Muito antes de ser m\u00e3e ou mesmo sem ser, a mulher se depara com a quest\u00e3o das tarefas dom\u00e9sticas ou com a parca divis\u00e3o delas. \u00c9 sabido e documentado que o casamento \u00e9 uma inst\u00e2ncia que beneficia largamente os homens em detrimento das mulheres e, claro, isso est\u00e1 intimamente relacionado com o dilema cotidiano de quem faz o que em casa. Quando um filho entra na jogada, a m\u00e3e soma uma infinidade de obriga\u00e7\u00f5es e responsabilidades em nada compar\u00e1veis ao pai; ou seja, o n\u00edvel de desigualdade entre o casal atinge patamares inexplic\u00e1veis.<\/p>\n

O modelo social patriarcal de que fazemos parte ainda prev\u00ea, em larga escala, pap\u00e9is femininos e masculinos muito bem definidos, leia-se, mulher tudo v\u00ea e tudo faz e homem nada v\u00ea e, portanto, nada faz.<\/p>\n

Ao machismo nosso de cada dia, acrescentamos \u201co ideal da boa m\u00e3e\u201d (conceito trazido pela fil\u00f3sofa francesa \u00c9lisabeth Badinter no livro \u00a0O conflito: a mulher e m\u00e3e<\/a>) que contribui amplamente para essa esp\u00e9cie de aprisionamento da mulher dentro de casa, seja planejando e executando tarefas, seja administrando tudo que envolve a vida dos filhos.<\/p>\n

Nos \u00faltimos 30 anos assistiu-se ao que a fil\u00f3sofa chamou de uma \u201crevolu\u00e7\u00e3o silenciosa\u201d. Essa mudan\u00e7a radical na nossa concep\u00e7\u00e3o de maternidade aconteceu lentamente e passou quase despercebida. Contudo, ela deixou suas marcas, uma vez que pretende nada mais nada menos do que recolocar a maternidade no centro do destino da mulher, \u00e0 revelia da ampla diversidade de estilos de vida que podemos assumir hoje em dia.<\/p>\n

Atualmente temos acesso a uma imensa quantidade de informa\u00e7\u00f5es acerca do desenvolvimento das crian\u00e7as e de como criar filhos. Provavelmente nunca conhecemos tanto essas pequenas criaturas que exigem, de fato, um cuidado especial e cont\u00ednuo. Paralelamente, toda essa enxurrada recai maci\u00e7amente nas costas da m\u00e3e. E quando ela ousa (n\u00e3o estou falando nem de questionar e nem de desistir, ainda) recorrer \u00e0 mamadeira, \u00e0 chupeta, \u00e0 escola ou a qualquer coisa que fa\u00e7a seu beb\u00ea dormir, ela precisa, antes, ultrapassar a pr\u00f3pria barreira da culpa e depois os pesados olhares alheios.<\/p>\n

O que poderia ser mais solit\u00e1rio do que isso?\u00a0<\/p>\n

A batalha da divis\u00e3o de tarefas n\u00e3o s\u00f3 \u00e9 extremamente comum como \u00e9, na maior parte das vezes, invis\u00edvel. Ningu\u00e9m v\u00ea ou entende do que se trata. N\u00e3o importa o quanto voc\u00ea se descabele<\/a>\u00a0– n\u00e3o \u00e0 toa a tirinha da carga mental \u00a0viralizou.<\/p>\n

Se acrescentamos um beb\u00ea, toda vez que voc\u00ea reclama, os sentinelas da \u201cboa m\u00e3e\u201d se apresentam relembrando que isso n\u00e3o \u00e9 digno, que voc\u00ea precisa se esfor\u00e7ar mais. Mas voc\u00ea sabe que n\u00e3o tem mais. Que voc\u00ea deu tudo. E n\u00e3o foi suficiente. Porque n\u00e3o vai ser. N\u00e3o tem como ser.<\/p>\n

A pergunta que n\u00e3o quer calar \u00e9: cad\u00ea o pai? Por que \u00e9 sempre a m\u00e3e? Uma sociedade que insiste cegamente em tamanha distor\u00e7\u00e3o precisa rever a si mesma a fim de permitir aos casais \u2013 com filhos ou n\u00e3o \u2013 mais espa\u00e7o para a constru\u00e7\u00e3o de genu\u00ednas parcerias ao inv\u00e9s de perderem-se em meio a disputas exaustivas que servem, sobretudo, para fomentar ainda mais a solid\u00e3o da mulher, seja ela m\u00e3e ou n\u00e3o.<\/p>\n

*Esse texto foi publicado no Fala Frida em 17 de abril de 2019.<\/p>\n\n\n

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