esse<\/a> v\u00eddeo de Louie Ponto, percebi que talvez o que eu considerasse ser timidez e vergonha era tamb\u00e9m ansiedade, mas esse j\u00e1 \u00e9 outro assunto. Al\u00e9m disso, desde a pr\u00e9-adolesc\u00eancia, quando comecei a andar um pouco mais sozinha pela cidade, a p\u00e9 ou de \u00f4nibus, eu me sentia ultrajada com qualquer tipo de ass\u00e9dio. Era um misto de repulsa e medo daqueles homens que mexiam com um menina na rua, que anos depois – j\u00e1 feminista – fui compreender como uma forma de viol\u00eancia. Acredito que essa combina\u00e7\u00e3o do ass\u00e9dio com a pregui\u00e7a que me acompanhou durante a adolesc\u00eancia marcaram, ao menos em parte, a minha forma de estar no mundo at\u00e9 hoje. Mas, apesar da falta de aptid\u00e3o para os esportes e da pregui\u00e7a juvenil, tinha algo que eu amava: dan\u00e7ar. Aos 7 anos, comecei a fazer jazz. No in\u00edcio, eram duas vezes por semana. Uns tr\u00eas anos mais tarde, fui promovida \u00e0 turma das meninas mais velhas e passei a ir tr\u00eas vezes por semana. <\/p>\n\n\n\nEu gostava tanto, mas tanto, de dan\u00e7ar que houve \u00e9pocas em que eu n\u00e3o andava: eu me deslocava dan\u00e7ando. Eu acompanhava minha m\u00e3e na fila dan\u00e7ando; eu sa\u00eda da mesa do almo\u00e7o e ficava fazendo espacate na cozinha. Eu tinha uma flexibilidade incr\u00edvel! <\/p>\n\n\n\n
Uma vez, minha prima ficou t\u00e3o irritada comigo que me mandou parar de dan\u00e7ar. N\u00e3o lembro se est\u00e1vamos num estacionamento de mercado ou num shopping. Fiquei meio chocada e bastante constrangida com a rea\u00e7\u00e3o dela (minha prima era minha \u00eddola), acho que fiquei um pouco quieta em seguida, mas n\u00e3o me abalei por muito tempo. <\/p>\n\n\n\n
Depois de 5 anos de jazz, aos 12 anos eu parei abruptamente de fazer atividade f\u00edsica. Apesar do amor pela dan\u00e7a, eu me vi limitada onde estava e, sem ver a possibilidade de seguir por outro caminho, desisti. Na cidade onde nasci e fui criada, Joinville, acontece o maior festival de dan\u00e7a da Am\u00e9rica Latina. O lugar onde eu fazia jazz era uma sociedade recreativa de uma grande empresa da cidade, perto de onde eu morava, e, portanto, fic\u00e1vamos no campo do amadorismo. Em julho, quando acontecia o festival, cheg\u00e1vamos a nos apresentar em alguns palcos livres – em shoppings, pra\u00e7as e empresas -, mas nunca competimos, nem chegar\u00edamos a faz\u00ea-lo. <\/p>\n\n\n\n
Desconfio que meu sonho n\u00e3o era necessariamente competir, mas ser uma dan\u00e7arina melhor e mais reconhecida. Eu queria ser boa na dan\u00e7a; n\u00e3o necessariamente a melhor. Tinha algo de supera\u00e7\u00e3o individual\u2026 quando cheguei num limite intranspon\u00edvel para mim naquele momento, desisti. <\/p>\n\n\n\n
A \u00fanica sa\u00edda que eu vislumbrava era mudar para uma escola de dan\u00e7a melhor, mas isso significava uma mensalidade bem mais cara – que naquele momento minha fam\u00edlia n\u00e3o poderia suportar. Nessa \u00e9poca, al\u00e9m da escola privada, eu j\u00e1 fazia um curso de ingl\u00eas em uma boa escola. Eu j\u00e1 era bastante privilegiada, apesar de levar muitos anos para reconhecer isso depois.<\/p>\n\n\n\n
Contudo, passei duas d\u00e9cadas sofrendo com a aus\u00eancia da dan\u00e7a no meu dia-a-dia. Levei todo esse tempo tamb\u00e9m para ir novamente assistir uma apresenta\u00e7\u00e3o do festival. Muitas vezes, cheguei a me sentir uma bailarina frustrada e fiquei imaginando qual rumo eu teria tomado se tivesse escolhido seguir esse caminho, talvez at\u00e9 profissionalmente. Duvido se eu realmente teria potencial para isso, mas de vez em quando esse pensamento povoava meu imagin\u00e1rio.<\/p>\n\n\n\n
Fui fazendo outras escolhas e, hoje, me sinto feliz tamb\u00e9m com o lugar no qual cheguei, como profissional. A filosofia e a educa\u00e7\u00e3o d\u00e3o sentido e alegria ao meu dia-a-dia. Mas eu continuo com o problema de dar muita aten\u00e7\u00e3o para a mente, esquecendo que eu sou corpo tamb\u00e9m.\u00a0<\/p>\n\n\n\n
Passada a fase adolescente de ficar jogada no sof\u00e1, consegui perceber que meu problema n\u00e3o era simples pregui\u00e7a de mexer o corpo. Afinal, eu adoro passar horas fazendo trilha (j\u00e1 viajei para lugares onde a programa\u00e7\u00e3o era basicamente passar os dias fazendo longas caminhadas) e n\u00e3o recuso um convite para dan\u00e7ar. \u00c0s vezes, n\u00e3o preciso nem de convite\u2026 mesmo que eu n\u00e3o tenha uma companhia, por uma boa m\u00fasica eu saio at\u00e9 sozinha e passo horas dan\u00e7ando bem feliz. O problema, obviamente, \u00e9 que numa rotina de intenso trabalho intelectual como tem sido a minha na \u00faltima d\u00e9cada (leia-se: sentada boa parte do dia, lendo e escrevendo, ou em p\u00e9 falando), caminhadas e sa\u00eddas para bailar entravam na categoria “lazer” e, portanto, eram bem espor\u00e1dicas. Meu desafio sempre foi compor uma rotina de sa\u00fade integral<\/em>, para o corpo e a mente. <\/p>\n\n\n\nO outro problema era a minha concep\u00e7\u00e3o sobre o que era atividade f\u00edsica. Algo que s\u00f3 me dei conta agora \u00e9 que dan\u00e7a e atividade f\u00edsica, por mais bizarro que pare\u00e7a, eram coisas de duas ordens diferentes para mim. No meu universo particular, \u00e9 como canta Caetano: <\/p>\n\n\n\n
E aquilo que nesse momento se revelar\u00e1 aos povos<\/em><\/p>\n\n\n\nSurpreender\u00e1 a todos n\u00e3o por ser ex\u00f3tico<\/em><\/p>\n\n\n\nMas pelo fato de poder ter sempre estado oculto<\/em><\/p>\n\n\n\nQuando ter\u00e1 sido o \u00f3bvio<\/em><\/p>\n\n\n\nAtividade f\u00edsica era esporte e dan\u00e7a era arte. Arte que calhava de demandar f\u00f4lego. Haja f\u00f4lego! E eu n\u00e3o era uma artista. Logo, a dan\u00e7a ca\u00eda novamente naquele lugar do lazer, sem integrar minha rotina de forma org\u00e2nica. Fui estruturando minhas cren\u00e7as de forma bin\u00e1ria: corpo\/mente, trabalho\/lazer, dan\u00e7a\/atividade f\u00edsica, esporte\/cultura. Ironicamente, essa vis\u00e3o dicot\u00f4mica e, arriscaria dizer, colonizada da sa\u00fade f\u00edsica (apartada da mental), o que era para ser bom para o meu corpo, era prejudicial para minha mente. E eu privilegiei a mente at\u00e9 meu corpo berrar t\u00e3o alto que eu n\u00e3o pudesse mais ignor\u00e1-lo.\u00a0<\/p>\n\n\n\n
Foi estudando filosofia que aprendi sobre os estragos do pensamento cartesiano. H\u00e1 uma s\u00e9rie de outros dualismos que, associados a uma l\u00f3gica de domina\u00e7\u00e3o, estabelecem uma hierarquia entre o que \u00e9 bom, v\u00e1lido de um lado e ruim, inv\u00e1lido de outro. Ainda \u00e9 cedo para dizer, mas acho que finalmente estou conseguindo superar uma face do dualismo mente\/corpo, quando ele implica tamb\u00e9m separar sa\u00fade mental da f\u00edsica. Descobri, da pior maneira poss\u00edvel – com uma depress\u00e3o braba -, que n\u00e3o tem como a cabe\u00e7a ficar boa quando o corpo est\u00e1 doente. No entanto, aprendi com a filosofia ecofeminista que todas as formas de opress\u00e3o est\u00e3o conectadas – machismo, racismo, especismo e todos os outros “ismos” de domina\u00e7\u00e3o. Assim, precisamos nos libertar conjuntamente de todas elas. Por isso, tenho feito um grande esfor\u00e7o para n\u00e3o introjetar uma culpa individualista. Ainda que as escolhas sejam minhas, e as mudan\u00e7as dependam, em boa medida, s\u00f3 de mim, h\u00e1 um conjunto de circunst\u00e2ncias materiais que me condicionam. Pode ter sido s\u00f3 falta de imagina\u00e7\u00e3o minha n\u00e3o ter tido algumas ideias antes, mas pode ser que isso fosse reflexo tamb\u00e9m de tantas vezes que me orientaram a puxar ferro como algo normalizado nos espa\u00e7os urbanos, onde sempre vivi. H\u00e1 quem goste (e t\u00e1 tudo bem), mas ningu\u00e9m deveria sofrer porque n\u00e3o d\u00e1 conta – seja por n\u00e3o se identificar com esse tipo de atividade, por estar sobrecarregada demais com trabalho remunerado e n\u00e3o remunerado (as tarefas de cuidado) ou mesmo por n\u00e3o poder pagar uma mensalidade de academia.<\/p>\n\n\n\n
Nesse meu processo de auto resgate e de necessidade urgente de cuidado com o corpo e a mente, tenho feito um exerc\u00edcio di\u00e1rio em busca da descoloniza\u00e7\u00e3o da atividade f\u00edsica, com imposi\u00e7\u00e3o de alguns valores. Para mim, tenho sentido que ela faz muito sentido quando associada \u00e0 cultura popular: as dan\u00e7as dos orix\u00e1s, o samba, o forr\u00f3, o maracatu\u2026 Por meio da arte dan\u00e7ante que resiste \u00e0s atrocidades de quem nega a diversidade, me conecto com meu territ\u00f3rio e minha ancestralidade, na integralidade do meu ser: corpo, mente e esp\u00edrito.
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Dia desses, passei algumas horas me conectando comigo mesma, com meu corpo – t\u00e3o negligenciado nos \u00faltimos anos – numa oficina de dan\u00e7as afro. Recentemente, percebi que tratei meu corpo como mero meio (para o trabalho mental), ao inv\u00e9s de dispensar um tratamento digno que o considerasse um fim em si mesmo. No entanto, dessa […]<\/p>\n","protected":false},"author":52,"featured_media":7633,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[205,126],"tags":[82,84,74],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4433"}],"collection":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/52"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=4433"}],"version-history":[{"count":2,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4433\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":7634,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4433\/revisions\/7634"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/7633"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=4433"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=4433"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=4433"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}