A amamentação da Clara foi um período abençoado, que durou mais tempo do que eu imaginava. Afinal, foram 3 anos e 15 dias de muito leitinho e amor.

Apesar de não ser mãe de primeira viagem, já que tinha amamentado a minha filha mais velha, Alice, por 1 ano e 3 meses, durante a gravidez procurei me informar mais sobre o processo de amamentação, pois tinha passado por várias dificuldades, como fissuras, pega errada, empedramento, baixo ganho de peso e desmame abrupto no final. Meu sonho era poder amamentar a Clara exclusivamente até os seis meses e, se possível, chegar aos dois anos, como recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS). Então estudei bastante sobre os possíveis problemas e como saná-los.

O principal eu tinha: a confiança de que meu corpo produzia leite e a certeza de que, com o apoio certo, havia solução para quase todos os problemas relacionados.

Sabia muito bem que a amamentação podia não ser um processo fácil, automático e que, para ter sucesso, dependia de uma série de fatores, não apenas relacionados à mãe, mas também ao bebê, ao tipo de parto e à rede de apoio.

Assim que nasceu, por meio de um parto natural hospitalar, ela veio direto para o meu colo e mamou já nos primeiros minutos de vida. Tivemos nossa hora dourada (golden hour) respeitada e apoio da enfermeira obstétrica que acompanhou meu parto (Thaiane Guerra) nesta primeira mamada. Ela não saiu de dentro do quarto para nada no hospital e fui muito bem assistida enquanto estava lá. Foi colo e peito à vontade. Depois de um dia já estávamos em casa.

Ela tinha a pega e sucção boas, mamava muito bem, mas mesmo assim meu peito machucou um pouco, por conta do bico plano e adaptação normal dos primeiros dias. Doeu, mas nada que atenção à pega correta, sol e paciência não resolvessem. Não tive problemas com ganho de peso, o “fantasma” da balança não me assombrou na minha segunda experiência de amamentação, graças a Deus. Ela mamava relativamente rápido, sugava muito bem o leite, e não era um bebê que ficava pendurado no peito o dia todo, ela espaçava as mamadas, na maioria das vezes. Nunca controlei horários e amamentava sempre que ela queria, pelo tempo que queria. Tanto que quando me perguntavam de quanto em quanto tempo ela mamava não sabia responder, nem lembrava quando tinha sido a última mamada nem qual peito havia mamado. Diferentemente da primeira filha, na segunda eu realmente resolvi seguir o instinto, esquecer o relógio, ouvir meu corpo e o choro da minha filha (sempre tentava amamentar nos primeiros sinais de fome ou inquietação). Ela tinha muita necessidade de contato físico (sozinha e solta no berço não dormia nem cinco minutos), então adotamos todas as técnicas de exterogestação: sempre fazíamos o “charuto” bem apertado, colocamos um ninho no carrinho e no berço, banho de balde (que ela amava) todos os dias, colo sempre que possível (meu ou do pai), sons de útero (ela adorava o barulho do secador de cabelo, tanto que eu e o pai baixamos um aplicativo no celular que tinha esse som e ela ficava quietinha ouvindo) e sling (era o meu salvador quando tinha que sair de casa, já que ela se sentia muito segura lá dentro e dormia tranquilamente). Ela não teve cólicas ou choro sem motivo. Na verdade, só chorava para mamar mesmo ou por alguma outra razão prática. Foi uma bebê muito tranquila, de sorriso fácil, que dormia bem (mesmo acordando para mamar de madrugada, não chorava e ficava pouco tempo acordada, só mamava e já dormia de novo).

Houve alguns períodos em que ela acordava muitas vezes na madrugada, o que me deixava bastante cansada, principalmente nos períodos de pico de crescimento e desenvolvimento (o de cinco meses foi o pior). Mas logo a produção de leite se regulava com a demanda dela e as coisas melhoravam, voltando ao normal.

Voltei a trabalhar parcialmente com 4 meses e meio e integralmente depois que ela foi para a escolinha, com 1 ano e 2 meses. Meus horários eram relativamente flexíveis e tive apoio tanto da minha mãe como do meu marido para ficar com ela nos períodos de ausência.

Assim seguimos em aleitamento materno exclusivo e em livre demanda até os 6 meses, sem nenhum tipo de bico artificial (chupeta ou mamadeira), sem leite artificial, água, chá, suco ou outro tipo de alimento, com muito colo e sling para ajudar no dia a dia como mãe de duas. Também decidimos pelo quarto compartilhado ou co-sleeping (berço no quarto do casal) para facilitar meu descanso enquanto mantínhamos a amamentação noturna de forma mais tranquila.

Após a introdução alimentar, que optamos pela participativa, um misto de BLW (Baby-Led Weaning ou “desmame guiado pelo bebê”) com a tradicional, continuamos firmes e fortes com o Tetê (eu não substituía as mamadas pelas refeições, a amamentação permaneceu em livre demanda). Quando eu precisava me ausentar, ela ficava super bem, tanto com o pai como com a avó, que eram os cuidadores principais, além de mim. No entanto, ela só aceitava leite diretamente do peito… Não tomava nem o meu leite (quando eu tirava e deixava em casa), nem o da lata, seja em copinho, mamadeira, nada, nada. Leite ela só bebia mamando mesmo. Mas isso nunca foi um grande problema, porque sempre comeu muito bem e aceitava outros alimentos quando eu me ausentava.

Na escolinha, teve uma adaptação bem tranquila, não chorou em dia algum. Adorava ir para a escola com a irmãzinha. Porém, continuava não aceitando o leite de jeito nenhum. Comia o lanche, bebia o suco, fazia todas as atividades, tomava banho e dormia tranquilamente na escola, mas nada de tomar o leite. Como só ia meio período, também não havia maiores problemas. Continuamos insistindo em oferecer o leite todos os dias (sem forçar), até que depois de uns 2 ou 3 meses de escola, ela começou a aceitar o leite (da lata) no copinho de transição (de bico rígido, sem válvula).

No entanto, mesmo depois de completado 1 ano, quando teoricamente ela não precisava mais do leite de madrugada, em termos nutricionais, ela continuou acordando para mamar. Eu decidi respeitar e não fazer o desmame noturno, pois sabia que amamentar era mais que leite, era afeto, vínculo emocional. E, na verdade, não me importava muito, pois como ela dormia no meu quarto, eu a amamentava deitada e nem acordava direito, então não prejudicava muito meu descanso. Mas, mais ou menos com um ano e meio ela passou por uma fase em que acordava várias vezes de noite e fiquei muito, muito cansada, pensando seriamente no desmame noturno. Cheguei até a estudar técnicas para fazê-lo de forma gentil. Mas, em uma das rodas de amamentação que frequentava na época, desabafei, chorei junto com outras mães e a Thaiane (consultora de amamentação) me disse que sim, eu poderia desmamá-la à noite, que ela já tinha idade para isso, mas que não era garantia de que pararia de acordar de madrugada, que poderia ser uma compensação da falta que sentia de mim de dia, por conta do meu trabalho, e que poderia causar um desmame total. Ponderei tudo, e dado meu sonho de chegar aos dois anos (e lembrando que depois do desmame noturno da Alice, quando ela acordava de madrugava dava um trabalhão para voltar a dormir e precisava ser ninada no colo por um bom tempo) decidi adotar outras estratégias para descanso, para melhorar nosso sono, e realmente a fase ruim passou logo depois.

O desmame noturno ocorreu naturalmente, por iniciativa dela, que simplesmente parou de acordar para mamar de madrugada, aos 1 ano e 10 meses. Mais ou menos no mesmo período em que passou a dormir na caminha no quarto dela, junto com a irmã mais velha. O papel do pai foi fundamental neste processo, pois quando ela acordava de madrugada, após o desmame noturno, era ele quem ia vê-la e oferecia água, quando estava com sede. Rapidamente ela dormia novamente, e não demandava o peito mais. Afinal, ela entendia que o Tetê estava dormindo… E assim, ela não chorou um dia sequer, nem ficou desassistida para que o desmame noturno ocorresse. Foi muito tranquilo para ela.

Fiz a primeira viagem sem ela, a trabalho, logo depois que completou 2 anos. Me ausentei por quatro dias para prestar um concurso. Fiquei com muito medo de ela sofrer, chorar, dar trabalho para dormir, já que só dormia comigo mamando no peito e nunca havia dormido fora de casa (mesmo com o convite das avós e com a companhia da irmã, ela nunca quis ir). Mas eu estava segura de que precisava fazer isso por mim, que já estava na hora de voltar a investir na minha carreira e que, se por acaso isso desencadeasse um desmame, tudo bem, significava que ela estava pronta. Peguei o avião chorando e chorei grande parte do voo, coração bem apertado, mas depois relaxei. Tinha certeza de que seria muito bem cuidada, com pessoas em quem confiava. Já que era período de férias, elas ficaram de dia com as avós e com uma amiga querida, num esquema de revezamento no horário de trabalho do pai, e de noite com o pai. E, surpreendentemente, ela ficou muito bem. Quando perguntava pela mãe ou pelo Tetê eles explicavam que eu havia viajado (ela me levou ao aeroporto, se despediu e viu o avião indo embora), mas que voltaria logo, e ela entendia. Brincou muito, fez novos vínculos e dormiu com o pai tranquilamente, tomando o leite no copinho no colo dele. Nem acreditei! E quando voltei, ainda no aeroporto, ela pediu para mamar lá mesmo. Então, não ocorreu o desmame neste momento.

Também depois dos dois anos, fizemos um combinado dela não mamar mais fora de casa. Não porque eu tivesse vergonha, mas para protegê-la dos comentários maldosos que algumas pessoas fazem sem querer sobre o fato de acharem “feio” crianças grandes mamando, bem na frente delas. Ela entendeu e aceitou muito bem o fato de o lugar de mamar ser só em casa (é claro que não expliquei o real motivo para ela). Na rua, quando precisava, ela se sentia acolhida com abraços, beijos e comia de tudo, nessa época (sempre mantinha um lanchinho na bolsa).

No período em que eu comecei a viajar muito a trabalho e mudamos de cidade, mais ou menos quando ela tinha 2 anos e 2 meses, ela ficou mais insegura e regrediu na amamentação. Quando eu chegava de viagem, ela queria mamar o dia todo, pior que um recém-nascido, e não aceitava mais os combinados anteriores… Claramente era apego emocional, a maneira de ela sentir que tinha a mãe perto. Respeitei essa necessidade dela durante todo o período de mudança e assim que ela se sentiu segura novamente, tanto na casa como na escolinha novas, ela voltou a mamar como antes, praticamente só uma ou duas vezes por dia e apenas em casa.

Depois dos 2 anos e meio, ela começou a espaçar as mamadas cada vez mais. Sentia que já tinha dado o meu tempo e ela precisava cada vez menos do meu leite, tanto em termos nutricionais como emocionais. Assim, começamos o processo de desmame gentil. Eu não oferecia mais o peito em hora alguma. Quando ela pedia, primeiro tentava distrair, trocar por outra coisa, dar atenção, mas não negava se ela insistia. Várias vezes eu dizia que iria dar mamar somente enquanto contava até dez, para ser uma mamada mais rápida, sempre explicando o motivo. Ela aceitava bem, quando chegava no dez, soltava meu peito de boa e ia fazer outra coisa. Às vezes, negociava para ficar um pouquinho mais…kkkk. Para dormir de noite, ela aceitou tomar o leite no copinho, sentada no colo no sofá e depois dormia na cama dela com uma musiquinha (comigo ou com o papai). E, lentamente, ela foi percebendo que não precisava mais do peito, espaçava cada vez mais as mamadas. Às vezes passava vários dias sem pedir. De repente, queria de novo. Neste período ela apelidou meu peito carinhosamente de “Gabriel”. Não tenho a menor ideia de onde ela tirou este nome, mas claramente para ela havia duas entidades separadas: a mãe e o peito, que até nome tinha. Era muito engraçado, ela dava bom dia, cantava e conversava com o Gabriel. Arrancou várias risadas das pessoas da família (que eram as únicas que sabiam disso).

E assim fomos até os 3 anos. Neste momento eu já não queria amamentar mais, sentia que meu leite tinha praticamente secado, devido ao pouco estímulo, saíam apenas gotas. Então as mamadas se tornaram puramente emocionais e estavam me incomodando. Inclusive às vezes doía, pois ela estava desaprendendo a mamar, perdendo a pega e usando os dentinhos (não me mordia, apenas não sabia mais direito como fazê-lo). Então eu senti que tinha dado meu limite, que ela já tinha mamado mais do que o suficiente. Mas precisávamos de um ponto final, tanto eu quanto ela, para saber que realmente tinha terminado. Foi aí que no dia 24 de novembro de 2019, um domingo, estávamos somente eu, ela e a Alice em casa, decidi que aquele seria o último dia que eu iria amamentá-la. Conversei bastante com ela antes, disse que ela tinha mamado bastante tempo, que o Tetê tinha dado leitinho para ela até aquele dia, mas que o leite tinha terminado, que aquela seria a última vez que ela mamaria, que seria a “última gota” de leite que ainda tinha no meu peito. Foi lindo, ela agradeceu o Tetê por todo leite recebido, sentamos no sofá e deixei ela mamar por quanto tempo quisesse, os dois peitos. Trocamos olhares, fiz carinho, aproveitei cada minuto. A irmã tirou foto e filmou a última mamada, registros que guardo com muito carinho.

No dia seguinte senti um misto de alívio, gratidão, saudade e perda… Praticamente uma pessoa louca. Impossível descrever os sentimentos daquele dia. Chorei bastante, ri muito e agradeci por tudo. Até senti meu peito encher um pouco de leite, coisa que fazia tempo que não acontecia… Me sentia aliviada por ter terminado, por ter meu corpo de volta só para mim. Me sentia extremamente grata por ter conseguido amamentar por mais de 3 anos minha filha, apesar de todos os percalços, tempo que nunca esperei chegar, nem nos meus melhores sonhos, e sabia quanto o leite materno tinha sido importante para o desenvolvimento dela, em todos os sentidos. Sentimento de missão cumprida com muito sucesso! Também me sentia grata pelo desmame dela ter sido um processo tranquilo, bem lento e gentil, sem sofrimento para ela e para mim, sem empedramentos, mastite, remédio para secar leite etc. Mas, ao mesmo tempo, sentia que um laço entre nós tinha se partido. Sabia que era necessário cortar mais esse pedacinho do cordão umbilical, que estava mais do que na hora, mas mesmo assim era doído, pois não teria mais um bebê no meu peito, me olhando com aqueles olhinhos lindos e cheios de amor. Aliás, veio o sentimento de que não tinha mais um bebê em casa! Afinal, aquela menininha linda cheia de cachinhos já andava, corria, falava tudo, cantava músicas, contava historinhas inteiras, não usava mais fraldas, comia sozinha com garfo e colher, e dormia a noite inteira. Daí o sentimento de perda daquele dia, que, aliás, poucos entendiam, dado o tempo que eu a havia amamentado. Mas este sentimento de perda passou bem rápido e só ficou depois a saudade, tanto para mim, quanto para ela. E a certeza de que nosso vínculo seria fortalecido de muitas outras formas. Depois daquele dia, ela nunca mais me pediu para mamar, mas de vez em quando, por vários meses, continuou dizendo que estava com saudade do Tetê, mas que tinha acabado o leitinho e ela tinha tomado tudo, até a última gota. Nestes momentos, ela pedia para dar um beijinho e me abraçava. Nem uma vez chorou por conta disso.

Desta forma, completamos 3 anos e 15 dias de amamentação, enfrentando vários desafios nesse caminho, como empedramentos, picos de crescimento e de desenvolvimento, ansiedade da separação, minha volta ao trabalho, entrada na escolinha, mamadas noturnas intermináveis, cansaço sem fim, várias viagens, desfralde e mudança de cidade… E posso afirmar que isso só foi possível pelas informações de qualidade a que tive acesso nessa caminhada materna e, principalmente, pela incrível rede de apoio que tive o privilégio de ter nesse período, incluindo marido, mãe, familiares, amigas, consultora de amamentação e médicos. Sou muito grata por tudo e com certeza valeu a pena cada gota de leite!

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