Maio de 2020. Sessenta dias de quarentena. Isso ou pouco mais. Pêlos das canelas estão compridos, descabelados (isso já é um julgamento). Axilas cabeludas também. Uma tem bem mais pêlos. Será porque eu costumava tirar com pinça? Já tinha ficado muitas vezes sem depilar, mas não por tanto tempo. Nuca os tinha visto assim ao natural. Eu observo.

Se cortar um pouco será que crescem novamente? Por que fui começar a raspar com 15 anos? Seriam menores e passariam menos apercebidos, caso nunca o tivesse feito? Observo a cara do marido. Observo a cultura impregnada.

Lembro muito bem como foi que decidi raspar. Aula de educação física. Meninas populares comentando. E, olha a ironia, comentavam que eu não deveria raspar, que depois que começa não fica mais daquele jeito. Mas uma menina de 15 anos não quer ser observada por suas diferenças.

Paro para pensar em como quero que minha filha não se afete com coisas assim. E como queria que mais pessoas tivessem me desestimulado.
Lembro de um tempo atrás quando parei de aparar os pêlos da vulva. (Como estou pensativa faço outro parênteses aqui. Virilha sempre recebeu atenção só no verão. Mas por quê diabos não fazem biquinis maiores? Hoje já até tem né?) Era uma experiência. Estranhamente me senti mais mulher, lembrando de fotos de mulheres tão elas mesmo. Queria ter essa.. qual seria a palavra? Autonomia? Liberdade? 

Depois, lendo sobre como o pornô introduziu a depilação total, essa imagem se fez mais clara. Aquelas mulheres não são reais. São atrizes, são produto. (Não me levem a mal aqui, claro que são mulheres, etc, etc, mas este não é meu ponto).

Eu nunca gostei de depilar. (Alguém gosta?). Abandonei a cera há anos, mas continuava – e continuo, explico mais abaixo – refém das lâminas. Muito mais por,  na verdade,  nunca ter parado para pensar nisso. Sempre foi algo corriqueiro, mais uma das mil coisas que as mulheres fazem pela cultura que estão inseridas. Com certeza ainda há muitas outras que ainda não percebi.

Mas o inverno sempre foi meu amigo nesse quesito da depilação. Calças compridas!

O problema é quando tinha festa, ter que lembrar antes de escolher a roupa.. Ou escolher uma roupa que não revelasse as pernas.
Faço uma pesquisa no google. Escrevo “axila”. Preciso rolar a página por algum tempo até encontrar os pelinhos. Passo antes por alguns tipos de depilação, fotos de bancos de imagem e dicas de como clarear as ditas cujas. A primeira imagem é uma axila com pêlos que começam a surgir. A busca evolui e logo aparecem as famosas ‘desleixadas’ e ‘descuidadas’ e enfim textos e imagens com algo sobre a nova ‘moda’ de 25% das meninas millenials e artistas que não estão nem aí e aparecem sim no tapete vermelho causando com sua liberdade. Leio sobre a especulação sobre esse ser um meio de aparecer. Leio sobre haters. Ensaios de fotógrafos e – oba! – indignação com a p**** do assunto. Tantas outras coisas para se falar de uma foto e de uma pessoa! 

Meu coração se aperta indignado e a necessidade de levantar essa bandeira se faz urgente quando leio manchetes como ‘Designer de sobrancelhas, mãe sofre pressão para modelar as da própria filha de 2 anos’ e pior: ‘Mãe cogita depilar a filha de apenas 6 anos’. Nesta, a mãe não gostaria de fazê-lo, mas a menina se recusa a fazer natação e sofre com os comentários dos colegas por ter pêlos nas costas. Olha o que estamos fazendo minha gente!!

Enfim, me sinto culpada. Ainda não me sinto com colhões (tenho que rir com a escolha da expressão) para sair de casa “desse jeito”. Quem sabe mais pra frente.. Um dia sim. Pois é, continuo não querendo ser a diferente na aula de circo, nem em qualquer outro círculo. Mas minha filha me vê assim, e, assim como quando fiz questão de trocar a resistência do chuveiro, fico feliz em representar outro tipo de mulher. Pelo menos um pouco. De cada vez.

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