Uberlândia, 04 de maio de 2020

Cara liberdade, esta carta é para você!

Desculpa se demorei a te escrever, mas foi preciso uma pandemia lá fora e algumas conexões aqui dentro para isso acontecer. Tenho refletido sobre a gente neste tempo em que estou sem sair de casa, já são quase três meses trancafiada neste apartamento, dá para acreditar? Sei que “trancafiada” é uma palavra forte, mas é o que tenho sentido em alguns momentos. Estávamos nos dando tão bem, antes disto tudo começar. Aliás, havíamos acabado de chegar de uma viagem. Vai dizer que aqueles não foram dias especiais? Conquistamos tantas coisas juntas.

Bom, você me conhece o suficiente para saber que eu gosto de me ocupar. Então, além de cuidar da casa e do Noah, tenho feito yoga e alguns cursos online. Num destes cursos, me perguntaram sobre o que eu sinto falta, ou melhor, de quem estou sentindo mais falta. Vou ser sincera com você, a primeira pessoa que veio à minha mente foi a vovó. Depois pensei que não poderia deixar o vovô de fora, ambos são fontes de abastecimento. Quando estou mal, a companhia deles parece minimizar qualquer problema. No entanto, na sequência, minha mente foi inundada por lembranças da minha rotina.

Recordei das coisas que gostava de fazer, dos lugares que costumava ir e, lá estava você, presente em quase todas as lembranças.

Deu saudade. Te considero uma amiga, sabia? Vou aproveitar que esta é uma carta para dizer algumas coisas que tenho dificuldade de falar olhando nos olhos. Tentando entender a nossa relação, me veio a ideia de que você é como um parente distante. Calma, não me julgue! Não estou minimizando sua importância, é que você não esteve muito presente na minha infância e adolescência. Tivemos uma aproximação tardia, eu diria. Imagino que você concorde comigo. Saiba que não te culpo. Eu confesso, tinha medo de você. Esta palavra de apenas quatro letras, MEDO.

Como é possível ter medo de algo que todos, ou quase todos, almejam? Esta é uma questão que não me sinto pronta para responder, só espero que entenda. Apesar de não ter sido fácil para mim, nossa aproximação foi um sopro de vida. Precisei encarar muitos processos para me permitir estar com você e, veja só, já fizemos tantas coisas juntas, mudamos de país duas vezes. Agora, em tempos de reclusão, o que fica é sua ausência.

Vai passar, eu sei. Logo estaremos observando o pôr do sol juntas, enquanto caminhamos de volta para casa, depois de um treino na academia. Observaremos a paisagem em tons de bege pela janela do ônibus, enquanto viajamos para Araguari para visitar a vovó e nos perguntaremos todas as vezes sobre como as vacas se protegem da chuva, para onde vão os pássaros que voam sós, qual o nome daquele senhor sentado toda vez na beira da estrada, vendendo panos de prato. Faremos picnic no parque, deitadas na grama, ouvindo música. Só nós duas! Não tenho dúvidas, não há ninguém que sinto mais falta do que você.

Te cuida, tá?

Assinado: Thaís

P.S.: Às vezes, tenho a sensação de que você está aqui comigo, enquanto tomo um banho quentinho antes de dormir, quando medito ou quando observo a lua da janela do meu quarto.

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