Para que você entenda a história, peço para que deixe o máximo que possas fora da roda.
Se possível traga a alma da criança curiosa, daquela que não se preocupa com a lógica.
Sente-se, fique de cócoras, deite-se no chão, fique à vontade.
Já viste um pau de fita? A música é mais ou menos assim:
Cada uma recebe os primeiros raios do sol do jeito que lhe cabe
Algumas pegam a trouxa de roupa e vão à fonte
Outras esquentam a água para o café e preparam o de comer aos seus
Algumas só a água barrenta têm para cozinhar os últimos grãos de feijão
Outras se dirigem para a condução, precisam esquentar a panela dos outros
E há aquelas que não chegarão a tempo de pegar seus filhos acordados, seja do sono da noite ou da morte
E já se preparam para um novo labor, dia aqui outro acolá
Cada uma na sua luta, traz a marca comum do parir,
Sejam dos seus ou das outras
Todas sabem embalar cantigas que na maioria das vezes não chegam a tempo de aninhar
Só que hoje uma delas canta outra música
Esta também é ensaiada todos os dias
E diariamente esperança-se em não executá-la
O canto da morte é o que mais lhes persegue
A peça esta armada, todos no cenário estão a postos
Choupana, velas, lágrimas, corpo, braços entrelaçados
O treino diário não tira o nervosismo da estreia,
Sempre será dolorido velar um filho
Para estas, que já parem nascidos mortos, não é menos difícil
Todas esperançam criar, crescer, amadurar e florir
Mas não desta vez. Novamente.
Escutem, alguém chega para entrar no coral
A voz destoa,
Por mais que a natureza se esforce para nos igualar na maternidade
Aqui nesta choupana seu timbre não compõe o cantar.
Não este cantar
Nos dê licença
Se não podes cantar o cântico do criar e do zelar, não poderás cantar o do despedir.
Três batidas no couro do tambor,
O som nasalizado, monossilábico, embala os corações e as almas
No centro está a que mais sofre
No segundo escalão, as que lhe acodem
E, na terceira faixa, as que vigiam
Estas cuidam da porta da choupana
Ali só entra quem o canto cantar sabe
Eu também aprendi a cantar este canto
E você?
– É essa a história!
– E o pau de fita?
– Depois desta dança, mais uma figura no pau se forma. Cada um continua com a sua fita, seguindo o ritmo na sua solidão.
-Que lindas, elas são coloridas….
– Por isso contei esta história a uma criança, ela vê a cor e não rima com dor.
Lindo texto amiga Lili (Elisangela). Profundo como seu modo de ser. Entrei na choupana, ouvi o cântico, senti a dor, o cuidado e o zelar. Gratidão!
Meu Deus amiga, como verbalizar aqui minha admiração por ti?! Q texto! Sou tua fã em todas as esferas! Parabéns!
Gratidão por esse texto e por me ensinar tanto, há tanto tempo. Amo você, minha mãe de coração e de inspiração.