Não me lembro quando tomei consciência. Se foi durante o perrengue com a amamentação que contei aqui, se foi num dia feliz ou numa madrugada tensa. Não sei se precisei de dias, meses ou anos pra entender que ser mãe é muito difícil. E que eu não sou a única a pensar assim. Mas por que ser mãe é tão complicado? Vou tentar explicar.

Seu corpo e sua alma serão necessários Ser mãe envolve um enorme comprometimento físico e emocional com um novo ser. Já dizia Simone de Beauvoir que “todo o organismo da fêmea adapta-se à servidão da maternidade e por esta é comandado”. Nada mais verdadeiro. Com a gravidez vem uma bomba de hormônios que modificam nosso humor, nossa pele, nosso corpo todo. Não é incomum que as mulheres sintam dores durante a gestação: nas costas, nas pernas, azia. Depois vem o parto. Tanto uma cesárea quanto um parto natural envolvem algum grau de dor e um certo tempo para se recuperar. A amamentação também pode ser dolorosa no início e o corpo da mulher vira uma fábrica produtora de leite. Além disso, a simbiose emocional da mãe com o filho é muito intensa. No começo, é como se só eles dois existissem e nada mais importasse.  E, para Laura Gutman, “é indispensável que seja assim. A fusão emocional da mãe com o filho é o que garante que a mulher estará em condições emocionais de se desdobrar para que a cria sobreviva”.

Você não vai dormir | Você sabia que a privação de sono é até hoje utilizada como um método de tortura? Não à toa, para muitas mulheres essa é a parte mais complicada da nova vida de mãe. E não estou falando de algumas semanas dormindo pouco até se acostumar com um bebê em casa. Estou falando de meses ou até anos sem dormir uma noite inteira. Mesmo os bebês que dormem longas horas desde o começo passam pelos chamados picos de crescimento, que bagunçam as noites e haja força pra aguentar. Não subestimem pessoas que não dormem direito; elas são capazes de cometer insanidades. Num mundo ideial eu penso que as mães, pais e cuidadadores de crianças pequenas deveriam andar por aí com um broche colado na roupa dizendo: “Esta pessoa não dorme há xx meses”. No meu caso já são 18. Daí toda a sociedade teria compaixão, ajudaria com as compras, daria o lugar na fila, ofereceria um café, um carinho… Já pensou que maravilha?

Você vai perder sua liberdade | Depois de virar mãe, sua vida não é mais sua. Seus horários passarão a girar em torno de mamadas, trocas de fralda, hora do lanche, escola, etc. Lembro de uma amiga mãe de dois filhos que dizia que o que mais sentia falta era a liberdade de simplesmente pegar sua bolsa e sair. Simples assim. Pois quem é mãe tem que pensar se a cria já dormiu ou não, se vai precisar de uma muda de roupa ou um casaco, água, fraldas e um lencinho umedecido pra garantir. Sair à noite? Até dá. Mas exige planejamento e trabalho. Se você tem a sorte de ter alguém de confiança com quem deixar seu filho, vai ter que preparar tudo que ele vai precisar e provavelmente vai deixá-lo dormindo. Ou seja, toda a função de um dia normal mais o fato de que você vai tirar energia não sei de onde pra uma saidinha. E se vai levar o filho pra almoçar ou jantar fora, bem, tem fases que são mais fáceis, outras menos. Quando é bebê de colo, pode até chorar, mas ele fica ali paradinho no colo ou carrinho. Aqui estamos na fase que só para na cadeira se estiver comendo. Então ele quer circular pra ver as coisas, mexer em tudo. E ou papai ou mamãe terão que ficar com ele explorando as redondezas enquanto o outro fica na mesa, sozinho, esperando a comida chegar.

Filho dá muito trabalho | Criar filho longe da família ou sem uma rede de apoio também não é tarefa fácil. A trabalheira é muito grande: comprar e fazer comida, alimentar, dar água, dar mamá, trocar, brincar, sair um pouquinho, levar no pediatra, fazer dormir, dar banho, guardar brinquedos, limpar vômito, restos de comida, lavar roupa, estender, guardar, dar remédio, vitamina, vacina, etc., etc., etc. Poderia ficar horas listando as atividades que uma criança requer dos cuidadores. Então a canseira no final do dia é insana. Depois que a criança dorme, não sobre muita energia pra nada, então vida pessoal, vida sexual… oi?

Seu filho vai se espelhar em você | Apesar de todas as dificuldades que listei até agora, essa é, pra mim, a parte mais penosa da maternidade. Ser mãe é uma empreitada infinita de criar um ser humano. As dores nas costas, a perda de liberdade, a falta de sono,  as mudanças no corpo, acho que tudo isso dá pra encarar. A gente acostuma. Mas formar uma pessoa pra habitar esse mundo é algo que me tira o sono. O mundo tá muito violento e complexo. Então, o que você vai ensinar pro seu filho? Como ensiná-lo a conviver de forma respeitosa com pessoas de outras etnias, religiões, classes, sendo que fazemos parte de uma elite? Como ensiná-lo a ter compaixão pelos que sofrem, a não achar que tudo é “assim mesmo”? Como ensiná-lo o valor das coisas materiais quando podemos dar estas coisas pra ele? Como protegê-lo dos diversos tipos de bullying? Como ensinar seu filho a respeitar outras mulheres e a dividir o trabalho doméstico? Como ensinar sua filha a se defender do assédio que tá aí na esquina? Não é moleza! E complica mais ainda porque pouco adianta você falar sobre estas coisas se você não as pratica no dia a dia. Ele vai ver você. Então, em resumo, tudo que você quer que seu filho seja, você tem que ser primeiro. Se eu quero ensiná-lo a respeitar as pessoas, preciso respeitar meu marido na frente dele. Se quero que ele aprenda a se desculpar quando erra, preciso pedir desculpas para ele quando me excedo. Se quero ensinar que a violência não é um modo aceitável de resolver conflitos, jamais posso bater nele.

Então, pra mim, a maternidade é um eterno reinventar-se, é uma busca constante por ser uma pessoa melhor para ser um exemplo melhor. Isso não precisa ser um fardo, mas é, sem dúvida, uma responsabilidade muito grande. É claro que tudo isso que escrevo aqui é fruto da minha experiência. Sei que outras mães têm infinitos outros motivos pra achar a maternidade difícil. E vocês têm minha solidariedade. Para outras, pode ser mais fácil. Que bom. Mas sei que em algum grau é difícil pra todas. Sei também que sou muito privilegiada por ter um filho saudável, por não ter sofrido violência obstétrica, por ter um marido que cria junto, por ter condições financeiras de pagar por ajuda em casa e uma escola legal pra meu filho. E pra você, por que ser mãe é difícil?


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8 respostas

  1. Fazia anos que eu pintava o cabelo de ruivo. Acabei de pintar da cor natural porque não consigo mais cuidar de mim.
    Minha filha tem quase sete meses e tem dificuldade para dormir. Sonecas e sono noturno. Estamos na fase da introdução alimentar e tento conciliar a necessidade de preparar e oferecer comidinhas com noites e noites dormindo mal. Eu me sinto perdida, aérea, vivendo numa outra dimensão. O tempo está passando e é como se eu ainda não tivesse me conseguido me encontrar como mãe.
    Obrigada pelo texto. Eu me senti um pouco mais acolhida.

  2. Falta de liberdade e vocação! Sempre fui só e durante muito tempo eu odiava minha própria compainha! Me apegava a td tipo de pessoa que se aproximava amigos … repaxiobamentos. Depois de longos anos c depressão me curei, aprendi a amar a minha companhia e a ver prazer em ter experiências só. Mas engravidei, e hj vivo para uma criança, ela é encantadora, mas sinceramente ñ sei se tenho esse dom pq só penso em qdo terei tempo p mim, meu sonhos e objetivos e se isso vai acontecer … Mas apesar de td estou tentando ser a melhor que consigo eu ñ a planejei, mas tenho DIU e n vou engravidar mais, ñ qria ser mãe, mas deu me o destino esse desafio e farei c meu coração aberto pq ñ qro ser a mãe dura e violênta que minha mãe foi p mim. Ñ espero reconpensas, apenas formar alguém q seja independente e feliz! Ñ a felicidade ingênua, a real aquela q ela possa se amar acima de td! Pq ñ tem companhia no mundo melhor q a nossa pois essa nós nunca poderemos abandonar.

    1. Oi Laura! Obrigada pela honestidade. Ser mãe é mesmo muito, muito difícil. Viver pensando na próxima brecha de tempo para si mesma é algo que muitas mães vivenciam diarimente, você não está sozinha. Muitas apenas não admitem. Nossa sociedade ainda impõe muito fortemente que a criação das crianças é algo quase que exclusivamente feminino, então temos um longo caminho pela frente para transformarmos essa realidade. Estou certa de que você vai ser uma mãe muito diferente da sua, pois está aqui, refletindo e questionando esses papeis. Força! Estamos juntas!

      1. Meu nome é Edivania , agora estou chorando querendo uma pessoa para desabafar , mas acho que ninguém vai me entender , me acho uma péssima mãe , não sei explicar , a falta de liberdade , de poder sair sem se preocupar com nada eu sinto muita falta disto ao mesmo tempo não consigo imaginar minha vida sem minha filha , hoje ela tem 10 anos , uma preocupação que nunca terá fim , não importa a idade do filho e isso me peturba , eu sinto falta de simplesmente sair sem se preocupar de hora para voltar , de ficar ligando para saber como está , sinto falta de está com a mente limpa como antes de ser mãe , eu saia sem olhar pra traz , eu amava isso , amo a liberdade , viajar sem dia certo de voltar , apartir do momento que vc é mãe , isso acaba , não importa quantos filhos se 1 ou 10 , não importa a idade , nunca mas será a mesma coisa .
        Se me sinto horrível por isso .

        1. Oi Edivânia. Eu te entendo. Gostaria de poder estar presente e te escutar desabafar. Te abraçar enquanto suas lágrimas caem.

          Ser mãe também exigiu de mim muita entrega e ainda dói não ter mais o tempo de antes, tanto para fazer coisas quanto para poder não fazer nada. Em muitos momentos confundi meu cansaço com a minha legitimadade como mãe. Também duvidei do meu amor, da minha capacidade e da minha maternagem. Mas o cansaço e a necessidade de descansar são legítimas. E meu amor por meu filho, que hoje tem quase cinco anos, é gigante. Tem dias que dá vontade de sair correndo e ao mesmo tempo, levar a cria junto por sentir uma saudade imensa. E tá tudo certo. Tá tudo bem estar exausta e querer viajar sem dia pra voltar, ao mesmo tempo em que a gente não consegue imaginar a vida sem aquela criança linda maravilhosa.
          Estar exaustas e falar sobre a nossa exaustão, não nos torna menos mães.
          Descansar, viajar, sair de casa, ter tempo só pra gente, também não nos torna menos mães.
          Desejo muito que você encontre tempo e maneira de descansar.
          Um abraço.

  3. Legal o texto me identifiquei bastante, você escreve muito bem, A parte que mais me senti representada, foi quando falas da liberdade, a nossa vida gira em torno deles, tenho uma filha de dois anos, não posso mais fazer o que eu quiser, pra grande maioria das coisas tenho que pensar se meu filho esta bem ou se dá tempo ou se…. NOOOSSAAA é muito cansativo tem horas, E o pior que quero sempre estar ao redor dela mas ao mesmo tempo não. já foram inúmeras vezes que desejei ter o poder de me dividir em duas pessoas uma só pra ficar com ela e outra pra fazer o que eu quiser.
    Obrigada pelo texto

    1. Oi Thais!
      Eu vejo que ainda existe muito pouco espaço para falarmos das ambiguidades da maternidade… Às vezes me dá até vontade de gritar! rs Seja bem vinda ao Fala Frida! Beijos

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