Ela tem um texto que arrebata e uma biografia que continua intrigando quem a lê – uma mulher que nasceu rica e, em sua juventude, escrevia poesias feministas e sensuais enquanto  transportava armas para a Frente Sandinista de Liberação Nacional (não tem como não lembrar da Pagu, não é mesmo?). A Nicaraguense Gioconda Belli é uma das escritoras latino americanas mais reconhecidas e traduzidas no mundo. Sua forma de descrever a natureza exuberante de seu país e de, intuitivamente, fusionar a alma da mulher aos elementos da terra é de tirar o fôlego!

Huella:

“Pronto me marcharé a selvas de humo y de concreto

andaré calles de ciudades hostiles

mi nombre sonará a otro nombre

mi rostro parecerá otro rostro

Por eso aquí, esta tarde

así quiero quedarme

viendo desde lo alto mi rebaño de volcanes azules

dejando que el paisaje se me crezca por dentro

que el lago se me instale en los pulmones

que las nubes se expandan en mi sangre

que me nazcan volcanes en los ojos

que esta visión de mito y epopeya

alimente mis ríos interiores

con los que me sostendré

cuando abra la distancia su profunda frontera.”

Conheci a poesia dela há alguns anos, quando li o livro Poesias de Luta da América Latina, do brasileiro Jeff Vasques. Ali, o autor reúne a obra de diversos e diversas poetas que fizeram de suas letras um instrumento de luta pelos direitos humanos e fim de ditaturas. E dentro desta antologia há dois ou três poemas da Gioconda. Fiquei maravilhada quando li e não parei mais de buscar os textos dela. Vou deixar aqui um trecho da poesia Conselhos para uma mulher forte, traduzido por Jeff Vasques:

“Treine-se nos ofícios da reflexão e do intelecto.

Lê, faz o amor a ti mesma, constrói teu castelo

o rodeia de fossos profundos

mas lhe faça amplas portas e janelas.

É fundamental que cultives enormes amizades

que os que te rodeiam e queiram saibam o que és

que te faças um círculo de fogueiras e acendas no centro de tua habitação

uma estufa sempre ardente de onde se mantenha o fervor de teus sonhos.

Se és uma mulher forte

se proteja com palavras e árvores

e invoca a memória de mulheres antigas.

Saberás que és um campo magnético

até onde viajarão uivando os pregos enferrujados

e o óxido mortal de todos os naufrágios.

Ampara, mas te ampara primeiro.

Guarda as distâncias.

Te constrói. Te cuida.

Entesoura teu poder.

O defenda.

O faça por você.

Te peço em nome de todas nós.”

Na última semana, passeando por um parque de Sevilha que tem alguns lugares mágicos que servem de abrigo para as pessoas deixarem livros que desejam doar, me deparei com Sofia de los Presagios, da Gioconda (e também com A festa da Insignificância, do Milan Kundera e O homem Duplicado, do Saramago). Dia de sorte, não é mesmo? Fiquei em êxtase! Ainda não tinha lido nenhuma obra de ficção dela. Cheguei em casa, me sentei, abri o livro e, a primeira frase já me absorveu completamente!

“Es de noche y el mundo está quieto.”

Duas madrugadas adentro e terminei de ler o livro de pouco mais de 300 páginas. Senhoras, que narrativa a dessa mulher!!! Quanta bruxaria, força feminina, intuição, observações sobre o patriarcado, descrições da vegetação, de vulcões, de ventos e tempestades que me transportaram para a cidadezinha nicaraguence de Diriá, onde a história de Sofia se passa.

“Ela tem sido bruxa por gerações, lhe dizem. As bruxas estão encarregadas de conservar a sabedoria ancestral de mulheres, que desde tempos remotos, antes que as perseguissem e as obrigasse à docilidade, veneravam a terra e conheciam o segredo das boas colheitas, os poderes mágicos das plantas e as entranhas de certos animais. Xintal afirma que pode ler na lua a passagem das estações, as premonições sobre invernos e secas, assim como o ciclo dos sangues menstruais e os partos.”

Se você tiver qualquer oportunidade de dar uma espiada na obra da Gioconda, faça-o! Porque essa mulher é pura força e alma latina. Um tesouro da América. Vou deixar aqui o link para a página Poemas del Alma, que fez um pequeno compilado com algumas poesias da Gioconda. Dá pra perceber que, com o passar dos anos, a poesia e os outros textos dela vão evoluindo no sentido da emancipação da mulher e no próprio descobrimento sobre ela mesma e sua relação com o mundo. O último livro dela – O país das mulheres – é uma utopia que conta a história de uma pequena nação fictícia, na América Latina, governada por mulheres. Ele foi publicado em português em 2011 e pode ser comprado em diversas livrarias virtuais. Boa leitura!

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