Para educar crianças feministas: um manifesto é um livro incrível da nigeriana Chimamanda N. Adichie que pode (e deve) ser lido em uma hora (confira aqui um trecho em PDF). Ele é o resultado de uma carta que a autora escreveu para uma amiga recém mãe que havia pedido conselhos sobre como criar uma filha feminista. Um dos trechos do livro que mais gosto é esse:

“O poder das alternativas é incalculável […]. Se [ela] conhece um tio que cozinha bem – e faz isso com a maior naturalidade – , e se chegar alguém dizendo que ‘cozinhar é obrigadação de mulher’, ela poderá sorrir e descartar na hora essa bobagem”.

Eu sou super fã da Chimamanda. Além deste livro, ela também é autora do Sejamos todos feministas, resultado de uma palestra do TED Talks sobre feminismo que você confere aqui. Ela escreve brilhantemente sobre racismo no livro Americanah e conta um pouco da sangrenta história da Nigéria em Meio Sol Amarelo, que também virou filme.

Reproduzo aqui um resumo das sugestões de Chimamanda sobre como criar principalmente meninas feministas, mas creio que essa reflexão nos ajuda a pensar nas crianças como um todo:

  1. Seja uma pessoa completa. Vai ser bom pra sua filha ver que a maternidade não é sua única atividade. Rejeite a ideia de que trabalho e maternidade são imcompatíveis.
  2. Pai e mãe devem criar juntos. O pai pode fazer tudo que a biologia permite, ou seja, a única coisa que ele não pode fazer é amamentar. Não diga que o pai “ajuda”, porque ao dizer isso, você afirma que cuidar dos filhos é uma atividade da mãe. E nenhum dos dois merece um elogio ou gratidão especial, já que ambos decidiram colocar uma criança no mundo e ambos têm responsabilidade por ela.
  3. Ensine que não existem “papeis de gênero”. Nenhuma criança deve fazer ou deixar de fazer algo “porque é menina” ou “porque é menino”. “Saber cozinhar não vem pré-instalado na vagina. Cozinhar se aprende. Cozinhar – e serviço doméstico em geral – é uma habilidade que se adquire na vida e que teoricamente homens e mulheres deveriam ter”.
  4. Cuidado com o “feminismo leve”. Ou você acredita na plena igualdade entre homens e mulheres, ou não acredita. Rejeite ideias como a que os homens são naturalmente superiores mas que devem respeitar as mulheres. O bem-estar das mulheres não pode estar baseado na condescendência masculina.
  5. Ensine a sua filha o gosto pela leitura. E não somente livros de escola, mas autobiografias, romances, histórias. É através da leitura que ela vai entender e questionar o mundo. E o melhor caminho para isso é o exemplo.
  6. Ensine sua filha a questionar a linguagem. Ela carrega nossas crenças, preconceitos, pressupostos. Escolha o que você vai dizer e não vai dizer a ela. Chamar sua filha de princesa, por exemplo, implica fragilidade e que um príncipe virá salvá-la. Já falamos sobre isso aqui.
  7. Não ensine para sua filha que o casamento é uma realização. Como não ensinamos os meninos a aspirarem o matrimônio, por que o fazemos com as meninas? Uma sociedade justa não deveria cobrar das mulheres mudanças por conta do casamento que não são cobradas dos homens, como a mudança de sobrenome.
  8. Ensine sua filha a ser ela mesma e não a agradar os outros. Ensinamos as meninas a serem boazinhas e fingidas, mas não ensinamos o mesmo aos meninos. Muitas meninas ficam quietas quando sofrem abusos e essa é uma consequência catastrófica de querer agradar. Ensine sua filha a ser honesta, bondosa e corajosa.
  9. Dê a sua filha um senso de identidade. Faça com que ela sinta orgulho de ser mulher. Ensine-a a ver as partes bonitas da sua cultura e a rejeitar as que não servem. Ensine-a a ter orgulho da sua história, do seu povo. Ensine-a sobre privilégio e igualdade, sobre cumprimentar e respeitar todos.
  10. Incentive sua filha a praticar esportes. Deixe que ela use roupas da moda. Feminismo e feminilidade não são mutuamente excludentes. Mas se ela não gostar de maquiagem, tudo bem também. Não associe sua aparência à moral. Usar uma saia curta não faz de ninguém uma prostituta. Ela logo entenderá que tipo de beleza se valoriza. E se ela não tiver pele branca e cabelo liso, ensine-a a gostar de como ela é. A única coisa feia é a definição limitada do que é beleza.
  11. Ensine sua filha a rejeitar a biologia para explicar os privilégios dos homens. Costumamos utilizar a biologia evolucionista para explicar a promiscuidade masculina, porém somos seres humanos e não existe norma social que não possa ser mudada.
  12. Converse com sua filha sobre sexo desde cedo. Não finja que o sexo é apenas uma atividade reprodutiva ou que deve ser feito apenas após o casamento porque é mentira. Ensine-a que sexo pode pode ser uma coisa linda, mas que ela não deve nunca fazer algo que não quer ou se sente pressionada a fazer. Ensine-a a dizer não. Não associe sexualidade e vergonha e não transforme a virgindade em um prêmio.
  13. Esteja a par dos romances na vida dela. Seja uma mãe com quem ela possa falar sobre tudo. Ensine-a que amor envolve dar, mas também receber. Costumamos ensinar às meninas que amar envolve se sacrificar, mas não dizemos o mesmo aos meninos.
  14. Ensine sua filha a não converter os oprimidos em santos. Pessoas más e desonestas continuam sendo seres humanos e, portanto, merecem dignidade. Mulheres não são “melhores” do que homens – são tão humanas quanto eles. Uma mulher que se diz não feminista só mostra o alcance real do patriarcado.
  15. Ensine sua filha sobre diferença. Diferença é algo comum, normal. Mostre-a que as pessoas percorrem caminhos diferentes e que desde que eles não prejudiquem outras pessoas, são válidos e devem ser respeitados. Se ela perguntar por que uma pessoa é homossexual, diga-lhe que é assim que algumas pessoas fazem e ponto.

Boa leitura e boa sorte na criação de uma criança feminista!


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4 respostas

  1. Adorei todas as dicas e confesso que fiquei aliviada ao perceber que tenho ensinado a minha menina a ser um humano de verdade. Mas acho que as dicas estão dirigidas às meninas e acho que criar meninos feministas é tão ou mais importante. Que tal fazermos uma lista que atenda aos dois gêneros? A primeira delas: “cuidar” é uma tarefa de todos, precisamos urgentemente ensinar nossos meninos a cuidar de crianças menores, idosos, doentes, cuidado não é uma tarefa das mulheres, respeitar o seu corpo e todas as pessoas, etc… Ah esses dias meu filho xingoy alguém de “vaca”, fiquei furiosa! Disse que ele não estava autorizado a xingar ninguém, mas se que quisesse ,fazê-lo, dependendo da situação e do ambiente jamais poderia ser de algo ligado ao gênero, a gente precisa vigiar a linguagem deles, muito, muito mesmo..

  2. esse texto da Chimamananda é tão importante porque abre um debate ultra necessário né? e também penso que criar meninos feministas é um desafio igual ao de criar meninas feministas… talvez o primeiro seja no sentido de construir, de incutir essas ideias de cuidar, de poder chorar e se expressar… e no caso da meninas, uma espécie de desconstrução desses mitos e preconceitos que tanto oprimem e afastam as mulheres de um espaço de luta comum…. hard work eu penso mas urgente… papo desses que muda o mundo! mto legal nic!

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