Opa, mas eu não deveria estar falando sobre gravidez, sobre trigêmeos e sobre toda a “alegria” envolvida nisso? Sim, mas até chegar aqui foi necessário um processo de elaboração, de aceitação e de luto por tudo aquilo que não vai ser.

Quando ouvimos falar em luto, logo pensamos em morte, geralmente de uma pessoa. Na vida, porém, vivemos diferentes mortes, encerramentos, finalizações, coisas que jamais voltarão a ser como antes e para assimilarmos essas mudanças, passamos por um processo de luto. E quando não deixamos esse processo acontecer, fica aquela ferida aberta nos acompanhando pela vida. 

Muitos já devem ter ouvido falar dos cinco estágios do luto criados por Kubler-Ross: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Esse processo emocional foi identificado em pacientes terminais e seus parentes, frente à perspectiva da morte. Mas acredito que esse processo nos atinge a todos frente a grandes mudanças e perdas/ou perdas da vida. 

Então, quando primeiro visualizei a possibilidade de ter trigêmeos, iniciei meu processo de luto. Por todos os planos que não iriam se concretizar e pela(s) vida(s) que mudariam muito além do esperado. 

No primeiro ultrassom, com cinco semanas, foi quando primeiro vi a possibilidade de ter trigêmeos.  Lembro do choro, ainda na mesa do ultrassom, um choro incontrolável, doído, frente àquela realidade inimaginável. 

As duas semanas seguintes foram as mais longas da minha vida. Durante esse tempo, tentei me convencer que de fato aqueles saquinhos (gestacionais) vazios não significavam nada. E que, como já havia vivido antes em um dos meus abortos – poderiam nem se desenvolver. Esse processo de negação durou alguns dias e eu sequer pensava coisas relacionadas à gravidez. 

Quando, finalmente, o ultrassom de sete semanas chegou, lá fomos nós três, preparados para tudo. Não demorou muito para vermos os três coraçõezinhos batendo. Dessa vez não foi um choque e sim um alívio, finalmente saber. 

Nesse dia, uma médica falou da possibilidade do aborto seletivo. Essa prática não está disponível no Brasil, mas aqui na Inglaterra é oferecida a todas as mães de gestações múltiplas. A médica, na verdade, foi bastante incisiva sobre a necessidade dessa intervenção, nos deixando um tanto assustados e angustiados. Ou seja, além de só ter a plena confirmação da gravidez com 12 semanas, ainda teria que me preparar para essa possibilidade. 

Eu literalmente fiquei sem ar por cinco semanas. Todos os sintomas começaram a aparecer e me afetaram em cheio. Enjoos, cansaço, insônia e falta de ar foram companheiros diários. 

Em alguns momentos me perguntei por que tive essa ideia de ter mais um filho. Senti raiva por ter feito essa escolha e por perder a pouca liberdade que conquistei com o Thomas – até então filho único.  Só quem vive no exterior, ou longe da família, entende o desamparo de não poder contar com ninguém a não ser a si mesmo e o parceiro (quando muito). E agora voltaríamos à etapa zero, multiplicada por três. LOUCURA! 

A última parte do meu luto veio acompanhada de muita ansiedade e lágrimas. Algumas noites batia o desespero por todas as coisas que não vão acontecer e por todas as coisas que possivelmente vão. Não haverá chance de viver uma gravidez a termo e nem um parto normal humanizado. Terei uma gravidez com vários riscos, provavelmente terei que fazer repouso e parar de trabalhar cedo. Meus bebês nascerão de cesárea, prematuros, ficarão na UTI neonatal e poderão apresentar várias complicações. Como se faz para amamentar três bebês? Ou até mesmo alimentá-los com mamadeira, já que só tenho duas mãos e dois seios? Como vou fazer para me virar sem ajuda, sem família? Não vou poder sair por aí com um carrinho/sling e o Thomas como imaginei. Tudo terá que ser planejado, pensado, cronometrado, uma logística danada!

Com certeza existem mil outros fatores a se levar em conta em uma gravidez tripla e todas as mudanças que isso trará. Mas esses foram os que inundaram meus pensamentos e me tiraram o sono quase todos os dias. 

As doze semanas chegaram. Numa consulta de última hora, fui chamada às pressas ao hospital para conversar com o especialista e fazer o ultrassom. 

Acho que todo ultrassom é mágico, não importa com quantas semanas ou quantos bebês se espera. Esse ultrassom, para mim, significou o início concreto da mudança. Ver os três bebês ali, fortes e saudáveis, foi algo muito além do que jamais imaginei passar. Ali me senti mãe deles, me senti dona do meu corpo e mais forte do que nunca. 

Na conversa com o especialista, ele ofereceu novamente a possibilidade do aborto, só que dessa vez eu estava preparada. Como já havia conversado com meu marido, sabia que se os bebês estivessem bem, nós os teríamos. Essa foi a decisão mais empoderante da minha vida. 

Ali, naquele momento, eu escolhi ser mãe de trigêmeos e ter quatro filhos. Escolhi ter uma família grande e abrir mão de vários confortos. Escolhi ficar feliz e me sentir abençoada por essa gravidez. 

Acho que meu luto se encerrou naquele ultrassom. Desde então, voltei a respirar. 

*Esse texto foi publicado no Fala Frida originalmente no dia 14 de junho de 2018.


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5 respostas

  1. Caco passei por um choque quando engravidei de gêmeos na minha primeira gravidez, passei o dia seguinte na cama com enxaqueca pensando como tu e ,desconstruindo os planos e sonhos de uma gravidez de um filho só para somente depois aceitar com todo amor esses bebês que vieram para me ensinar a ser melhor e mudar pra sempre a minha vida e a vida de todos que estavam a minha volta. Beijos e fica bem.
    Ah, sou amiga de colégio da Gabi.

  2. Oi Carolina! Conheci sua história através da sua prima Nicole… também sou mãe de trigêmeos (3 meninos, com 3 anos hoje), Me emocionei ao ler seus dois textos. Senti muita coisa parecida com o que você descreveu, apesar dos trigêmeos terem sido a minha primeira gestação, tão romantizado e idealizada. Hoje vejo que só consegui viver esse luto depois da loucura do primeiro ano deles. Que bom que já estais conseguindo elaborar essas questões na gestação. E se precisares de um apoio ou uma troca de ideias, a Nicole tem o meu contato para a gente conversar! Abraços ?

    1. Oi Patrícia,
      É tão bonito ver a rede que se forma em torno de uma mulher quando ela precisa! Essa irmandade muda o mundo. Obrigada!
      Um beijo pra você e pros três meninos!

    2. Olá Carolina, como seu texto e suas palavras me representam. Estou nesse momento passando por uma gestação múltipla: duas meninas e um menino. Já tenho uma filha com 10 anos. Simplesmente suas palavras me representam, só isso e tudo isso. Obrigada

      1. Q bom q tu te sentiu representada aqui. Sei o quanto eh dificil esse processo de aceitacao, o medo, a angustia em relacao ao desconhecido. Mas no fim tdo vai dando certo, um dia apos o outro, dias bons e ruins, mas a gente sobrevive e vai aprendendo c eles. Se precisar estou aqui. Meu insta eh @londontripletsplus1 Boa sorte!

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