Não é de hoje que me considero feminista. Mas, depois que me tornei mãe, há pouco mais de três anos, percebi a imensa necessidade de nós mulheres abraçarmos esse movimento tão lindo e importante. Mas por que maternidade e feminismo podem e devem andar juntos?

A decisão de ser mãe Você realmente quer ser mãe? Desde meninas, somos quase diariamente bombardeadas por “promessas sociais” como defende a autora israelense Orna Donath, autora do livro Mães arrependidas: uma outra visão da maternidade. “Toda mulher quer ser mãe”, “você precisa ter filhos para ser cuidada na velhice”, “só mulheres egoístas não têm filhas e filhos” e por aí vai. Tais ideias vão, de um modo muito perverso, nos convencendo de que a maternidade é um caminho “natural” e para todas. O feminismo defende que cada mulher desfrute do seu corpo do jeito que lhe convier. A ideia é que, se uma mulher deseja ter um ou dez filhos, que seja respeitada por tod@s e apoiada pela família e pelo Estado. Mas o feminismo também quer que as mulheres possam não se tornarem mães se acharem que essa empreitada não é pra elas. E que não sejam consideradas loucas, mesquinhas ou narcisistas por causa disso. Da minha vida reprodutiva, cuido eu, certo?

Quem cuida mesmo? Sim, os tempos estão mudando e muitos pais estão cada vez mais assumindo sua parcela de cuidados das crianças. Porém, existem barreiras institucionais para essa mudança de comportamento. As licenças parentais são um exemplo. Meu marido voltou a trabalhar meros cinco dias após o nascimento do nosso filho. Eu sei que a lei mudou e agora alguns pais têm direito a 20 dias e algumas mães têm direito a 6 meses de licença, mas isso é pra poucos (mais especificamente para cerca de 3 milhões de trabalhadores cujos empregadores fazem parte do Programa Empresa Cidadã, o que deixa 37 milhões de trabalhadores brasileiros de fora).  O que quero dizer com isso é a maior parte do trabalho braçal de cuidar de uma criança ainda cabe às mães e, depois que elas retornam ao trabalho (para as que retornam), a outras mulheres, sejam empregadas, babás, avós ou funcionárias de uma creche. Uma das batalhas do feminismo é por licenças parentais ampliadas e por uma mudança na mentalidade das pessoas, para que o cuidado das crianças não seja considerado um “trabalho feminino”. 

A maternidade tira a mulher do espaço público Mulheres em licença-maternidade ou que optam por ficar em casa com seus filhos são retiradas da arena pública. Só que os locais de poder e decisão na nossa sociedade são os espaços públicos, as empresas, os órgãos públicos. É muito mais difícil transformar a realidade estando em casa em meio a chupetas e fraldas do que batalhando por nossos direitos. E quanto mais filhos tivermos, mais tempos estaremos confinadas à esfera privada. Além disso, nos poucos lugares a que temos acesso – cafés, restaurantes, praças – a acessibilidade costuma ser ruim ou péssima (alguém aí sabe quão difícil é uma pessoa com um carrinho subir em um ônibus?). Poucos lugares tem trocadores e alguma facilidade para pessoas que estão com crianças. E por facilidade me refiro a acolhimento, algo como um sorriso no rosto quando chegamos cheias de tralhas ou a ausência de cara feia quando a criança derruba comida no chão. 

Mulheres com filhos ganham menos Um levantamento do IDados com base no PNAD mostrou que mulheres com filhos na faixa dos 35 aos 44 anos ganham metade do salário de mulheres sem filhos. Metade! Ou seja, ter filhos atrasa a carreira, já que no tempo que está fora do trabalho, as mulheres deixam de ser promovidas. Mas tem um outro fator: mesmo quando querem assumir cargos mais importantes, muitas vezes elas são preteridas porque seus superiores inferem que elas não desejam ou não terão condições de assumir tal função, já que precisam buscar os filhos na escola, levar ao médico, etc. A pergunta que não quer calar é se os homens com filhos também sofrem esse tipo de preconceito, apenas por serem pais. Se os cuidados com as crianças fossem mais bem divididos, talvez as mulheres pudessem galgar postos melhores no trabalho. Outro aspecto de ganhar menos por conta da maternidade é que as mulheres ficam em uma situação de maior vulnerabilidade. A dependência financeira do cônjuge é um fator que leva muitas mulheres a ficaram em relacionamentos abusivos. O feminismo luta por políticas de igualdade de remuneração, independente do gênero e da raça. A Islândia aprovou, no início desse ano, uma lei para transformar isso em realidade. Esse é o caminho.  

Mães solo Quantos homens abandonam seus filhos e filhas? Cinco milhões e meio de crianças brasileiras não têm o nome do pai no registro, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Não ter o nome do pai na certidão já é em si uma violência, porém, violência maior é não ter presença de um pai durante a vida inteira. O abandono é também é uma forma de aborto paterno. Ou você ainda acha que prevenir uma gravidez é responsabilidade apenas da mulher? Toda pessoa que transa sem camisinha, seja homem ou mulher, está assumindo o risco de gerar uma criança. Logo, a responsabilidade pela vida, educação e sustento deste ser deveria ser de ambos. Não é o que acontece na prática. Dados de 2015 do IBGE evidenciam que 26,8% das famílias com crianças no Brasil são compostos por mulheres sem cônjuge. Em comparação, homens com crianças e sem cônjuge representam apenas 3,6% da população. Ou seja, mais de um quarto das mulheres brasileiras que se tornaram mães foram abandonadas pelos pais de suas crianças. É muita coisa. E a situação é ainda mais dramática para as mulheres negras, que além de representarem um percentual importante das mulheres com filhos e filhas e chefes de família, também são as que historicamente têm os menores salários no Brasil. O mais duro é que estamos tão acostumados e acostumadas com este tipo de abondono que isso nem nos choca mais. É o “normal”. O feminismo defende uma divisão mais igualitária na criação das crianças. Somente pagar pensão (nos casos em que isso acontece) não é suficiente. Não à toa cada vez mais, em casos de divórcio, juízes estão concedendo a guarda compartilhada a ambos os genitores. 

O que quero dizer com isso é que, dadas as condições a que estamos submetidadas atualmente, a maternidade pode ser entendida como uma forma de servidão. E o feminismo é uma ótima arma para transformar essa realidade. Até Simone de Beauvoir via saída pra essa questão, já que pra ela

[As] servidões da maternidade assumem, segundo os costumes, uma importância muito variável: são esmagadoras se se impõem à mulher muitas procriações e se ela deve alimentar e cuidar dos filhos sem mais ajuda; se procria livremente, se a sociedade a auxilia durante a gravidez e se ocupa da criança, os encargos maternais são leves e podem ser facilmente compensados no campo do trabalho.

Bora mudar essa realidade?

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