Os dias têm sido estranhos. O silêncio, a ausência, a não necessidade de fazer certas coisas. Tá um vazio. E ele tá gigante. 

É que faz pouco mais de uma semana que Lana Capulana partiu desse mundo. E pra entender o tamanho da ausência é preciso compreender o magnitude da presença. Explico.

Lana chegou na nossa vida em 2015. Tínhamos acabado de mudar de Londres (!) para Macaé (!), interior do Rio de Janeiro. Eu que sempre amei Londres estava bem deprê com nossa nova posição geográfica. Estava terminando minha tese e também no início da gestação do meu filho Augusto. Um momento delicado, em uma cidade nova, meu companheiro assumindo uma nova função e eu me sentindo muito sozinha. Decidimos adotar um cachorrinho.

Fui atrás de algumas ONGs que resgatavam cães na cidade e disse que queria um cachorro pequeno, porque costumávamos viajar de avião e a ideia era levá-lo junto. Eis que um dia a moça da ONG trouxe um cachorro mais ou menos nesse porte para eu conhecer. Era mais ou menos mesmo, porque sentadinha, se você olhar de cima, a Lana até parece pequena. Só que de pé ela era alta!!! (eu tinha colocado um é, no presente, e tive que colocar o verbo no passado…). Tinha umas pernas finas e compridas muito engraçadas. Mas quando eu vi aqueles olhinhos assustados, meu coração explodiu de amor e eu convidei a Lana pra morar conosco.  Na época ela tinha um outro nome que eu nem me lembro mais…

A adaptação dela na nossa vida e vice-versa virou um livro infantil chamado Lana Capulana. Depois de não comer, beber nem fazer xixi e só tremer por 3 dias, a bichinha finalmente foi baixando a guarda e se acostumando com sua nova casa e com o amor que recebia. Virou uma filha pra nós. Não conseguíamos levá-la de avião pra Floripa como desejado, já que pelas pernas compridas ela precisava de uma caixa enorme que só poderia viajar no bagageiro do avião. Ela já era uma cachorra assustada, então entendemos que poderia ser traumático demais para ela. 

Rapidinho criamos uma rotina com ela. Passeios na rua, na praia, no parque, carinhos mil, colinhos e afagos no sofá. Ela sempre curtiu brincar com cachorros pequenos, mas pros grandes ela rosnava. Descobrimos que antes de vir pra nós, ela morava em um terreno abandonado com cachorros grandes. Vai saber o que eles faziam com ela…

Mudamos o nome dela pra Lana por conta dos tecidos coloridos que trouxemos de Moçambique que se chamavam capulanas. Então ficou Lana Capulana! Em outubro daquele ano meu filho Augusto nasceu. Acho que ela não curtiu muito no início, mas foi se acostumando com a presença e as brincadeiras dele. Se tornaram bons amigos. 

De Macaé, mudamos para o Rio de Janeiro e em 2018, pra Floripa. Ela enfim veio na caixa grande no bagageiro do avião. De garota de Ipanema passou à rainha da floresta da Praia Brava. Amava desparecer no mato aqui do lado de casa e voltava na hora que queria. Acho que curtiu o silêncio do bairro e o barulhinho do mar. Aqui fizemos trilhas, muitos passeios no parque, na pracinha, além de infinitos carinhos e cafunés. 

Ela sempre foi uma fofa. Silenciosa, latia quase nunca. Se algum amigo ou familiar ficasse uns dias com ela quando a gente viajava, era difícil devolver rs! Já a chamaram de cachorra buda! E acho que era mesmo! Ela nos ensinou tanto… Demonstrava tanto amor e gratidão por a termos acolhido que era lindo de ver. Dava pra ver que tinha seus traumas. Quando uma porta batia ou quando ouvíamos fogos de artifício ou trovões lá fora, ela tremia por muito tempo… 

Então, em março desse ano, ela começou com uma cistite difícil de curar. Fomos investigando e a conclusão foi que ela tinha a doença do carrapato. Talvez em um de seus passeios, o danado tenha picado ela. Na hora não costuma acontecer nada, mas um ano depois o quadro vira o de uma doença autoimune e o sistema imunológico vai falhando.

Peregrinamos em laboratórios, clínicas e veterinários. Nunca tinham visto um exame de sangue tão ruim… Demos todos os remédios possíveis, fizemos transfusão de sangue, ozônioterapia e tudo o que estivesse ao nosso alcance. Mas fomos compreendendo que a hora dela estava chegando.

Fui para o mundo espiritual buscar respostas. Constelei a doença dela e ali vi o que ela queria me dizer. Lana Capulana trazendo lições pra gente até o último dia… Tomei decisões importantes e fomos nos preparando pra sua partida. Nesse meio tempo, tinha uma viagem pro Peru há muito marcada. Fomos e a deixamos aos cuidados da minha irmã, que foi um anjo pra nós. Ofereceu todo o carinho e conforto que a Lana precisava pra nos esperar. Foi difícil estar longe, mas eu sabia que precisava ir. E ela esperou.

Três dias depois que voltamos, já há algum tempo sem comer, com dificuldades pra andar e se manter de pé, os olhinhos dela já não brilhavam mais. Em casa, ela conseguiu balançar o rabo duas vezes só… Não tinha mais energia de viver. Conversamos muito com ela, agradecemos por todo o amor e aprendizados e dissemos que ela podia partir em paz. E assim foi. Do jeitinho discreto e tranquilo que era típico, ela partiu recebendo nossos carinhos em seu corpo físico.

Eu nunca tinha vivido uma passagem tão de perto, ao alcance das minhas mãos. Foi uma experiência muito importante. Compreender que a vida é literalmente um sopro, que no segundo seguinte pode não mais estar ali, uau, que lição! Então eu, meu companheiro e nosso filho, hoje com 6 anos, a enterramos na floresta ao lado de casa que ela tanto adorava. Jamais vou esquecer da cena que foi meu marido subindo as escadas para a mata com ela nos braços, pela última vez, enroladinha em seu cobertor vermelho… Preparei a melhor cerimônia que meu estado emocional permitiu, ancoramos a passagem dela nos quatro elementos, agradecemos muito, colocamos um livro Lana Capulana junto e cobrimos seu corpo sem vida com terra. É pra lá que todos voltaremos, não tem jeito, né?

Plantamos uma árvore e tenho certeza que Lana vai virar um lindo adubo pra que ela cresça forte e traga muitas belezas para nós.

É claro que eu sabia que ela ia morrer, mas não sei se imaginava como seria quando isso acontecesse. Tem sido bem mais difícil do que eu pensava. O primeiro dia sem ela foi inacreditável. As imagens da morte e do enterro não saíam da minha cabeça e meu peito doía demais. Eu sentia como se tivesse deixado ela sozinha lá fora, de noite, debaixo da terra… Era uma sensação terrível! O segundo dia foi um pouco menos difícil. Mas lavar seus últimos paninhos, guardar seu prato e sua coleira, doar sua ração – tudo isso foi punk. Sair de casa sem fechar as portas dos quartos – ela costumava subir nas camas – ainda é estranho… Estender meu tapete de yoga no sol e não ter ninguém ocupando um terço dele dá um nó na garganta…. Não ter que descer com ela pra fazer xixi nem sair pra passear no final de semana faz a gente ter um tempo livre a mais que nem sabemos como ocupar ainda…

Todas as primeiras vezes sem ela têm sido difíceis. Mas as segundas e terceiras têm sido um pouco menos… Eu sei que a dor vai passar e vai ceder lugar para a saudade e as boas lembranças. Mas eu preciso viver o que o momento pede. E ainda estou muito triste. 

Mas sei que vivemos plenamente os momentos que tivemos com ela, até o fim. Também sei que todo fim traz um novo começo. E que tudo acontece na hora e do jeito que tem que acontecer. 

Quanto ao Augusto, ela tem lidado super bem com a perda até agora. Há semanas vínhamos preparando-o para a partida dela, ele falava sobre isso com naturalidade, onde vamos enterrá-la, como vai ser, etc., etc. E ter visto o corpo dela, ter enterrado, tudo isso marcou bem o momento. Vez ou outra ele fala dela, que ela era a melhor cachorra do mundo, que tem saudade, etc., e vamos nos acolhendo mutuamente. E a vida vai seguindo.

Obrigada, Lana Capulana, por ter sido esse serzinho tão iluminado! Obrigada por todo o amor e todas as lições! Que você possa descansar em paz agora!

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