Tradu\u00e7\u00e3o: Betina Ticoulat<\/p>\n\n\n\n

\u201cPresta aten\u00e7\u00e3o, voc\u00ea tem talento e dom de gente. N\u00e3o deixe nada te parar.\u201d<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Uma mensagem que aos 16 anos de idade marcou meu rumo, escrita num peda\u00e7o de papel por uma psic\u00f3loga que visitava o territ\u00f3rio rural onde eu morava. Essas palavras se tornaram minha b\u00fassola e a partir de ent\u00e3o empreendi um caminho de forma\u00e7\u00e3o acad\u00eamica e pessoal, colocando a servi\u00e7o profissional minha capacidade de criar.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 que as refer\u00eancias femininas s\u00e3o completamente necess\u00e1rias no processo de constru\u00e7\u00e3o e consolida\u00e7\u00e3o da autoestima e da autoconfian\u00e7a das garotas e das meninas jovens, facilitam a proje\u00e7\u00e3o positiva do desejo e a inspira\u00e7\u00e3o para concretizar os sonhos.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 importante mencionar que, ainda que os tempos tenham mudado e que a humanidade venha adquirindo maior consci\u00eancia sobre as desigualdades de g\u00eanero, n\u00f3s, as mulheres, que avan\u00e7amos na apropria\u00e7\u00e3o dos espa\u00e7os, direitos e possibilidades, ainda permanecemos expostas a m\u00faltiplas mensagens estereotipadas e \u00e9 mais complexo ainda falar das garotas (j\u00e1 sei que dos garotos tamb\u00e9m, mas meu trabalho est\u00e1 enfocado nas garotas e \u00e9 delas que eu vou falar).<\/p>\n\n\n\n

Basta observar a implanta\u00e7\u00e3o mercantilista do Natal para encontrar uma porcentagem bastante alta de brinquedos de cor de rosa – geralmente pequenas cozinhas, bonecas, penteadeiras e microfones de estrelas pop. <\/p>\n\n\n\n

No Dia das Bruxas o panorama \u00e9 desolador: no que diz respeito a Medell\u00edn, a cidade onde eu moro, as fantasias dispon\u00edveis para as garotas s\u00e3o absurdamente sexualizadas, repletas de lantejoulas e transpar\u00eancias.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Na maioria das escolas a norma continua sendo a mesma: as meninas vestem saia e os meninos cal\u00e7a, ou seja, “meninas de rosa e meninos de azul” como declarou a retr\u00f3grada atual ministra da Mulher, da Fam\u00edlia e dos Direitos Humanos do Brasil. Os campos de futebol e outros espa\u00e7os destinados aos esportes ainda s\u00e3o, em sua maioria, territ\u00f3rio para os garotos, enquanto para as garotas o espa\u00e7o privado e pequeno \u00e9 considerado o “ideal”, “porque elas s\u00e3o mais quietas”, “porque as meninas n\u00e3o s\u00e3o brincalhonas” e ent\u00e3o adquirem for\u00e7a os estere\u00f3tipos e as formas culturais que simb\u00f3lica e estrategicamente oferecem e refor\u00e7am esse lugar \u00edntimo para as garotas.<\/p>\n\n\n\n

A saia, por exemplo, acaba sendo um condicionante para o movimento: a medida do julgamento sobre a dec\u00eancia, e consequentemente da censura diante do “inadequado” uso dessa pe\u00e7a de roupa: levantar a saia, usar saia “muito curta” ou sentar-se “mal”, entre outras, \u00e9 um claro reflexo. <\/strong><\/p>\n\n\n\n

Desta forma se instauraram as din\u00e2micas de g\u00eanero desde o momento em que as institui\u00e7\u00f5es educativas abriram as portas \u00e0 presen\u00e7a feminina. Claro, tivemos avan\u00e7os, mas n\u00e3o nos conformamos, ainda queremos mais, queremos tudo.<\/p>\n\n\n\n

As exatas, as ci\u00eancias, as artes, a literatura e a filosofia foram escritas e protagonizadas pelos homens do patriarcado, deixando muito poucas refer\u00eancias de mulheres nestes campos. N\u00e3o porque n\u00e3o existissem sabedoras e pesquisadoras, mas porque essas disciplinas foram negadas \u00e0s mulheres. Lembremos que a entrada das mulheres nas escolas de educa\u00e7\u00e3o superior \u00e9 uma conquista ainda recente. N\u00e3o tenho registros na minha mem\u00f3ria que na minha \u00e9poca escolar tenham mencionado alguma mulher fil\u00f3sofa ou matem\u00e1tica; na verdade, na \u00e9poca da universidade estudando Psicologia Social, as mulheres autoras, intelectuais acad\u00eamicas brilharam por sua aus\u00eancia\u2026 hehehe ent\u00e3o quando eu crescer, quero ser como Freud!<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 ent\u00e3o como a escola, a academia, a cultura, a televis\u00e3o se configuram a partir de refer\u00eancias masculinas de sucesso e lideran\u00e7a, enquanto as refer\u00eancias femininas ainda s\u00e3o as mulheres que encaixam em estere\u00f3tipos de beleza, mulheres doces e impec\u00e1veis que podem ter sucesso, mas nem tanto\u2026 Afinal, pode ser que as desqualifiquem por serem consideradas ego\u00edstas.<\/p>\n\n\n\n

Os meios de comunica\u00e7\u00e3o e a televis\u00e3o n\u00e3o contribuem o suficiente com a transforma\u00e7\u00e3o dessas situa\u00e7\u00f5es, continuam oferecendo \u00e0s mulheres programas enfocados no cuidado da casa, da beleza e da cozinha, enquanto aos homens lhes d\u00e3o filmes de a\u00e7\u00e3o e futebol. Um componente interessante \u00e9 que cada dia tem mais homens chef nos programas definidos como femininos, mas poucas mulheres de sucesso nos programas masculinos, e precisamente a copa mundial de futebol feminino \u00e9 um exemplo disso, afinal s\u00e3o poucas transmiss\u00f5es, de pouca for\u00e7a, poucas estrat\u00e9gias de minimiza\u00e7\u00e3o e opacamento dos triunfos de algumas jogadoras de futebol. Marta Vieira \u00e9 um exemplo disso pois \u00e9 a pessoa que mais fez gols em uma copa mundial e foi comparada nas manchetes com o Pel\u00e9, como se ele estivesse \u00e0 sua altura. “Lute como um homem”, “tenha for\u00e7a como um homem”, “brinque como um garoto”, “\u00e9 mulher-macho”… S\u00e3o familiares pra voc\u00ea essas express\u00f5es? Porque se vemos, fazemos ou escutamos a mesma coisa todas as vezes, acaba se tornando normal.<\/p>\n\n\n\n

Por outro lado, o tr\u00e2nsito da puberdade habitualmente \u00e9 uma \u00e9poca de muitos inc\u00f4modos, de experimentar estranheza num corpo que est\u00e1 transformado, que muta e est\u00e1 sendo observado, julgado e sinalizado (tem p\u00ealos ou n\u00e3o, cresceu com peit\u00e3o ou carocinho, t\u00e1 engordando, tem bund\u00e3o\u2026 ou \u00e9 uma t\u00e1bua). <\/strong><\/p>\n\n\n\n

Este \u00e9 um tempo em que as garotas se encontram com a nefasta experi\u00eancia do abuso e do ass\u00e9dio nas ruas. \u00c9 importante mencionar que habitualmente elas acham que seu corpo \u00e9 que est\u00e1 errado e que ele \u00e9 o culpado de gerar tais situa\u00e7\u00f5es. Assim, come\u00e7am a instalar-se ideias inadequadas sobre si mesmas, a perder seguran\u00e7a e autoconfian\u00e7a, gerando uma fratura nos auto-esquemas, justo no momento em que est\u00e1 construindo sua identidade. A brilhante Chimamanda Ngozi fala a respeito disso em seu ensaio Todos dever\u00edamos ser feministas: “Ensinamos as meninas a sentir vergonha. ‘Feche as pernas, olha o decote’. N\u00f3s as fazemos sentir vergonha da condi\u00e7\u00e3o feminina, elas j\u00e1 nascem culpadas.”<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso temos a experi\u00eancia da menarca (primeira menstrua\u00e7\u00e3o), que chega com toda a hist\u00f3ria da dor e do adoecimento narrada por s\u00e9culos e s\u00e9culos a fio\u2026 Amea\u00e7ando as meninas e refor\u00e7ando a estrutura heteronormativa da sociedade. \u00c9 importante acompanhar assertivamente o per\u00edodo da puberdade, propiciar espa\u00e7os de confian\u00e7a, contribuir com refer\u00eancias necess\u00e1rias para que as garotas se conven\u00e7am de como s\u00e3o poderosas e de qu\u00e3o expansivas podem vir a ser. Que tenham a certeza de que seu lugar no mundo \u00e9 importante e de que j\u00e1 est\u00e1 ganhado por direito pr\u00f3prio.<\/p>\n\n\n\n

Marcela Junguito, reitora do Gimnasio Femenino de Bogot\u00e1 j\u00e1 disse “…o empoderamento das mulheres tem que come\u00e7ar desde a inf\u00e2ncia, desde sua rela\u00e7\u00e3o com seu entorno, com seus professores, com seu processo de aprendizagem, para que elas possam transpassar o abismo dos sonhos, o que quer dizer que ensinamos aos meninos a sonhar muito alto e \u00e0s meninas nem tanto…”<\/p>\n\n\n\n

Precisamos de refer\u00eancias na ci\u00eancia, nos esportes, na espiritualidade; urge visibilizar as hero\u00ednas ativistas, as que expressam suas emo\u00e7\u00f5es sem filtro, as que dan\u00e7am nas ruas os ritmos da liberdade. Resgatar a autoras mulheres que foram invisibilizadas e caladas, sejam as cientistas ou as pintoras cujos maridos ficavam com os cr\u00e9ditos. Queremos ser nomeadas, reconhecidas, honradas. Por mais Gretas indignadas, por mais Adharas Perez, Marianas Paj\u00f3ns, Nandis Bushells, Ingrids Silvas, Martas Vieiras, Carolas Raquetes, Saras Rengifos, Prudencias Ayalas, Francias M\u00e1rquez, Adas Colaus, Chimamandas Ngozis, Caterines Ibarg\u00fcens, Rebecas Lanes, Manuelas D’\u00e1vilas, Rigobertas Mench\u00fas, Marielles Francos, Sonitas Alizadehs, entre milh\u00f5es de mulheres maravilhosas, exitosas e poderosas em todos os cantos do mundo.<\/p>\n\n\n\n

No projeto Princesas Menstruantes, trabalhamos na linha de empoderfadas para meninas livres e emancipadas, a fim de fornecer refer\u00eancias e promoversoberan\u00eda para meninas. Nosso site \u00e9 www.princesasmenstruantes.com<\/a>. <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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