Existe mesmo brinquedo de menina e brinquedo de menino? Parece uma pergunta boba, afinal são só brinquedos… A psicóloga infantil Daniella de Faria defende que a infância deveria ser uma fase livre, de experimentar tudo, testar todas as possibilidades, independente do gênero. Então quando definimos que alguns brinquedos são para menina e outros para menino, estamos, na verdade, reforçando estereótipos de gênero, que atualmente, começam a ser construídos quando o bebê ainda está na barriga da mãe.

Normalmente, as lojas de roupas infantis são divididas em seções menino e menina – predominantemente rosa e azul, para ser mais específica. Mas como chegamos nessa divisão? Jerramy Fine, autora do livro In defense of the princess: how plastic tiaras and fairytale dreams can inspire strong, smart women, destaca que já vivemos algumas idas e vindas quando se trata de cores associadas a gêneros. Após a Segunda Guerra, por exemplo, a moda passou a defender a ideia de rosa para meninas e azul para meninos. Porém, o movimento de liberação dos anos 1970 promoveu a ideia de roupas e brinquedos de cor neutra para meninas e meninos, o que vigorou até os anos 1980. O anúncio da Lego que ilustra esse post fez história em 1981 com uma menina vestida com cores “neutras” (ou poderíamos dizer roupas de criança) brincando com “blocos universais de montar” (veja aqui o protesto dela, 33 anos depois, contra uma nova linha da Lego focada em princesas).  Só que a partir de então, exames pré-natais passaram a revelar o sexo dos bebês antes de seu nascimento e este fato passou a ser celebrado com quartos, roupas e festas nos tons azul e rosa. Torço para que tenhamos chegado no limite desse fetiche com as cores. Felizmente, temos assistido uma nova onda, ainda que tímida, em direção a uma maior neutralidade das roupas infantis.

Para além das roupas, o que mais me aborrece é escolher presentes para crianças. Quais são as opções? Para as meninas, ferros de passar, panelinhas, maquiagens, princesas, carrinhos de bebê, tudo trabalhado no rosa e no glíter. Para os meninos, aviões, carros, monstros, super heróis. A construção de estereótipos de gênero começa muito cedo e é grave porque impacta não só nos papeis sociais, como na vida profissional futura dessas crianças. E isso é assunto sério. Tanto que o governo americano lançou uma campanha, em 2015, para quebrar os estereótipos dos brinquedos infantis. A ONG britânica Let Toys be Toys ressalta que brinquedos focados em tecnologia e construção geralmente são direcionados para meninos e brinquedos que lidam com artes, papeis sociais e trabalhos manuais são comumente encontrados em seções para meninas. Porém, com essa divisão, meninas e meninos perdem a chance de se envolver com uma ampla gama de experiências e isso limita suas potencialidades futuras. Uma das lutas da ONG é alterar placas de Meninos e Meninas nas seções de brinquedos para Ciências, Aventura, etc., ou seja, agrupar por função e não por gênero.

Minha mãe, que tem dois netos e uma neta, é super atenta às questões de gênero e se esforça para dar brinquedos bacanas pra eles. Mas noto que ela se incomoda se só encontra cozinhas e panelinhas em rosa ou lilás. Afinal ela quer presentear um menino. E essa questão das cores é mesmo muito chata. Limita. E sei que pode ser um empecilho pra quem está começando a rever os papeis de gênero com os quais está acostumado. Então acho válido que os fabricantes de brinquedos ampliem a paleta de cores. Tem tanta cor por aí, né, pra que tanto foco no rosa? Eu sei, pra vender mais. Mas além de procurar cores mais neutras, será que esta não é uma oportunidade para abraçarmos todas as cores? Qual é o problema de um menino ter um brinquedo rosa e uma menina ter um brinquedo azul? Se queremos ensinar que as cores não importam tanto assim, talvez esse seja um bom começo. Fácil, não é. Eu, mãe de menino, confesso que tenho poucos brinquedos cor-de-rosa em casa. Mas quero aumentar esse número.

Ampliar e inverter esses papeis tradicionalmente associados a homens e mulheres é fundamental para as crianças. E isso pode incluir, às vezes, chocar família e sociedade. Temos um poder enorme nas mãos, mesmo se não temos filhos. Porque eventualmente somos convidados para um aniversário de criança, certo? Então eu convido você a dar uma boneca para um menino e um avião para uma menina. Porque vamos ao limite… Pense no “pior” que poderia acontecer caso um menino brinque bastante de boneca… Quem sabe ele pode se tornar um pai amoroso? Se ele brincar com panelas e vassouras, o que de preocupante pode acontecer? Ele vai aprender que é absolutamente normal cozinhar e limpar a própria casa e possivelmente vai dividir muito mais igualmente as tarefas de casa com sua companheira (ou companheiro) no futuro. Uau, revolucionário!

E o que pode acontecer se meninas forem encorajadas a brincar com carros, aviões, super heróis e consertos em geral? Elas provavelmente aprenderão que o mundo das grandes máquinas, dos cálculos, da engenharia e da computação não está fechado para elas pelo fato de serem meninas. Podem aprender que é normal ver uma motorista de táxi ou uma mulher pilotando um avião. No limite, brincar com um martelinho pode contribuir para mudar o triste fato de que somente 29% dos cargos ligados à matemática, engenharia, tecnologia e ciências são ocupados por mulheres nos Estados Unidos.

E, se você ainda tem dúvidas se um brinquedo é de menino ou de menina, você pode se fazer a seguinte pergunta: Para utilizar este brinquedo, os órgãos sexuais são necessários? Se você respondeu SIM, bem, provavelmente não é um brinquedo para crianças. E, se você respondeu NÃO, então o brinquedo serve tanto para meninos quanto para meninas. Simples assim. Essa reflexão foi trazida pelo Paizinho Vírgula nesse vídeo muito bacana sobre o tema.

O que quero dizer é que dar de presente de aniversário um martelo para uma menina e um ferro de passar para um menino é um ato político, feminista (que busca a igualdade, lembram?) e revolucionário! Por quê? Porque eu garanto que a maioria dos presentes que essa menina vai ganhar estarão relacionados ao mundo cor de rosa dos afazeres domésticos ou com princesas. E porque a chance desse menino ganhar super heróis e carrinhos é muito grande. Porque a sociedade em que vivemos ainda é assim hoje. Se você não quer chocar tanto ou se acha que a família da criança pode não entender o que você está tentando dizer, talvez você pode começar com brinquedos mais “neutros”, como blocos de montar, massinha de modelar, quebra-cabeça e, sempre, livros. Claro que esse texto é só uma sugestão minha para, devagarinho, mudarmos o modo com que criamos nossas crianças em direção a um mundo mais igualitário em termos de gênero.


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2 respostas

  1. No ponto Nic! Ninguém precisa radicalizar, nem chocar uma família que pensa diferente, mas existem milhares de brinquedos legais e inteligentes sem gênero. Aliás as nossas escolhas deveriam se pautar por quão interessante e desafiador é o brinquedo para aquela faixa de idade e não se serão pra meninos ou meninas! Agora tem uma coisa que eu acho indispensável pra todo menino, muito mais do que aprender ou gostar de arrumar uma casa, porque bem ou mal ele pode contratar alguém pra fazer isso se não gostar do trabalho, mas eles precisam aprender a cuidar!!! Cuidar de outros seres humanos em todas as fases e especialmente nas mais vulneráveis, seres humanos precisam saber cuidar de outros seres humanos na doença, na velhice, na infância. Quem me deu essa dica foi a minha irmã, a gente precisa ensiná-los a cuidar, ela me disse. E desde que nasceu meu filho tinha um boneco o Bob, e nos limites do interesse dele, brincamos muito com o Bob, colocamos pra dormir, trocamos de roupa, abraçamos, etc… Afetividade e cuidado são aspectos super valorizados no comportamento feminino e, aparentemente, desnecessários para os homens, que engano terrível. Tenho um marido que é um grande cuidador e faz do pequeno mundo dele – trabalho e família – um lugar melhor pra todos por isso. Torço pra que meu filho siga esse exemplo! Beijos

  2. Oi, Gabi, excelente o teu ponto! É muito mais do que atividades domésticas né? Até porque muito provavelmente as próximas gerações (felizmente) vão ver menos e menos empregadas e diaristas por razões econômicas. Então realmente ensinar a cuidar é crucial. Eu sempre tento fazer o Guto ninar e dar comida pra boneca e pros animais, além de atentá-lo pras necessidades da Lana (a cachorra). Noto que ele curte colocar a ração no prato dela e levar pra passear. Acho que são caminhos né?

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