Enquanto a ouvia contar suas hist\u00f3rias da inf\u00e2ncia, aqueles pequenos cacos quebrados que ela tentava juntar de um passado pobre e sofrido, me dava conta de que somos capazes de tecer um cobertor extenso mesmo com pouca l\u00e3. <\/p>\n\n\n\n

As mem\u00f3rias tomavam corpo e forma como se se multiplicassem na sua cabe\u00e7a, eram alimentadas por sei l\u00e1 quais recursos simb\u00f3licos que ela tirava da manga, mas que eram v\u00e1rios, incrivelmente vastos para o pouco que a sua fam\u00edlia de origem lhe ofereceu. <\/p>\n\n\n\n

Dessa mesma tecitura, pensei, eu tamb\u00e9m fui feita. Naquela mesma conversa em que ela falou de seu pai, a minha av\u00f3, que nunca falou de si, me contou outras hist\u00f3rias. <\/p>\n\n\n\n

Tinha \u00e2nsia que eu escutasse, como se quisesse que eu carregasse tamb\u00e9m dentro de mim aquelas mem\u00f3rias, como se me dissesse que aquilo tamb\u00e9m me pertencia, como se soubesse que aquelas palavras compartilhadas quase sem querer fossem ecoar e sobreviver mesmo depois dela.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

E assim foi. Ela faleceu e aquela massa de hist\u00f3ria ainda faz parte do meu corpo. Toda a hist\u00f3ria, a dela, a da m\u00e3e dela, a do pai dela, a do meu av\u00f4, a da minha outra av\u00f3, a das minhas tias e tios, a dos meus pais, seus primos, meus primos e a dos meus irm\u00e3os. Uma responsabilidade pesada que quando a gente nasce n\u00e3o sabe que tem por quem vem depois. Todos os rostos, vit\u00f3rias e problemas v\u00e3o entrando pelas veias at\u00e9 mudar a nossa express\u00e3o e as nossas vontades. <\/p>\n\n\n\n

Antes de morrer, terminamos a tarefa, despejamos tudo em quem fica, como uma heran\u00e7a necess\u00e1ria, uma forma de sentir que vamos permanecer vivos nas dores e recorda\u00e7\u00f5es que entregamos a quem nos ouviu. Um fardo, um presente, um pouco do nosso corpo, um tecido recortado e remendado que segue desfiando a nossa hist\u00f3ria depois de n\u00f3s.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Enquanto a ouvia contar suas hist\u00f3rias da inf\u00e2ncia, aqueles pequenos cacos quebrados que ela tentava juntar de um passado pobre e sofrido, me dava conta de que somos capazes de tecer um cobertor extenso mesmo com pouca l\u00e3. As mem\u00f3rias tomavam corpo e forma como se se multiplicassem na sua cabe\u00e7a, eram alimentadas por sei […]<\/p>\n","protected":false},"author":65,"featured_media":6493,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[204],"tags":[189,197],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4781"}],"collection":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/65"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=4781"}],"version-history":[{"count":4,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4781\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":6495,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4781\/revisions\/6495"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/6493"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=4781"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=4781"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=4781"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}