O que caracteriza um bom filme? Imagens incr\u00edveis? Ou um roteiro que nos deixa hipnotizados? Ou atores e atrizes lind\u00edssimos (de prefer\u00eancia que se pare\u00e7am conosco)? \u00c9 obvio que gostar de um filme \u00e9 algo bem pessoal, que cada um v\u00ea a partir de diferentes lentes e tudo mais, mas ser\u00e1 que \u201cgosto n\u00e3o se discute\u201d mesmo? Por que gostamos do que gostamos? Acho que essa \u00e9 uma pergunta que vale a pena se fazer.<\/p>\r\n<\/div>\r\n\r\n\r\n\r\n
O que me motivou a escrever sobre esse assunto foram algumas conversas que tive com conhecid@s sobre o filme Roma. Os coment\u00e1rios mais comuns que ouvi foram do tipo \u201cn\u00e3o gostei\u201d, \u201cfilme chato”, \u201chist\u00f3ria mon\u00f3tona\u201d, \u201cn\u00e3o gosto de filme preto e branco\u201d ou algo nessa linha. Mas o que isso tem a ver com o fato delas n\u00e3o terem gostado do filme que ganhou n\u00e3o s\u00f3 o Le\u00e3o de Ouro em 2018 como o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2019? Explico.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n
O filme (alerta de spoiler) conta a hist\u00f3ria de Cleo, uma empregada dom\u00e9stica que trabalha na casa de uma fam\u00edlia de classe m\u00e9dia no bairro Roma, na Cidade do M\u00e9xico, nos anos 1970. S\u00e3o v\u00e1rias cenas bem cotidianos que testemunhamos: as demandas sem fim da patroa e das crian\u00e7as, o coc\u00f4 do cachorro pra limpar, a lou\u00e7a, sempre na pia, os momentos de descanso, as idas ao cinema. O filme \u00e9 cheio de nuances sobre o relacionamento de Cleo com a fam\u00edlia: h\u00e1 momentos de afeto, mas tamb\u00e9m de indiferen\u00e7a.\u00a0<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n
A fam\u00edlia passa por transforma\u00e7\u00f5es e, consequentemente, a vida de Cleo tamb\u00e9m.\u00a0<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n
Quem entende de filme<\/a>\u00a0 (n\u00e3o o meu caso) diz que tr\u00eas cenas espec\u00edficas s\u00e3o um prod\u00edgio de t\u00e9cnica, express\u00e3o e sentimento: a cena de Cl\u00e9o na maternidade, na loja e na praia. Al\u00e9m disso, Roma foi elogiado por ser uma met\u00e1fora da hist\u00f3ria do M\u00e9xico<\/a> e tamb\u00e9m por escancarar as desigualdades sociais e raciais por meio do cotidiano de uma dom\u00e9stica.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n O diretor, Alfonso Cuar\u00f3n (que ganhou Oscar de melhor diretor) , conta que fez o filme em homenagem a Libo, uma mulher de origem ind\u00edgena que cuidou dele e de seus irm\u00e3os, assim como tantas outras empregadas fizeram isso ao redor do mundo. Ele conta que levou muitos anos pra perceber que Libo tamb\u00e9m tinha uma vida pr\u00f3pria, desejos, vontades, dificuldades e que sua exist\u00eancia n\u00e3o se resumia a lavar suas roupas e fazer sua comida. Eu tive a \u201cminha Libo\u201d, e voc\u00ea?\u00a0<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n Apesar de tudo isso, quem se importa com a vida de uma \u00edndia-dom\u00e9stica? Voc\u00ea j\u00e1 parou pra pensar que a pessoa que limpa sua privada pode detestar esse trabalho? Pode te odiar apesar de voc\u00ea achar que \u00e9 super legal com ela? Sim, ela, porque geralmente s\u00e3o mulheres n\u00e3o brancas e de classe baixa que fazem esse servi\u00e7o sujo na nossa sociedade. Cad\u00ea a beleza nesse filme? De dureza, j\u00e1 chega a vida, n\u00e3o \u00e9 mesmo? Eu s\u00f3 vou ao cinema pra ver coisa bonita! \u00c9, estabelecer empatia com a ral\u00e9 da humanidade n\u00e3o \u00e9 mesmo f\u00e1cil.\u00a0<\/strong><\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n Se isso s\u00f3 n\u00e3o bastasse, a vida da protagonista do filme refor\u00e7a – e muito – o que estou tentando trazer. A atriz mexicana Yalitza Aparicio<\/a>, proveniente do povoado de Tlaxiaco, no sul do M\u00e9xico, trabalhava 12 horas por dia para ganhar cerca de 20 reais, e estava tentando se formar professora, at\u00e9 que sua vida virou de cabe\u00e7a para baixo com o filme. Um ator mexicano de telenovelas, Sergio Goyri, sem saber que estava sendo gravado, declarou que era um “absurdo indicarem uma m\u00edsera \u00edndia que diz \u2018sim, senhora\u2019, \u2018n\u00e3o, senhora\u2019, e a colocarem na disputa de melhor atriz do Oscar!\u201d e, sem querer, escancarou o racismo que tanta gente sente e alguns nem conseguem identificar.\u00a0 A atriz rebateu<\/a> dizendo que: “Tenho orgulho de ser uma ind\u00edgena de Oaxaca e me entristece que h\u00e1 pessoas que n\u00e3o sabem o real significado de suas palavras”.\u00a0<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n O que quero dizer \u00e9 que n\u00e3o \u00e9 \u00e0 toa que n\u00e3o \u201cgostamos” de um filme como Roma. N\u00e3o estamos acostumad@s a ver uma \u201cmerda de \u00edndia\u201d, como disse o mesmo ator, no papel principal de um filme. Tamb\u00e9m n\u00e3o estamos familiarizados com as dificuldades cotidianas de uma mulher ind\u00edgena de classe baixa. A quem isso interessa, afinal?<\/strong><\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n O nome disso \u00e9 vi\u00e9s inconsciente, algo que est\u00e1 muito entranhado na nossa forma de ver o mundo e nos impede de \u201cgostar” desse tipo de coisa.\u00a0<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n \u00c9, realmente Roma caiu como uma bomba e Yalitza pode ser considerada um terremoto, como sugeriu o El Pa\u00eds. Obrigada.<\/p>\r\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" O que me motivou a escrever sobre esse assunto foram algumas conversas que tive com conhecid@s sobre o filme Roma. 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