H\u00e1 um m\u00eas atr\u00e1s eu estive em Hebron. Jean Wyllys disse que perguntou a um palestino se poderia ir a essa mesma cidade, sendo gay, e recebeu uma resposta negativa. Seria imposs\u00edvel de t\u00e3o perigoso, segundo seu relato. A minha sexualidade e a das pessoas com quem estava era uma das minhas \u00faltimas preocupa\u00e7\u00f5es durante a viagem \u00e0 Palestina, mesmo no dia de Hebron e sabendo que a pessoa que me levaria at\u00e9 l\u00e1 \u00e9 l\u00e9sbica. Mas isso n\u00e3o quer dizer que a quest\u00e3o da homofobia n\u00e3o estivesse em pauta na minha viagem: o lugar dela era diferente. Ao contr\u00e1rio do que Jean Wyllys relatou sobre o perigo ao qual ele estaria se expondo indo a Hebron, em nenhum momento senti que pudesse haver algum tipo de vulnerabilidade por motivo de orienta\u00e7\u00e3o sexual.<\/p>\n
A cidade mais conservadora da Cisjord\u00e2nia realmente n\u00e3o me parece acolhedora, mas se o intuito da pessoa \u00e9 conhecer a situa\u00e7\u00e3o calamitosa na qual as pessoas est\u00e3o l\u00e1 sobrevivendo, por que isso a impediria de ir? Fui a Hebron avisada de que seria um dos dias mais pesados do tour. De certa maneira eu estava preparada, mas isso n\u00e3o me impediu de me consternar com a insanidade de colonos viverem dentro da cidade, e de sentir o luto pelo jovem palestino morto pouco distante de n\u00f3s. Nenhuma orienta\u00e7\u00e3o sexual foi questionada nesse dia (nem nos outros), mas a religi\u00e3o, sim. Quando est\u00e1vamos caminhando para chegar ao jardim de inf\u00e2ncia, fomos impedidos de continuar por militares israelenses. Enquanto nossa guia palestina s\u00f3 ouvia \u201cn\u00e3o\u201d em resposta ao pedido para que autorizassem nossa passagem, um grupo de judeus passou diante de n\u00f3s, sem problema algum. Quando Sandra questionou por que eles puderam passar e n\u00f3s n\u00e3o, alegando que n\u00e3o era justo nos impedirem, um colono que observava tudo repetia: \u201c\u00c9 justo, sim\u201d<\/em>.<\/p>\n O que ele estava dizendo \u00e9 que o apartheid \u00e9 justo; que n\u00e3o h\u00e1 problema nenhum em separar as pessoas e conceder privil\u00e9gios a algumas pela sua religi\u00e3o.\u00a0<\/span>Em uma rela\u00e7\u00e3o diametralmente oposta, os privil\u00e9gios de uns significam viola\u00e7\u00f5es de direitos de outrxs.<\/strong><\/p>\n Quando vimos telas cobrindo as ruas do suk para evitar que o lixo e as pedras chegassem nxs palestinxs, vimos que os colonos destitu\u00edram algumas pessoas de dignidade.<\/p>\n Antes de viajar \u00e0 Palestina, eu sabia que j\u00e1 tinha feito a primeira escolha: a partir de qual lente eu a conheceria. Os olhos eram os meus. Esse era justamente um dos meus objetivos com a viagem, ou seja, conhecer os lugares e ouvir o que as pessoas tivessem a me dizer sobre o que \u00e9 viver hoje na Palestina. Ler \u00e9 bom, mas eu queria experimentar \u201cthe full Aida experience\u201d<\/em>, como fal\u00e1vamos no tour.<\/p>\n Por mais que eu me considerasse uma pessoa com capacidade para analisar as situa\u00e7\u00f5es \u201c<\/em>por mim mesma\u201d<\/em>, fui consciente tamb\u00e9m de que n\u00e3o existe neutralidade, ou imparcialidade, quando ocorrem viola\u00e7\u00f5es sistem\u00e1ticas de direitos humanos. Eu quis conhecer a situa\u00e7\u00e3o pela lente dos oprimidos. <\/strong><\/p>\n Jean Wyllys, ao contr\u00e1rio, parece ter escolhido conhecer pela lente do opressor. Mesmo que ele tenha ido tamb\u00e9m \u00e0 Cisjord\u00e2nia e tenha se condo\u00eddo com o povo palestino, Jean Wyllys parece n\u00e3o se dar conta de que ele escolheu um lado ao aceitar o convite de uma universidade israelense.<\/p>\n Escolher um lado n\u00e3o significa concordar com todas as condutas perpetradas por ele \u2013 por isso entendo que Jean Wyllys n\u00e3o concorde com a ocupa\u00e7\u00e3o militar extremamente violenta. Mas existem pol\u00edticas israelenses mais sutis que ele n\u00e3o quer ver. S\u00e3o essas pol\u00edticas, como o pinkwashing, que buscam mascarar a ocupa\u00e7\u00e3o israelense na Cisjord\u00e2nia, o colonialismo e o apartheid. Israel usa direitos LGBTQ e direitos animais (vegan-washing<\/em>) para dar a impress\u00e3o ao mundo de que uma democracia onde h\u00e1 tanta liberdade e respeito n\u00e3o h\u00e1 espa\u00e7o para opress\u00e3o. Mas n\u00e3o \u00e9 preciso nem entrar em territ\u00f3rio palestino para ver que essa concep\u00e7\u00e3o de democracia \u00e9 problem\u00e1tica, basta observar um checkpoint. Em uma das vezes que passei de \u00f4nibus pelo checkpoint \u2013 saindo de Bel\u00e9m para entrar em Jerusal\u00e9m -, fiquei alguns minutos na fila do lado de fora do \u00f4nibus, esperando conferirem os documentos dos passageiros (somente palestinxs com autoriza\u00e7\u00e3o israelense podem sair da Cisjord\u00e2nia) e fiquei observando os carros que eram parados. De longe \u00e9 poss\u00edvel perceber se uma mulher \u00e9 colona ou \u00e1rabe, pela forma como ambas cobrem a cabe\u00e7a. Enquanto o governo de Israel diz que os ve\u00edculos s\u00e3o parados aleatoriamente, s\u00f3 vi mulheres \u00e1rabes sendo paradas e tendo os carros revistados.<\/p>\n \u00c9 nesse contexto que o BDS (boicote, desinvestimento e san\u00e7\u00f5es) faz sentido. Como feminista e defensora de direitos humanos e animais, n\u00e3o quero ningu\u00e9m e nenhum governo usando esses direitos para tirar o foco das viola\u00e7\u00f5es que comete. Direitos precisam ser promovidos, mas n\u00e3o \u00e0s custas de outros. Falar sobre homofobia em Israel \u00e9 t\u00e3o importante quanto falar de racismo, limpeza \u00e9tnica e apartheid. Assim como n\u00e3o \u00e9 uma quest\u00e3o religiosa, mas pol\u00edtica, os apelos \u00e0 paz ser\u00e3o meros discursos sem qualquer efeito resolutivo enquanto n\u00e3o se falar em justi\u00e7a por todas as viola\u00e7\u00f5es de direitos humanos cometidas contra palestinxs. Israel deu as costas para o Direito Internacional (basta olhar para a constru\u00e7\u00e3o do muro ou para as col\u00f4nias), mas a comunidade internacional continua vendo o que se passa por l\u00e1. O boicote econ\u00f4mico, cultural e acad\u00eamico \u00e9 uma forma leg\u00edtima de dizer: \u201cEi, Israel, voc\u00ea precisa parar de fazer isso\u201d.<\/em><\/p>\n