Copa do mundo rolando, o frio chegando e junho já está se despedindo de nós. Muitas coisas aconteceram nesse mês e ainda estou tentando entender de onde veio o trem que me atropelou. Esse ano, muitas foram as reflexões que tive nesses últimos dias e pretendo compartilhar com vocês algumas delas neste texto.

Bom, mal começamos o mês e minha timeline no Twitter começou a lotar de discussões sobre relacionamentos com pessoas com deficiência. Poderia dizer que fiquei surpresa, mas estaria mentindo, o que esperar do mês dos namorados, afinal? Quando estou solteira nesta época do ano, resolvo sempre levar para o lado cômico. Aproveito as promoções nas lojas, dou aquela renovada no guarda roupa, maquiagens e itens de beleza. Às vezes vejo ofertas nos sites de livros e compro aqueles títulos desejados. Porém, como disse, este ano foi diferente. Os ventos trouxeram novidades para mim.

As conversas na timeline foram bem explicativas, com muitas participações que, de alguma forma, me provocaram algumas inquietações. Como tenho lido muita coisa interessante nos últimos meses, acabei mergulhando nas reflexões. Não foi apenas o capacitismo presente nas relações (ou nas não relações) sentimentais que me incomodou esses dias, mas toda a estrutura em torno dos desafios de ser uma mulher forte, independente e, no meu caso, com deficiência.

Sempre vejo reportagens explicando o medo masculino diante da força feminina ou sobre as dificuldades de muitos em demonstrar interesse por alguém fora dos padrões. É como se existisse algo na força de uma mulher e/ou na diversidade feminina que provocasse e incomodasse a maioria das pessoas. Sem falar no imaginário em torno da sexualidade de alguém com deficiência que prejudica a possibilidade de relações.

Tentei encontrar uma solução, contudo descobri minha incapacidade de responder ou guiar um caminho para essa realidade. Há momentos em que ainda me pego pensando se devemos diminuir nossa potência, adquirida com anos de experiência e maturidade, porque a sociedade ainda não sabe lidar com isso.

De fato, não sei dizer. Entretanto, mantive minhas reflexões, principalmente na trajetória de nossas vidas. Notei o quão somos programadas para sermos queridas e desejadas.

Não há, em nossa educação, um espaço para a possibilidade de sermos sós. Há um mau agouro na solidão, principalmente na feminina. Fiquei imaginando o destino traçado para todas aquelas à margem, ali onde a sociedade não alcançou com suas normas e regrinhas chatas.

Se outrora éramos chamadas de bruxas, hoje somos as tias, loucas e cheias de gatos.

Somos tias

Nascemos com papéis e responsabilidades já definidas, aplicadas no começo da nossa vida e cobradas constantemente na fase adulta. Precisamos ser crianças delicadas, fofas e quietas. Moças de família, recatadas e capazes de cuidar da casa. Mulheres fortes, amantes, donas de casa e mães. Por fim, devemos ser avós fofas e especialistas em receitas deliciosas. O ciclo repete a cada geração.

A menininha princesinha do pai, a adolescente delicada na festa de debutante e a mulher linda desejada por vários homens. Somos ensinadas a ser desejadas e bem cuidadas, mas se esqueceram de dizer que nem sempre será assim. Nos cercam de tantas regrinhas, porém a vida não terá o tom de rosa do quarto. Muitas vezes será um pouco cinza.

Ficar para titia pode ser a maior tragédia na vida de uma mulher. Pior ainda se morar com os pais enquanto seus irmãos e amigos possuírem uma família estável, ou passar por relacionamentos que nunca dão certo recebendo constantes questionamentos sobre a possibilidade de um casamento, até chegar o momento em que eles não perguntarão mais, pois não acreditam que um dia irá conseguir isso.

Somos loucas

Depois (ou durante) do estágio de titia começam a questionar sua capacidade mental. “Fulana deve ter alguma coisa errada, não é possível ninguém querer nada com ela“. O desejo de viver uma vida independente torna-se um sinal de frustração para muitos, afinal ter uma vida fora de um ambiente familiar não combina com uma mulher. Impossível negar o desejo instintivo de ser mãe, dizem.

Somos donas dos gatos

Se você for solteira, independente e resolver adotar/resgatar algum animal de estimação, principalmente gatos, logo confirmam sua sina: solidão. Escolher um estilo de vida independente com seus bichos e coisas pode ser interpretado como “falta de opção”, uma vez que está saindo do script feminino.

O mais intrigante desta história é perceber como a mulher é cobrada por algo além do seu controle. Uma coisa fora de toda a criação recebida durante sua vida. Não somos preparadas para sermos só e quando estamos nessa condição não nos permitem viver com ela.

Não tenho a solução dessa situação, mas acredito que o caminho seja o auto-amor. O lugar de uma mulher é onde ela quer, mas para poder ocupar este espaço é preciso ter muita força. Mas para dar conta desta pressão é necessário cuidarmos de nossas mentes, corpo e espírito. Resistir exige muito de nós.

Haverá momentos em que iremos cair e tudo bem. Nosso sofrimento é legítimo, pois é resultado de um processo de amadurecimento. Com o passar do tempo, vamos nos fortalecendo e experimentando a beleza da liberdade. Desse modo, aos poucos vamos nos moldando em nossa jornada, para no fim sermos luz para aquelas que virão atrás de nós.

Esse texto foi publicado originalmente no dia 23 de junho de 2018 no Disbuga.

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