget é uma solteirona de 30 e poucos anos que decide registrar em seu diário, com muito humor, qualidades e defeitos, dilemas com o corpo e hábitos alimentares, o dia a dia no trabalho e, por fim, a busca por um relacionamento sólido e duradouro.

Até aí, nenhuma novidade. Mas veja bem, estávamos em 2001 e eu era uma moça desabrochando para as questões sentimentais. Assisti ao filme dando boas risadas ao ver Bridget (interpretada pela excelente Renée Zellweger) lutar contra a balança na esteira da academia de ginástica, tentar parar de fumar e beber (demais), se apresentar para sucessivas entrevistas de emprego que não deram certo,  acreditar em homens que não desejavam nada além de diversão. Em todas as situações, lá estava Bridget se sentindo humilhada e pior do que os outros.

De todas as cenas, teve uma que me marcou bastante à época: o jantar na casa dos amigos “casados e caretas”.  Bridget é a única solteira no evento e senta na ponta da mesa. Logo, o interrogatório começa: “e aí, continua saindo com aquele cara da editora?”, “Bridget, você tem que se apressar para ter filhos, sabia?” e em seguida evolui para afirmações como “o escritório está cheio de solteiras na faixa dos 30 anos que não conseguem prender ninguém” e termina com a seguinte indagação: “por que existem tantas solteiras na faixa dos 30, Bridget”? Nesse momento todos os casais param suas refeições e a encaram. Bridget dá um sorrisinho sem graça e responde: “não sei, vai ver que embaixo das nossas roupas nós temos escamas”.

Ainda que a cena tenha me marcado, acredito que não conseguia ver com toda a clareza o que acontecia ali. Eu gostaria que a fatídica cena do jantar pudesse ser considerada em 2018 algo “datado”, diferente da realidade, afinal, é só olhar para o lado e ver as transformações, as questões raciais, de idade, de gênero. Certo? Hoje sou eu, mulher de 30 e poucos e solteira que foge de jantares como este. Que ainda cai em armadilhas algumas vezes, tendo que responder a questionamentos “sem noção”.

A diferença fundamental é que hoje sei que não há nada de errado comigo. Mas esse é um exercício diário que preciso fazer, e em alguns dias é bem difícil. Porque ainda que eu me ame e esteja em paz com minhas escolhas (que mudam o tempo todo, diga-se de passagem), existe o script, e eu morro de medo que ele volte a me atormentar.

O script é um termo que uso para quando você age ou realiza algo que é esperado dentro de determinada faixa de tempo. Por exemplo: terminar a faculdade até 25 anos. Casar até os 30. Ter o primeiro filho até os 35 anos, e por aí vai.

Quando Bridget surgiu em minha vida, o meu script ia muito bem, obrigada. Estava lá, no curso de graduação que quis, realizando estágio na área, namorando sério. Mesmo com percalços, eu mantive o script até os 29 anos. E daí percebi que não tinha controle algum sobre o trajeto que eu mesma tinha criado. Ali o script deixou de existir e eu compreendi que a Bridget não era apenas um personagem, mas uma mulher exatamente como eu e que não merecia ser enquadrada e caricaturada.

Talvez embaixo de todas nós existam escamas como as de Bridget, que são nossas feridas, mágoas, incompreensões, mas também são aquilo que temos de mais precioso, pois possibilitam romper com os ciclos, os ‘scripts’ que são esperados de nós.

Bridget não sabia de todo o potencial transformador que existia dentro dela, porque na trama ela insiste em voltar (de forma atrapalhada) para o script que havia criado. Mas nós sabemos que isso não é necessário.

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