Quero escrever para sentir. Sei que é necessário sentir para escrever, mas o que eu desejo é o caminho contrário. Lendo antigos diários percebo uma série de fatos, mas onde estão os sentimentos? O que eu senti com tudo aquilo? Não sei dizer, faz muito tempo. Na escola e na universidade, ouvi muitos elogios. Você escreve bem! Uau, você consegue ser objetiva, ir direto ao ponto. Esta clareza, facilidade em organizar as ideias, vem de um excesso de racionalidade que eu forjei para me proteger. Como assim, Thaís? Se proteger de que? É simples, algumas dores do passado atingiram em cheio no peito, a ponto de me fazer acreditar que a existência só seria possível se eu não sentisse. Claro, esta não foi uma decisão consciente.

Não sentir. Explicando assim parece estranho, né? Mas pode acreditar, foi a forma que encontrei para evitar o sofrimento, como se isso fosse possível. Só fui entender o que estou dizendo agora, com muitas sessões de terapia, anos mais tarde. Quando muitas oportunidades já tinham passado, sem que eu tivesse me permitido sentir/viver. Pode estar soando confuso, vou tentar explicar melhor (minha mania de objetividade, alguns vícios a gente não abandona). Há um ano, quando eu estava grávida, resolvi escrever num diário de gravidez. As páginas já vinham com os tópicos, era só preencher. Como você se sentiu hoje? Minha resposta era algo como, “passei a tarde deitada, assisti a um filme, não quis cozinhar e acabei pedindo iFood”. Oi? Sim, pode parecer engraçado.

Não sei dizer quando exatamente aconteceu, mas eu me dei conta de que era preciso rever esta relação com o sentir.

Decidi olhar para mim. Pode ter sido a experiência da maternidade, que é um grande portal, ou outra coisa qualquer, o que posso afirmar é que, de repente, surgiu a necessidade de mudar. O desejo de me (re)conhecer. Esta vontade veio acompanhada de velhos interesses. A escrita é um deles. Não me refiro a esta escrita que tem feito parte da minha vida nos últimos anos. Relatórios, monografias, traduções, dissertação de mestrado, etc. etc. etc. Falo da escrita que vem de dentro, que revela o que temos de mais particular, que me permite ser vulnerável.

Quero aceitar, com verdade, que não há certo ou errado. Talvez a única verdade seja que passei tempo demais presa às receitas que me ensinaram. Segui muitos protocolos, para descobrir que eles podem estar completamente equivocados. E assim, me abro para as incertezas, para as possibilidades, para o desejo de desenhar novos caminhos. Mesmo que eles não me conduzam a lugar nenhum. Quero poder dizer que a autora sou eu.

Eu escolhi vir por aqui. Não busco o mapa da escrita, só quero me abrir para o mistério, ainda que para isso seja necessário me arrastar por labirintos internos escuros sem saber quais monstros posso encontrar.

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