Desde que me tornei mãe – há pouco mais de dois anos – minhas reflexões sobre a maternidade já andaram em muitas direções. O que percebo agora muito claramente é que o jeito de maternar, desde o modo de parir ou de nutrir, deve ser uma escolha de cada mulher. Tamanha obviedade careceria de maiores explicações, no entanto, o cotidiano da maternidade tem revelado a urgência de falarmos mais sobre isso.

Para pensar um pouco o contexto brasileiro, há pouco tempo atrás somávamos décadas e décadas de incontáveis cesáreas e, atualmente, vivemos um momento de (re)humanização do parto; do mesmo modo, depois de litros e litros de leite artificial, aconselha-se com fervor o leite materno e a introduçao alimentar tardia (a partir dos 6 meses). Assim, importa termos em conta que as campanhas pelo parto natural e pela amamentação nasceram e ganharam força, muito resumidamente, a partir deste cenário adverso: cesáreas desnecessárias (leia-se, com hora marcada) e o que eu chamo de “desvalorização do leite materno”.

No momento atual, contudo, precisamos adicionar uma pitada de complexidade à questão. Pergunta-se: como é que, há pouco, a discussão que girava em torno da data da cesárea passou agora ao imperativo da amamentação e à exigência do parto normal? Antes era óbvio fazer cesariana e agora é obrigatório não só parir naturalmente, mas também e sobretudo amamentar, sob pena de perder pontos preciosos na “cartilha das mães perfeitas”. Mas como não somos e tampouco queremos ser mães “rarefeitas”, escolhemos refletir para então abrir o debate.

Aqui fala uma mãe que não só pariu naturalmente seu primeiro e único filho, como cometeu a ousadia de fazê-lo em casa e que amamentou durante 21 meses. Muito bem. Acontece que tenho montes de amigas-mães que não fizeram nada parecido, por incontáveis razões: porque não quiseram, porque não puderam, porque não tiveram acesso à informação. E o que percebo em muitas daquelas que não puderam amamentar – para dar apenas esse exemplo – é um considerável sofrimento. A culpa é quase incapacitante. Primeiro porque é muito difícil admitir que não se quer dar de mamar. Sim, porque tem que querer. Depois, porque é inadimisssível confessar que você não vai topar esse sacrifício todo, mesmo que seja unânime entre as mulheres o imenso grau de dificuldade, muitas vezes insuperável.

Eu amamentei por mim. Eu amamentei pelo meu filho. Eu amamentei também por todas as mulheres. Porque, como parir naturalmente, dar de mamar é sim a descoberta de uma força insana que habita o teu corpo e que coloca qualquer patriarcado no chinelo. Quando eu descubro que sou capaz de dar à luz ao bebê que eu gerei e que posso nutri-lo com o alimento que meu corpo produz, sem precisar de nada além disso, eu afirmo com veemência o poder feminino, a diferença da mulher. E acredito que precisamos disso: redescobrir essa força que se manifesta com tanta clareza ao parir um filho, mas que seguramente pode se revelar em qualquer outra atitude.

Portanto, quando a amamentação não se realiza – porque não consigo, não quero, não posso ou qualquer outro motivo – eu não digo o contrário, longe disso. Eu falo da minha humanidade, demasiada humana. Eu falo de uma mulher de carne e osso que vive no meio do mundo e que sofre fortes pressões pessoais, familiares e sociais. Falo de uma mulher cansada, perdida, solitária. Falo de uma mulher que é mãe e que quer ser ótima, mas que é honesta com sua dor e com seu filho. Daí os riscos de se forçar a mão quando se trata de amamentar ou de parir naturalmente. E se, porventura, tentamos “instituir” a amamentação ou o parto como deveres,  nos arriscamos a retirar da mulher – mais uma vez – seu poder de escolha. Então, entre “salvar uma mãe” e “salvar uma amamentaçao”, fiquemos com essa mãe, com esse filho, com essa família.

Não confundamos os movimentos, pois a força que se revela em mim a partir do momento que dou à luz ao meu filho e consigo nutri-lo com meu leite, não pertence só a mim, apenas me toma como veículo, como canal de divulgação. Mostra que isso é uma possibilidade para qualquer mulher nesse mundo de hoje e que esse poder está na mulher e pode se revelar de inúmeras maneiras, muitas vezes nada relacionadas com a maternidade.

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