A pandemia do Coronav\u00edrus tem sido uma jornada dif\u00edcil para todos (exceto talvez para psicopatas, por\u00e9m isso \u00e9 outra hist\u00f3ria). Vejo com clareza que a euforia das primeiras duas semanas de isolamento de mar\u00e7o de 2020, em que fui acometida da ilus\u00e3o de que colocaria todos os afazeres em dia, transformaram-se em labirinto (o que devo fazer? Como posso me organizar?), depois picos de produtividade (reuni\u00e3o com Zoom, Skype, Google Meet, o que for, produz, produz pelo amor de Deus), seguidos de sono profundo (porque eu n\u00e3o acordo, eu preciso acordar, esse despertador tocou 5 vezes e n\u00e3o ouvi!), passeios longos para comprar p\u00e3o e biscoitos (trajetos de carro de 10 minutos transformados em 1 hora), loucura informacional (vamos ver o mapa de v\u00edtimas de hoje, melhor n\u00e3o, mas eu preciso saber, n\u00e3o podemos ignorar o que est\u00e1 acontecendo), e letargia (porque me d\u00f3i escrever um simples e-mail?) at\u00e9 chegar ao momento de agora: n\u00e3o h\u00e1 nada que n\u00e3o me fa\u00e7a chorar.<\/p>\n\n\n\n

Eu choro quase todos os dias. Antes que venham me perguntar se sofro de depress\u00e3o, respondo: como algu\u00e9m consegue ser indiferente a tudo isso?<\/p>\n\n\n\n

Nos meus percursos para comprar alimentos (e p\u00e3o e biscoitos) eu vejo pessoas que pedem por ajuda em quase todos os sem\u00e1foros que paro. S\u00e3o senhores e senhoras \u2013 em grande parte negros \u2013 que vendem balas, pa\u00e7oquinhas, canetas, santinhos, s\u00e3o homens e mulheres, jovens e velhos com placas de papel\u00e3o dizendo que sentem fome ou, como vi outro dia, um rapaz que segurava um cartaz escrito \u201cdesemprego e humilha\u00e7\u00e3o\u201d.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 pedir um Uber Eats<\/em> (ou qualquer outra plataforma de compartilhamento da dita Sharing Economy<\/em>) e ao buscar o pedido no port\u00e3o do edif\u00edcio presenciar a cena do motoboy estendendo umas moedas para um mendigo enrolado no cobertor, que tamb\u00e9m me abordou com olhos grandes e ansiosos e eu s\u00f3 pude me sentir mal por ter apenas dinheiro de pl\u00e1stico em m\u00e3os. O m\u00e1ximo (e que foi o m\u00ednimo) que consegui fazer foi destinar pelo aplicativo a gorjeta mais alta ao motoboy.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 transferir dinheiro para a diarista que costumava vir uma ou duas vezes no m\u00eas e ela te agradecer infinitamente, querendo te ajudar \u00e0 dist\u00e2ncia ao sugerir promo\u00e7\u00f5es de alguns itens que ela sabe que voc\u00ea costuma utilizar \u2013 como uma forma de presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o, mesmo sem vir \u2013 ou escutar da manicure que aquele dinheiro depositado veio exatamente na hora de comprar o medicamento controlado para o filho, que n\u00e3o saberia de onde tirar.<\/p>\n\n\n\n

Talvez o(a) leitor(a) esteja tamb\u00e9m com vontade de chorar, questionando-se como podemos aliviar, mesmo que por um instante, o nosso sofrimento e o sofrimento alheio. <\/p>\n\n\n\n

Volto a repetir, nos \u00faltimos tempos n\u00e3o h\u00e1 nada que n\u00e3o me fa\u00e7a chorar. No entanto eu tenho escolhido direcionar meu pranto para leituras que me ensinem mais sobre racismo, feminismo (e feminismo negro) e tamb\u00e9m sobre o Brasil (col\u00f4nia).<\/p>\n\n\n\n

Temos Angela Davis, Bell Hooks, Carolina de Jesus, Concei\u00e7\u00e3o Evaristo, Martha Batalha, isso s\u00f3 para citar alguns nomes. S\u00e3o escritoras que me fazem chorar, mas atrav\u00e9s delas (e por elas) minhas l\u00e1grimas s\u00e3o tamb\u00e9m liberta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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