É uma pergunta discreta, quase inocente, que o homem heterossexual em geral faz à mulher: “Você sabe cozinhar”? Ora, é só uma pergunta, uma forma de puxar papo, de abrir uma discussão sobre risotos e especiarias. É uma desculpa para um flerte, quem sabe ambos são cozinheiros de mão cheia, conhecedores da arte de dominar a temperatura do forno e o tempo de cozimento. Quem sabe ele é um chef disfarçado, estudou pâtisserie no interior da França e quer mostrar que sabe assar um croissant como ninguém.

Eu juro que gostaria que todas as hipóteses fossem verdade, mas na grande maioria das vezes ele quer realmente saber: VOCÊ SABE COZINHAR O SUFICIENTE PARA PREPARAR UMA REFEIÇÃO PARA MIM?

Ah, mulheres, espero que vocês possam sentir o calor que meu corpo emite de raiva enquanto eu elaboro uma resposta que, para este tipo de homem, é tida como amargurada e de quem não sabe amar. Por vezes eu deixei a pessoa falando sozinha, no estilo “meu silêncio é a resposta”. Em outros, quis usar um tom professoral – possível herança da minha atual profissão – e tentei debater que o fato de saber ou não cozinhar poderia ser apenas uma preferência pessoal, se não viesse imbuída, no interior das palavras, da estrutura de sociedade em que vivemos, onde espera-se que a mulher assuma o comando de pilota de fogão, e que tal pergunta, do modo que é posta, traz algo de violento, distanciando-se da pretensa ingenuidade da indagação inicial. 

Não precisamos ir tão longe em nossas memórias para lembrar da piada (de mau gosto) ainda proferida em muitos círculos em que uma mulher quando afirma saber cozinhar imediatamente “já pode casar”.

Fale a verdade, você nunca ouviu isso? Eu já. Eu até mesmo, com intenção de fazer ironia e deboche, respondi “sei cozinhar, já posso casar”, lançando-me sozinha, antes que alguém me empurrasse, nas profundezas do machismo estrutural. 

Mas ultimamente eu ando cansada, muito cansada. Sei que sou jovem e provavelmente ainda responderei muitas perguntas impertinentes. Mas para esta, em específico, criei uma resposta automática (ainda que não verdadeira): eu não sei cozinhar. “Nada?” Nadinha. Nem ovo frito. 

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