Gabriela transborda. Escreve para organizar. Organiza para dar sentido. Seu coração é profundo e cheio de saudade. O consolo para ela é um mistério. Mas talvez seja também uma necessidade intimamente experimentada.    

Porque você escreve?

Eu escrevo porque… difícil responder isso… eu nunca tinha pensado… eu acho que agora que eu já escrevo eu entendo que se transborda, pode ir para o papel ou pode ser expresso de outras maneiras, mas eu acho que antes de eu começar a escrever, eu escrevia para organizar as minhas ideias. Uma vez eu ouvi uma psiquiatra falando que o certo não seria “penso, logo existo”, mas sim “falo, logo existo”… porque quando a gente expressa o que a gente sente, a gente organiza os sentimentos e as ideias… eu acho que inicialmente, pra mim, quando eu estou muito confusa a respeito de alguma coisa, escrever é uma forma de me organizar, de organizar as minhas ideias e os meus sentimentos… talvez tenha começado assim. Acho que começa assim… fazer uma coisa com a qual eu sempre havia sonhado e nunca tinha realizado, um desejo muito antigo meu de ser jornalista, enfim… aí depois vem pra essa coisa de organizar as ideias mesmo, quando a gente fala sobre aquilo que a gente sente parece que sistematiza, que a gente entende melhor quando expressa… e talvez agora seja isso assim, embora eu tenha escrito menos… embora aquilo que está transbordando nem sempre vai para a escrita, às vezes essa energia vai para outras coisas, mas se eu estivesse escrevendo de uma forma regular também iria pra isso… 

Com o que você sonha? [2m30s]

Eu sonho com um mundo mais igual… um mundo em que a gente possa dormir sem ter alguém passando fome. Eu sou uma aquariana daquelas mega idealistas. Eu queria ir dormir com a certeza de que não tem ninguém passando fome, de que não tem ninguém submetido a maus tratos, não tem nenhuma criança em situação de abandono, enfim, eu sonho com uma coisa muito, muito grande. Eu acho que é com isso que eu sonho…

O que é o silêncio para você? [3m13s]

O silêncio pra mim é fundamental. Primeiro que quando a gente tem filho, a vida da gente sempre fica muito ruidosa, sempre tem ruído em volta… eu acho que eu não precisava tanto de silêncio antes de me tornar mãe… tinha época da minha vida que eu brincava com uma amiga que o meu sonho era morar fora, fazer um doutorado sanduíche e ficar seis meses longe da família… mas eu falava que na verdade eu não queria ficar longe deles, eu só queria chegar em casa e largar minha bolsa no sofá e a casa estar inteira vazia e silenciosa… [risos]. Então, o silêncio é ficar em paz, me conectar, para pensar, respirar… e é uma coisa que a gente faz muito pouco. Agora eu tento ter uma manhã que eu fico em casa e que eu não tenho contato com ninguém. Estou tentando muito fazer isso porque isso me faz muito bem, eu preciso muito disso pra me organizar.

E a memória, o que é para ti? [4m26s] 

[pausa]… a memória pra mim é uma coisa… por razões muito particulares minhas, porque a minha  mãe perdeu a memória, eu tenho muito medo… é uma coisa com a qual eu lido o tempo todo… eu me assusto com as minhas memórias, quando as minhas memórias antigas são mais vivas do que as recentes e… a memória, eu diria, é um ponto nevrálgico da minha vida, porque eu sempre lidei muito com informação, tanto quando eu dei aula, quanto nos anos de advogada e tal… é um recurso muito importante e eu tenho muito medo de perdê-la… ao menor sinal de que minha memória está falhando ou que ela está melhor para eventos antigos do que para recentes, ela me apavora… eu sou muito preocupada com isso… eu não sei se tu queria uma resposta mais filosófica… 

Do que você tem saudade? [5m42s]

Ah… eu tenho saudade do meu pai e da minha mãe… [emoção] tenho uma saudade gigantesca deles… ah, eu tenho saudade do cheiro do meu pai, tenho saudade da voz dele, tenho saudade da minha mãe, que era uma força da natureza, daquela energia louca, tenho muita saudade deles… muita… assim, acho que pai e mãe continuam sendo muito importantes na vida adulta, eu tenho saudade de ter um adulto na minha vida… engraçado né, eu tenho 44 anos, eu sou uma mulher adulta, mas assim eu tenho saudade de ter um adulto como referência, sabe… eu até que tenho, eu tento… mas eu tenho muita saudade disso, de ter um ser humano mais velho do que eu… desejável seria que esse ser humano conhecesse a minha história, me conhecesse… mas eu perdi essa referência, eu não tenho nenhum ser humano mais velho que me conhece assim e que eu possa voltar… eu acho que pai e mãe é o lugar pra onde a gente pode voltar mesmo que a gente não… eu não sei, é difícil falar porque eu não tinha uma relação boa com minha mãe… eu não voltaria pra casa dela pra pedir um conselho, por exemplo… talvez eu nunca voltasse pra casa dela pra perguntar “mãe o que tu acha disso?”, entende?… mas eu acho que se eu pudesse voltar pra casa assim, saber que ela estava lá e talvez o fato dela me consolar… às vezes, ela só dizia “ah, não, vai ficar tudo bem, não  te angustia, vai dar certo”… então eu acho que é isso que sinto mais saudade, de ter um lugar pra onde voltar… e eu acho que pai e mãe é pra onde a gente volta na vida… então eu sinto muita saudade deles…

Você falou uma palavra que eu gosto muito que é a palavra “consolo”… você acha que a arte consola? Que ela tem alguma função? [7m50s]

Não sei… eu acho que a arte emociona, a arte toca a gente, conecta a gente com o que é belo… causa aquela coisa de humanidade, mas eu não sei se ela traz consolo…eu acho que não, na verdade, eu acho que só um outro ser humano te traz consolo, entende? Eu acho que o consolo tem a ver com contato físico, com olhar, com respiração, com cheiro… então eu acho que a arte traz outras coisas, ela toca, parece que liga uma conexão, a conexão das emoções… ela te faz feliz, reflexivo, triste, ela produz uma série de emoções em ti, mas acho que ela não me consola, pessoalmente ela não me consola…

E quem é que te consola? [9m6s]

Ai, eu não sei…eu não sei, eu não sei… que pergunta difícil… eu acho que meu marido não me consola… ele é um enorme parceiro de vida, a pessoa em quem eu confio cegamente, é o meu melhor amigo, mas eu acho que ele não me consola, acho que ele me encoraja, enfim… é que eu acho que o consolo tem a ver com se mostrar frágil e com reconhecer o outro frágil… e é muito engraçado isso com meu marido… acho que me ver frágil é uma coisa que incomoda ele, deixa ele inquieto… então ele prefere me dizer “não, tu não é assim, bola pra frente e tal”… mas isso não é dele… ou talvez não seja meu… eu acho que é isso… eu acho que se não é o meu marido, se não é ninguém que me consola, então talvez seja eu que não me deixe ser consolada… talvez isso tenha a ver mais comigo do que com os outros… eu disse que a arte não me consola e tenho dificuldade de pensar em alguém que me console, talvez eu não deixe… talvez seja comigo isso, talvez eu não me permita muito ser consolada… e as pessoas quase nunca me consolam… [risos] …as pessoas sempre me apoiam… a minha filha, por exemplo, ela nunca me consola, ela é que me dá a real “mas mãe, por que tu está se comportando desta forma? Se tu já fez tal coisa, é claro que tu pode fazer isso… então, eu não sei, talvez seja isso, talvez eu não deixe as pessoas numa posição… talvez eu não me coloque numa posição para ser consolada… talvez seja isso, não sei…

E o que te dá medo? [11m17s]

Ah, eu tenho muito medo de que aconteça alguma coisa física, de que os meus filhos sofram algum… sofram fisicamente… não que eu não tenha medo que eles sofram de outra maneira… mas eu tenho um medo muito básico, que eles se machuquem, que eles sejam machucados, que alguém fira eles, que eles percam os movimentos, que eles percam a visão, que eles tenham uma lesão grave… e eu tenho muito medo que eles machuquem alguém… é muito engraçado… eu tenho muito medo que o meu filho machuque alguém… porque como eu acho ele um pouco irresponsável, impulsivo, uma coisa de adolescente, eu tenho medo que ele machuque alguém porque eu acho que isso vai marcar a vida dele… eu tenho medo que ele machuque e que ele tenha que carregar a dor de ter ferido alguém para o resto da vida… eu não queria que isso acontecesse… eu não queria que por uma bobagem qualquer, ele ferisse uma pessoa ou sei lá e ele levasse essa culpa para a vida inteira… eu tenho muito medo pela integridade física deles, eu tenho muito medo que a minha filha seja abusada, violentada… eu temo muito pela integridade física dos dois…

O que é que te salva? [12m56s]

Eu acho que o que me salva são os dois, o Guilherme e a Ana Clara me salvam sempre…  eles me dão uma noção… eles me colocam sempre com os pés no chão, me dão perspectiva para as coisas… o que realmente importa, então… acho que eles e o Márcio, a minha família sempre me salva, os três sempre me dão essa noção de realidade, me colocam os pés no chão… não noção de realidade, não é isso! Eles me dão perspectiva sobre o que é realmente importante… o que importa de verdade são eles, são as relações de afeto, os relacionamentos, as pessoas, enfim… e eles fazem isso sempre comigo… sempre que eles veem que eu estou um pouco desfocada, que eu estou num momento de dor ou de desespero… às vezes eles não precisam nem falar, né, só se colocam na minha frente e eu peraí, peraí… 

Então a amizade, o que é? [14m24s]

A amizade, o amor, os relacionamentos de uma forma geral, eu acho… a amizade é um desses tipos de relacionamento… o que importa são as pessoas e a relação que a gente tem com elas… tanto a relação de afeto que a gente tem com o companheiro ou com os filhos, como a relação de amor que a gente tem com os amigos nos salvam…

E como você lida com o tempo? [14m59s]

Eu acho que eu não lido mal com o tempo… porque eu tenho ficado muito vigilante para a forma como eu lido com ele… eu não lido mal… mas agora, por exemplo, eu estou numa fase e acho que isso é bem uma crise de meia idade… de ver que o tempo já passou… de ver que já passou metade da minha vida… então eu não tenho mais a mesma ansiedade que eu tinha na adolescência… eu me lembro que eu chegava a ficar sem ar porque eu pensava em um milhão de coisas que eu queria fazer e que não ia dar tempo… todos os livros que eu queria ler e que eu não ia conseguir, todas as bandas que eu tinha que conhecer e que eu não ia conhecer… eu acho que essa ansiedade pelo que está para acontecer já passou… porque com 40 anos quase todas as coisas muito importantes que precisavam acontecer na minha vida já aconteceram… eu já tive filhos, eu tive uma profissão, eu tenho um casamento… eu já realizei aquelas coisas que a gente tem expectativa com a vida adulta… e eu também já me liberei daquelas obrigações de saber tudo, ler tudo, conhecer tudo… mas, por outro lado, quando a gente chega na minha idade a gente pensa assim, olha, metade já foi, então só tem mais um pouco aqui… e eu preciso fazer desse tempo… eu preciso dar valor a esse tempo… no sentido de empregar sentido a esse tempo… eu não posso mais… eu não posso mais me dar ao luxo de ficar fazendo uma coisa que eu não goste… eu não posso mais me dar ao luxo de me submeter a certos tipos de relações… então o tempo e a noção clara de que ele tá passando e que não me resta mais todo o tempo do mundo como quando a gente é jovem, me deu uma outra perspectiva… eu não diria seletiva porque isso parece uma coisa meio grosseira, mas eu não tenho tempo a perder com aquilo que eu acho que não vai dar certo… eu quero dar significado ao meu tempo, então eu quero dar significado às minhas relações, eu quero dar significado ao meu trabalho, eu quero dar significado às coisas, eu não tenho mais tempo pra perder com coisas que não vão me acrescentar… claro que é difícil falar isso das relações humanas porque as pessoas sempre te acrescentam, as relações não são descartáveis… então eu fico um pouco… eu acho um pouco difícil falar isso… mas também em relação a isso e em relação a quase tudo eu tento pensar que, olha, meu tempo está passando, eu tenho que dar significado a ele e… mas assim, sem ansiedade… isso que é engraçado… porque agora eu me coloco num empreendimento que eu tenho que dar um tempo pra ele amadurecer e eu sei que ela vai demorar pelo menos uns dois anos até eu saber que ele vai dar certo ou não, vai demorar… e aí eu penso, ah então daqui a dois anos se ele não der certo, eu tenho que partir pra outra… só que eu não me vejo ansiosa com isso, entende? Porque assim, eu vou dar um jeito. Eu já dei um jeito antes, eu sei como funciona… então se não der e eu tiver que voltar para advocacia ou tiver que fazer outra coisa, eu vou fazer outra coisa… eu só não quero mais dedicar o meu tempo para coisas e pessoas e para trabalhos que eu não acredito… porque o tempo que eu tenho eu quero que seja bem empregado…

E como é estar nesse corpo, no teu corpo? [19m07s]  

Ah, é esquisitíssimo eu acho… uma coisa muito engraçada porque isso tem a ver com o processo de envelhecimento… eu já ouvi outras pessoas falando isso e eu acho muito engraçado porque a cabeça da gente é a mesma cabeça de sempre, a cabeça da gente não envelhece e o corpo envelhece… então às vezes eu me enxergo e penso, nossa, eu sou outra pessoa… [risos] eu acho que eu ainda estou numa fase… na verdade eu estou começando agora uma fase da vida em que a gente percebe a deterioração do corpo… o corpo se deteriorando devagar… eu não tenho vontade de segurar isso… eu não tenho vontade de segurar o envelhecimento… eu acho que o envelhecimento vai vir… eu tenho curiosidade de como eu vou ficar… é uma curiosidade… mas é muito engraçado, porque a minha cabeça continua sendo… a cabeça da gente não tem idade, mas o meu corpo tem, então eu estou numa fase em que eu me olho e penso “ué, essa pessoa sou eu?…

O que te dói? [20m29s]

… eu sou muito doída pelo sofrimento humano… ele me dói muito… eu sou muito… me dói que as pessoas sofram, me dói que uma criança seja maltratada, me dói que uma mulher seja morta… a injustiça me dói muito… isso sempre me tocou, desde que eu sou muito novinha… mas esse ano eu tenho tido contato com gente… com muito sofrimento, doença de pessoas que me são muito caras e dói muito ver que pessoas que eu amo estão sofrendo tanto… isso inclusive está afetando muito gravemente a minha fé… eu estou tendo muita dificuldade de rezar… a minha espiritualidade já estava bastante conflitante, mas eu me vejo cada dia ficando mais agnóstica… enfim o meu compadre sofreu muito esse ano, eu também tenho uma prima que é muito querida que está sofrendo, a minha mãe sofre e isso me dói… tanto me dói ver a humanidade sofrendo… como me dói ver essas pessoas próximas sofrendo… eu queria muito encontrar uma explicação para o sofrimento… eu tento racionalizar o sofrimento de alguma forma mas eu nunca consigo… e isso é uma fonte constante de dor pra mim…

E ser mulher o que é? [22m40s] 

Ser mulher é um presente. Ser mulher é uma distinção entre os seres humanos. Eu tenho tentado reforçar muito isso para minha filha… meu filho às vezes fala pra ela assim “as minhas amigas vivem reclamando de cólica”… ele assusta a irmã e eu falo pra ela assim “olha o dia que tu ficar menstruada, tu vai conhecer um poder que tu não sabe que existe, isso quer dizer que a gente pode gerar um filho, isso quer dizer que a gente tem uma força que os outros seres humanos não tem, que a gente é um ser humano especial, os nosso ciclos são importantes, nos conectam com a natureza”…enfim eu tento lembrá-la o tempo todo da força que é ser mulher e de como isso nos distingue dos outros seres humanos positivamente…eu tento dizer isso pra ela o tempo todo e reforçar isso… de como a gente é especial…que todos os seres humanos merecem respeito, enfim… mas, por outro lado, tem um medo gigante de ser… de sofrer violência, de sofrer discriminação, de ter tudo isso por ser mulher… acho que a gente é terrivelmente privilegiada porque a gente vive num meio em que isso quase não… que a gente não sente isso… eu não posso dizer que profissionalmente eu tenha sentido isso de uma forma muito… eu acho que eu não senti isso… eu acho que o que a gente sente é a questão da violência e do assédio, mas a questão do preconceito na nossa… dentro do nosso grupo social e econômico ele está bem disfarçadinho, a gente não sente isso claramente… mas ainda que a gente não sinta isso diretamente na pele, a gente sente empatia, fraternidade com as outras mulheres e a gente sabe que isso é um risco que todas nós estamos sujeitas…

E a Gabriela? [25m26s]      

…quem eu sou?… eu acho que eu só sou… só sou?! Ai, olha que jeito horrível de dizer, né… só sou… mas eu sou um ser humano procurando ser melhor, procurando ser uma pessoa decente, enfim, eu acho que eu sou um ser humano em busca de ser melhor pra mim e pro mundo… 

Extras [26m07s]

[Gabi] …eu acho que minhas respostas estão tão confusas, eu acho isso tão difícil… [risos] eu acho difícil a gente se colocar nessa situação de ser questionada e ter que responder questões que são profundas, na verdade… filosóficas, que mexem com a gente… não só com o que a gente é, mas com a que a gente acredita… é difícil… 

[Bi] …é eu acho que a ideia é… até eu gostaria que tu falasse um pouco disso, de como tu te sente quando… diante desse cenário, dessas perguntas porque a ideia é que divague mesmo, sabe? Porque quando a gente faz perguntas muito claras e muito óbvias ou muito… ou a gente pergunta coisas muito práticas, a gente tende a dar respostas, a falar muito… e a ideia é que a gente fale de outras coisas, que são coisas que a gente não fala sempre, que a gente não fica falando…  

[Gabi] sim… mas eu acho que é justamente por isso… a gente não elabora tanto e aí e na hora de responder fica muito difícil… porque a gente não elaborou antes, não racionalizou essas coisas antes… ou até a gente já pensou sobre elas, mas a gente nunca pensou em como colocar, responder elas de uma forma prática… não é fácil, eu achei difícil…

[Bi] é… mas eu acho que todas as mulheres que eu entrevistei até agora têm esse sentimento… eu acho que o objetivo é esse mesmo… é sair de um lugar de elaboração, de alguma coisa que já está pronta, de alguma coisa que tu já pensou… alguma coisa que sempre pensa, mas ao mesmo tempo tu nunca elabora…

 

[Gabi] eu acho que é meio que assim, desarma a gente… eu me senti desarmada… foi uma coisa… perturbadora… num bom sentido… diferente…l egal…   

[Bi] em francês tem uma palavra pra isso que é bouleversé… e eu adoro porque ela dá esse sentido positivo para a ideia de perturbação, sabe? A pessoa ficou bagunçada, foi tocada, mas ficou meio perdida, confusa, mas é uma coisa boa, no sentido de uma abertura…

[Gabi] acho que a palavra é essa “tocada”… mexeu com uma coisa… mas foi bom, mas perturbadora…

[Bi] outra coisa, eu tenho a sensação assim ó, justamente quando a gente escreve, e tu que escreve, acho que tu sabe disso também, acho que tu talvez sinta isso também, quando a gente escreve é uma outra temporalidade… a tua relação com o papel, com o que tu está escrevendo… e assim, tem isso, é uma elaboração, tu relê, tu reescreve, tu apaga e tal… é um embate teu com aquele papel ali, mas é tu com ele, meio que é tu que dita a temporalidade… e quando tu conversa com uma outra pessoa, a temporalidade não é nem a minha e nem a tua, é uma coisa que acontece entre nós… é um outro… e nesse sentido também o que vem de fala é uma coisa totalmente outra… então é um pouco isso que eu  tenho vontade de… e não sou só eu que quero ver, eu tenho a sensação de que quando a pessoa é entrevistada ela também se vê naquilo ali de alguma maneira e vai se ver depois na hora que o trabalho estiver lá colocado… enquanto tu está falando tu também vai vendo… quantas coisas que tu me falou enquanto tu falava… quantas saídas e voltas… enquanto fala… acho que também é uma chance nesse sentido de… tu ocupar um espaço diferente né…

[Gabi] é um pouco aquilo que a psiquiatra fala “falo, logo existo”… quando a gente expressa a gente se dá conta de quem a gente é… e o quão difícil são essas questões… eu achei perturbador no bom sentido… e mais do que realizar, é se sentir tocada, opa, peraí, como é que é isso… e quando a gente escreve a gente está ali no racional, pensando, refletindo… mas aqui como a gente está meio sem defesas a gente não escolhe o que expõe e o que não expõe… quando a gente vê “uh, já foi”… e agora fica uma curiosidade de ver a coisa pronta… o que eu falei mesmo… será que foi isso mesmo?   

  

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