Você já se imaginou em um mundo em que as mulheres não possam ler, escrever ou tomar grandes decisões, servindo, apenas, para procriar, obedecer seus maridos e exercer tarefas que não demandem grandes esforços cognitivos?
Se o que falei, acima, te faz lembrar situações de um passado não tão remoto ou circunstâncias que você presencia, ainda hoje, você precisa conhecer o romance distópico (mas nem tanto) O Conto da Aia.
Descobri o livro em uma palestra no ano passado, que falava, curiosamente, sobre a raridade de mulheres na Filosofia. Em poucos dias, li o conto, maratonei a série The Handmaid’s Tale e estou a ponto de concluir o segundo livro, Os Testamentos.
Ando tão imersa na obra, quanto indignada com o que mundo poderia se tornar, caso a história do livro se tornasse verdade. E olha que, com as ondas de conservadorismo dos últimos tempos, não acharia difícil de isso acontecer.
Pois bem, para não deixar você mais curiosx, bora revelar por que O Conto da Aia tem dado o que falar!
QUESTÕES POLÊMICAS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
O primeiro livro de Margaret Atwood, sobre o Conto da Aia, foi escrito em 1985 e ganhou popularidade com a série The Handmaid’s Tale, produzida em 2017 pelo serviço de streaming Hulu. Em 2019, Atwood lançou o segundo livro do Conto, deixando fãs, como eu, alucinados.
A história se passa em Gilead, antigo EUA, sob um regime teocrático e totalitário, onde as mulheres são suas principais vítimas. Não podem circular livros, revistas ou jornais. Não existem mais universidades, nem mesmo advogados, pois o direito à defesa foi extinto.
Devido a uma série de crises, desde a baixa natalidade até a má administração dos recursos financeiros do País, o congresso é derrubado e o novo regime ascende ao poder, fazendo uma reviravolta no país (medo!!).
Basicamente, a sociedade de Gilead é composta da seguinte forma:
- Comandantes: homens heteros, donos do poder e livres para ler, trabalhar, tomar decisões, enfim, mandar e desmandar. À medida que “produzem” filhos, crescem na hierarquia. Vestimenta padrão: ternos pretos;
- Esposas dos Comandantes: mulheres heteros que, antes do regime, nunca cometeram adultério ou qualquer outra ação que poderia torná-las as ditas, não-mulheres. Cuidam do funcionamento da casa, do jardim, das crianças, fazem crochê e petit point. Não podem ler e nem escrever. Vestimenta padrão: vestidos azuis;
- Tias: treinam as mulheres de Gilead, tanto as futuras esposas, quanto as Aias. São conhecidas como casca-grossa, já que aplicam diversos tipos de castigo. Vestimenta padrão: vestidos e casacos marrons;
- Olhos: homens que mantêm o funcionamento do regime e estão sempre de olho nas possíveis transgressões ao sistema. Vestimenta padrão: roupas pretas;
- Marthas: trabalham nas casas dos Comandantes, limpando e cozinhando. Vestimenta padrão: vestidos cinzas com capa verde-musgo por cima e avental na cabeça;
- Aias: geram filhos para os Comandantes e Esposas que não conseguiram tê-los. São como barrigas de aluguel. Quando as Aias conseguem, finalmente, engravidar e dar à luz, são transferidas para outra casa para que o ciclo de procriação recomece. São, literalmente, estupradas pelos Comandantes e suas Esposas (que assistem todo o ato) através de uma Cerimônia. Vestimenta padrão: vestidos vermelhos, touca branca e um chapéu por cima para que não consigam olhar para os lados;
- Econoesposas: esposas de homens que não são influentes como os Comandantes. Fazem parte de uma classe social menos favorecida. Nesse caso, elas geralmente conseguem ter seus próprios filhos;
- Colônias: são os locais onde são depositadas as mulheres que não são úteis para o regime. Lésbicas, inférteis, transgressoras, intelectuais. Esse lugar é degradante, todas vivem sob trabalho forçado e em péssimas condições. A morte é certa em um curto espaço de tempo.
Além da estrutura que falei, acima, existe uma série de regras a serem seguidas em Gilead. Como as frases que toda a mulher (mas, principalmente as Aias) deve falar ao encontrar com quem quer que seja: “Bendito seja o fruto”; “Sob o olho Dele”; “Que possa o Senhor abrir”, etc.
Vale destacar que a sociedade de Gilead, por ser teocrática, construiu suas leis, única e exclusivamente, com base em sua crença religiosa.
No caso de uma mulher não engravidar, a culpa pela esterilidade será sempre dela e, nunca, do homem. Caso uma mulher desobedeça alguma das leis, como ler, uma parte do seu corpo (dedo, olho) é arrancada.
E tem, ainda, os enforcamentos no muro. Todos os dias, existem pessoas penduradas por cordas em um local destinado a exibir, como exemplo, pessoas transgressoras do regime.
Bom, não vou falar tudo porque vou acabar dando spoiler hehe. Mas, já deu para ter uma ideia do quanto Gilead é desigual e conservadora, concorda?
Pois bem, se fosse um romance mega distópico, eu e mais uma porção de gente estaria sossegada. Fecharíamos nossos livros, desligaríamos nossas TVs e a vida seguiria. Acontece que, O Conto da Aia tem despertado receios por aí, muito pela onda de extrema direita rondando o mundo.
É claro que a trama, para impressionar, vai fundo na distopia. Mas, vamos lá, tem discurso que se encaixaria como luva no regime teocrático e totalitário de Gilead.
Não é à toa que a série tem recebido várias indicações e prêmios, como no Emmy 2017. Além de as vestimentas das personagens terem sido utilizadas em protestos norte-americanos contra, por exemplo, tentativas de leis antiaborto.
Cada capítulo do livro ou episódio da série daria um texto, mas vou me ater a esse breve resumo. Minha intenção é despertar a curiosidade e deixar que você tire suas próprias conclusões.
Agora vai lá, maratonar ?