Pra quem gosta de cinema e, de modo particular, de um cinema mais intimista, delicado, que retrata e trata com sensibilidade as relações humanas – e tão universais! – por meio de histórias simples que acontecem no nosso dia-a-dia, vai gostar de assistir o filme brasileiro “Como nossos pais”. O filme foi lançado recentemente e conta a história de Rosa, uma mulher, que, como muitas de nós, é mãe, esposa, filha, profissional e tantas outras coisas ao mesmo tempo.

A narrativa sensível da diretora e roteirista Laís Bodanzky nos guia, num ritmo tão compassado quanto surpreendente, a conhecer a rotina, os conflitos, as angústias, os desejos, os medos entre tantas outras coisas de sua personagem principal feminina. O filme nos leva a conhecer profundamente a história e a complexidade de Rosa em sua relação com suas duas filhas pré-adolescentes, com o marido ambientalista e muitas vezes ausente, com seu trabalho dentro e fora de casa, com seu pai e, especialmente, com sua mãe: relação essa que, por uma reviravolta da trama, faz Rosa mergulhar no interior de si mesma e ressignificar todas as demais relações que a constituem como mulher. E como mulher no século XXI.

Nesse processo profundo e doloroso (poderia ser diferente?) em busca de autoconhecimento, Rosa, ao mesmo tempo em que identifica suas potencialidades, as quais ela havia deixado escondidas desde algum tempo (será que é por conta de uma sociedade machista?), reconhece seus limites e inquietudes, fato que a leva a encarar e assumir sua condição de “estar sempre deixando a desejar” segundo a perspectiva que corresponde ao padrão estabelecido para a mulher na sociedade.

Em determinada cena, sua fala – ou seu grito – “não quero mais fingir que sou uma mulher que dá conta de tudo. Eu não dou conta de tudo!” é tão corajosa quanto a busca por uma verdade que a conforte no dia-a-dia e que a permita viver uma vida mais equilibrada e leve consigo mesma e, assim, com aqueles que ela tem por perto.

Talvez já tenha ficado clara a relevância das questões levantadas pelo filme para um espaço como o do Fala Frida, que procura dar voz às mulheres em suas diferentes buscas e conflitos. Mas quero ressaltar que assistir ao filme é como se reconhecer, se ver, se encontrar naquela tela logo à sua frente. Se não pelo conjunto da narrativa, por uma cena aqui ou outra ali ou mais alguma acolá.

O mais legal – pelo menos foi algo que pensei quando assisti – é que não apenas as mulheres se reconhecem ali, mas também os homens podem ser tocados pela familiaridade do cotidiano daquelas personagens. Se isso acontecer – e eu estou certa de que acontece! – esse é um grande sinal para a sociedade e uma grande conquista da diretora e do elenco do filme, pois sabemos que, mais do que mulheres feministas, precisamos de homens feministas. Precisamos também de crianças feministas e tantas outras pessoas que sejam sensíveis e corajosas o bastante para entender a pressão a que a mulher é submetida em seu cotidiano.

Particularmente, o caso dos homens se reconhecerem ali é um sinal de fato importante, pois essa pressão é tão entranhada na sociedade que se torna comum, a ponto de se tornar invisível aos olhos deles… mas não à nossa pele.

Em minha singela reflexão sobre o filme, procurei não dar tantos detalhes sobre o enredo, especialmente sobre episódios que acontecem com Rosa na sua relação com as outras personagens, para, assim, não cometer spoilers e tentar criar uma curiosidade que leve você que está lendo a assistir ao filme. Tomara que isso aconteça! Apesar de não querer explorar muito os episódios do filme, não posso deixar de mencionar a relação conflituosa que se estabelece entre Rosa e sua mãe, Clarice, belamente interpretadas pelas atrizes Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra. É dessa relação que se origina o nome do filme “Como nossos pais”.

Por meio da figura de uma e de outra e das transformações que as duas passam na trama, o filme problematiza a diferença entre gerações e suas atitudes libertárias; a semelhança entre pais e filhos, mesmo na escolha de caminhos muito diferentes, e mostra também como uma tentativa de ruptura com padrões que chegam a nós como herança pode mostrar o quanto de nossos pais há em nós. Ufa! Quem ler esse parágrafo aqui pode até desistir de assistir o filme pela dramaticidade das minhas palavras, mas eu acalmo vocês: o drama do filme é muito mais delicado do que isso. Ainda bem que o cinema é uma linguagem por si só!

Pra quem não desistiu de ver o filme, vou dar mais três razões para você dar um jeito de tentar assistir e tirar suas próprias conclusões:

1) Imediatamente quando terminei de assistir o filme, quando ainda estavam passando as letrinhas dos créditos lá na tela, eu pensei: “Todo casal deveria assistir esse filme!”.

2) O filme já recebeu vários prêmios em festivais nacionais e internacionais: de melhor filme, melhor atriz (Maria Ribeiro), melhor atriz coadjuvante (Clarisse Abujamra), melhor ator (Paulo Vilhena),  melhor montagem e melhor roteiro. São vários sinais de que o filme não veio para brincadeira!

3) É o cinema brasileiro fazendo bonito por aí! Sim, o cinema brasileiro vive um momento especial de privilegiar outros temas e outros modos de narrar histórias: narrar de modo simples histórias que acontecem no espaço reservado e íntimo do cotidiano familiar. Modo de narrar que o cinema europeu já explora há algum tempo. Vamos lá prestigiar nosso cinema e mostrar que vale a pena investir nesse tipo de filme?

Vai lá correndo assistir! Se não der agora, já fica na fila pra quando chegar no Netflix (eu espero que chegue logo pra poder assistir de novo). E quem se arrisca a assistir e dizer o que achou? A gente aguarda sua resposta aqui.

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