Sejamos sinceros: nunca tive jeito com crianças. Acho que sonhava em ser mãe por puro automatismo. É isso que a gente aprende que deve sonhar, não é mesmo? Mais velha, cheguei a repensar essa ideia. Quando descobri ter endometriose, fiquei imaginando se isso era realmente o que eu queria e elaborei até um plano B caso resolvesse, mas não pudesse ter filhos. E olha, esse plano B não era lá muito ruim – pelo contrário. Eu pretensiosamente seria a ninja da minha área de estudos, desenvolveria conhecimento de ponta e viajaria o mundo inteiro. Um bom consolo, não?

Quando eu namorava meu esposo, e a gente ia na casa de alguém com filhos, era ele quem passava a noite com o bebê no colo. As crianças, espertas como são, também não me davam muita bola. Os primos mais novos eu achava todos lindos e fofos, sem aquela vontade que eu vejo em muita gente de trazê-los pra perto de mim. É duro admitir, mas eu nunca fui a tia legal, de tomar conta e levar pra passear. Eles lá e eu cá, tudo ia bem.

Me casei com um homem 12 anos mais velho, e rápido vieram as cobranças de fora. Como se idade fosse credencial para parir. Mas nenhuma delas me abalava, de verdade. Eu respondia com tranquilidade que não se coloca alguém no mundo, planejadamente, sem profunda convicção. Fui fazer meu doutorado, conhecer a Europa e curtir o marido no pouco tempo em que ele ficava em casa, pois trabalhava viajando sem parar.

O tempo passou e a chegada de mais um sobrinho me fez, estranhamente, começar a olhar pra maternidade de um jeito inédito.

De repente o que antes me soava como um fardo passou a parecer um desafio fascinante. Educar alguém nesse mundo maluco, acompanhar seu desenvolvimento dando a ele, ou ela, todo o amor que coubesse no meu coração.

Pensar quem havia puxado e com quem se parecia. Sentir que estava deixando um pedacinho de mim, esperançosamente muito melhor que eu, como contribuição para a humanidade. Ensiná-lo ou ensiná-la o que é bom, o que é justo e como a vida pode ser sensacional. Não sei explicar, porque vários outros sobrinhos e sobrinhas já tinham nascido e até crescido… acho que era eu quem estava diferente mesmo.

Então resolvemos, eu e meu companheiro, que era a hora. Ele sempre quis, a dúvida era minha mesmo. Mas algo aqui dentro de mim acordou. Atribuir isso ao relógio biológico é simplificar e empobrecer consideravelmente o que estou tentando explicar. Só sei que eu, que olhava para bebês na rua como se fossem algemas, passei a enxergar cada um com doçura. A vontade de apertar bochechas tomou o lugar da preguiça. E, sem dificuldades apesar do meu diagnóstico, veio o primeiro filho, aos 34 anos. 3 anos depois, também programado, veio o segundo.

Foi nesse contexto que nasceram o Theo e o Dan. Confesso, foi difícil. Eu, que me sentia toda plena em sala de aula e me bancava profissionalmente, nunca tinha trocado uma fralda na vida. Zero intimidade com crianças, pesadelos em que os deixava cair do meu colo com a cabecinha no chão e muito medo de fazer algo errado. Um sentimento absoluto de incompetência. Como cientista, fui estudar o assunto. Fiz curso de amamentação – aliás, esse eu recomendo – e li um monte de livros, inclusive aqueles que vêm com um manual tipo como-ser-mãe, mas logo percebi que não eram pra mim. Pra mim, ser mãe é algo que não se ensina, apenas se aprende. E foi no dia a dia que meus filhos foram me ensinando, e ensinam até hoje, essa exaustiva e apaixonante tarefa.

8 anos já se passaram desde que o primeiro deles chegou. Hoje eu brinco de cabaninha, deixo que tatuem meu corpo com desenhos duvidosos, fazemos biscoito juntos. Tomamos sorvete, colorimos e desenhamos. Aqui tem festival de Uno, cineminha e tudo mais. Não é uma casa perfeita, como aliás nenhuma é. Tem stress na hora de fazer os deveres. Tem bagunça, e muita. Também dou bronca, perco a paciência, exagero muitas vezes. Em outras, falta energia e sou condescendente quando não devia. Mas entre erros e acertos, vamos crescendo juntos. Crescendo como pessoas, crescendo no amor. Dividimos um espaço não muito amplo, mas pra quem aprendeu que ficar agarradinho é a melhor coisa que há, que diferença faz? Dividimos nosso tempo, o último pedaço de chocolate, aflições e também sonhos. E como é bom dividir a vida com quem a gente ama!

O engraçado é que meu jeito de lidar com crianças mudou não só com e por causa deles, mas vejo diferentemente todas as demais. Vejo o mundo de um outro jeito. Aprendo com os pequenos e tento buscar em mim a criança que se perdeu com o tempo. Porque, ah… como elas nos ensinam! A esperança de quem não viu, até agora, do que o ser humano é capaz; a espontaneidade de quem ainda não se blinda eficientemente contra o outro; a curiosidade e a criatividade essenciais a qualquer pesquisador. O olhar e o sorriso de uma criança passam a mexer com a gente. Acho que um filho consegue isso: transformar quem somos por dentro.   

A verdade é que esse negócio de ser mãe é muito romanceado, em especial em datas como a de hoje. Mas essa história não necessariamente começa com uma mulher que cresceu brincando de colocar almofada na barriga, ou que amava crianças loucamente e tinha jeito com todas elas. Há vários tipos de mães: existem aquelas para quem isso sempre foi um propósito de vida; há quem tenha engravidado no susto; há quem adotou e é tão mãe quanto qualquer outra mãe. Pra essa história ter final feliz, há tantos primeiros capítulos possíveis! E, se os primeiros não foram muito favoráveis, sempre dá pra escrever novas páginas. Eu todo dia crio linhas inéditas, desde que me tornei uma. E tem valido a pena demais.

Claro, tive que abrir mão de muita coisa, como todas as mães fazem. A viagem a Paris precisou virar viagem à Disney, a da Disney com a crise virou Beto Carrero World e, com a pandemia, esta virou acampar no quintal. Nunca mais dormi o sono que eu dormia e são raros os momentos de sossego que tenho só pra mim. Sinto falta de muita coisa da Cris do passado. A pretensão de ser ninja na minha área de estudos precisou ser adiada e aprendi a me contentar, pelo menos por enquanto, em fazer um feijão com arroz da melhor qualidade. Outros planos também foram postergados e o cotidiano é um tanto maluco: correria demais, tarefas demais… a tal carga mental também. Mas olha, se tem algo que eu agradeço todos os dias por ter conseguido concretizar foi essa ideia de ser mãe.

Vejo com tranquilidade e respeito as mulheres que escolhem não ter filhos. É legítimo e compreensível. No meu caso, no entanto, o Plano B que me desculpe: ser mãe, pra mim, dá de mil em qualquer viagem internacional ou artigo A1. Já duvidei que diria isso um dia, mas a verdade é que não troco a Cris mãe por nenhuma outra versão minha que eu já tenha tido ou pense em vir a ter. Além de deliciosa, é ela quem torna todas as outras muito melhores.

Feliz dia das mães!

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