Quais s\u00e3o as barreiras que n\u00f3s mulheres ainda enfrentamos para poder falar? Ser\u00e1 que o lugar de fala j\u00e1 \u00e9 algo garantido para n\u00f3s nos dias de hoje ou ainda temos que batalhar para sermos ouvidas? Essas s\u00e3o algumas das perguntas respondidas pela inglesa Mary Beard no livro Mulheres e poder<\/a>.<\/p>\n\n\n\n Mary come\u00e7a contando que provavelmente a primeira documenta\u00e7\u00e3o de uma mulher sendo silenciada por um homem foi h\u00e1 cerca de 3000 anos, na obra Odiss\u00e9ia, de Homero. Quando Pen\u00e9lope, que estava em seu quarto, desce para as \u00e1reas comuns da casa e pede que para que toquem uma m\u00fasica mais alegre (a que estava tocando falava das dificuldades enfrentadas pelos her\u00f3is gregos ao voltar pra casa), seu filho Tel\u00eamaco, diz \u201cm\u00e3e, volte para seu quarto com seu tear, que a palavra \u00e9 assunto dos homens, todos os homens, e o poder nessa casa \u00e9 meu\u201d. Pen\u00e9lope faz o que? Volta para seu quarto, resignada.<\/p>\n\n\n\n Ah, mas era s\u00f3 um poema, voc\u00ea pode estar pensando. Mas a literatura \u00e9 reflexo da vida da sociedade da \u00e9poca e seus valores.<\/p>\n\n\n\n Mary argumenta que desde as primeiras evid\u00eancias escritas da cultura ocidental, as vozes das mulheres n\u00e3o estavam sendo ouvidas nas esferas p\u00fablicas. Al\u00e9m disso, parte integral de crescer e tornar-se homem, na \u00e9poca, tinha a ver com aprender a controlar a express\u00e3o oral e a negar esse direito \u00e0s mulheres.<\/strong><\/p>\n\n\n\n Quantas mulheres precisaram se juntar para processar o comediante Bill Cosby por ass\u00e9dio sexual? 60. Foram necess\u00e1rias sessenta vozes femininas contra uma masculina1<\/sup>. Sessenta mulheres violentadas. Sessenta vidas marcadas para sempre por um abuso. Ao longo de d\u00e9cadas, Bill agrediu sexualmente, drogou e estuprou meninas e mulheres. Uma das v\u00edtimas, Janice Baker-Kinney, ap\u00f3s a condena\u00e7\u00e3o de Cosby, declarou: “N\u00f3s fomos vingadas, fomos acreditadas e agora somos parte do tsunami de poder e da justi\u00e7a das mulheres. N\u00e3o vamos nos calar e n\u00e3o vamos embora\u201d2<\/sup>. O rompimento do sil\u00eancio por parte destas mulheres resultou na campanha #MeeToo, que bombou na internet. <\/p>\n\n\n\n Outro exemplo trazido por Mary no livro \u00e9 o da Medusa, figura feminina monstruosa, terr\u00edvel e poderosa. Em uma das vers\u00f5es do mito, Medusa \u00e9 descrita como uma mulher bonita que havia sido estuprada por Poseidon no templo de Athena. Esta, para punir Medusa pelo sacril\u00e9gio (perceba que a v\u00edtima est\u00e1 sendo – novamente – punida) a transforma em uma criatura monstruosa com a capacidade mortal de transformar qualquer um que olhe para ela em pedra. Perseu \u00e9 incumbido com a tarefa de mat\u00e1-la e ele ent\u00e3o corta sua cabe\u00e7a e a leva de presente para Athena, que a coloca em sua armadura. Esse \u00e9 um caso cl\u00e1ssico em que a domin\u00e2ncia masculina \u00e9 violentamente assegurada contra o poder ileg\u00edtimo de uma mulher. O mais incr\u00edvel, segundo a autora, \u00e9 que a decapita\u00e7\u00e3o de mulheres continua um s\u00edmbolo cultural extremamente forte de oposi\u00e7\u00e3o ao poder feminino, sendo Angela Merkel, Teresa May, Hillary Clinton e Dilma Housseff alguns dos exemplos de mulheres retratadas com \u201ccara de Medusa\u201d. Vale lembrar que a capa da Isto\u00e9 de 2016 tratou das \u201cExplos\u00f5es nervosas da presidente\u201d. \u00c9, uma mulher no poder ainda causa muita estranheza.<\/p>\n\n\n\n Laura Bates, outra inglesa que fundou o Everyday Sexism Project, um site onde mulheres contam suas hist\u00f3rias de ass\u00e9dio e viol\u00eancia di\u00e1rias, evidencia que a m\u00eddia inglesa, ao falar de mulheres na pol\u00edtica continua focando no cabelo, nas roupas e no equil\u00edbrio entre vida dom\u00e9stica e vida profissional. Sobre o que elas pensam e fazem, h\u00e1 poucos relatos. Esse tipo de cobertura s\u00f3 serve para perpetuar a ideia de que a pol\u00edtica n\u00e3o \u00e9 pra n\u00f3s mulheres. <\/p>\n\n\n\n Ent\u00e3o o que fazer? Ora,<\/p>\n\n\n\n \u201cSe as mulheres n\u00e3o s\u00e3o percebidas como parte das estruturas de poder, \u00e9 o poder ou as mulheres que precisamos redefinir?”<\/strong>3<\/strong><\/sup>.<\/strong><\/p>\n\n\n\n Mary sugere que, se n\u00e3o conseguimos encaixar as mulheres no que hoje entendemos como \u201cespa\u00e7os de poder\u201d, n\u00e3o devemos mudar as mulheres – e ela fala aqui do uso de roupas bem masculinas e treinamento vocal para falar \u201cgrosso” – devemos \u00e9 mudar os espa\u00e7os de poder, ou seja, mexer nas estruturas da nossa sociedade machista.<\/p>\n\n\n\n <\/p>\n\n\n\n Refer\u00eancias<\/p>\n\n\n\n 1<\/sup> O GLOBO; AP. Acusado por 60 mulheres, Bill Cosby ironiza movimento contra ass\u00e9dio. O Globo<\/strong>, Sociedade, 11 jan. 2018. Dispon\u00edvel em:<https:\/\/oglobo.globo.com\/sociedade\/acusado-por-60-mulheres-bill-cosby-ironiza-movimento-contra-assedio-22277540<\/a>>. Acesso em: 2 abr. 2019. <\/p>\n\n\n\n