\u00a0<\/div>\r\n

As ondas batiam nos p\u00e9s dele e ele olhava o mar que se estendia a sua frente com um grande senso de mist\u00e9rio. Por mais que navegasse, por mais que se banhasse, por mais deixasse ali oferendas pra Iemanj\u00e1, pra ele as \u00e1guas teriam sempre algo secreto, algo que n\u00e3o lhe estava dado conhecer por completo.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ela o viu de dentro do mar e mesmo de longe, pelo jeito como os p\u00e9s dele tocavam a \u00e1gua e os olhos tocavam o horizonte, ela soube: era um solit\u00e1rio, um desses homens que n\u00e3o ficam confort\u00e1veis com palavras na boca, um desses homens que por fora s\u00e3o calmaria e por dentro tempestade, sil\u00eancio de fundo de mar por fora, peito em prantos por dentro. Quais as dores seu sil\u00eancio guardava?, ela se perguntou.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ele persistia fitando o mar acompanhado da sua mudez, as m\u00e3os, calejadas de tanto tecer e puxar redes, dentro dos bolsos, e ela se perguntou o que ele guardava dentro deles, se\u00a0uma foto de algu\u00e9m, talvez um amor perdido, se as chaves de casa, ou se ele era desses que deixavam a porta aberta, ou se n\u00e3o carregava nada, se era um desapegado; fosse o que fosse, o que ela percebeu foi seu pr\u00f3prio interesse em descobrir. Havia algo ali no olhar dele que denunciava uma profundidade t\u00e3o grande que, pra ela, era imposs\u00edvel n\u00e3o querer mergulhar.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ele teve uma vis\u00e3o. Viu nas \u00e1guas calmas uma cauda que parecia de peixe, mas seria um peixe enorme, e peixe enorme n\u00e3o nada assim na beira da praia, viu escamas furta cor, entre azul turquesa e verde \u00e1gua, cintilando no ar e mergulhando em seguida. Ele piscou sem entender. A cauda j\u00e1 havia sumido e nada se balan\u00e7ava nas \u00e1guas al\u00e9m das ondas. Ele olhou ao redor. Estava sozinho na praia deserta. Investigou o mar. Nada. At\u00e9 que um pouco mais \u00e0 frente de onde havia visto a cauda, uma cabe\u00e7a emergiu.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Era ela. \u00c0 dist\u00e2ncia eles se olharam e aquele olhar foi uma ponte imediatamente constru\u00edda, o pescador foi fisgado. A boca dela n\u00e3o se mexeu, mas ele de repente come\u00e7ou a\u00a0escutar m\u00fasica, um canto doce. Sem dominar seus passos, ele adentrou no mar. Ela tamb\u00e9m foi em sua dire\u00e7\u00e3o. Ele viu seu corpo surgindo aos poucos da \u00e1gua, as got\u00edculas como pequenos diamantes dan\u00e7ando sob a pele, e tudo daquele corpo que aos poucos se mostrava ele achava perfeito, surreal, de onde ela tinha vindo, se ele estava ali na praia h\u00e1 horas e n\u00e3o havia visto ningu\u00e9m? E a cauda que havia visto? Mas o canto em seus ouvidos continuava,\u00a0continuava a ponto de eliminar o maremoto confuso de pensamentos e tentativas de racionaliza\u00e7\u00e3o.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Sem que dissessem nada eles conversaram. Ela lhe disse com os olhos que queria conhecer sua solid\u00e3o, ele balan\u00e7ou a cabe\u00e7a negativamente, respondeu que era um lugar feio, recluso, que n\u00e3o combinava com ela, mas ela insistiu, n\u00e3o era do seu feitio ficar na superf\u00edcie das coisas, ela gostava de ir fundo e naquele momento ele era o mist\u00e9rio que ela queria conhecer. Ele temeu.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ainda sem dizer nada ela o beijou e seus l\u00e1bios eram moles como o interior das conchas, ele, nesse instante, teve a s\u00fabita sensa\u00e7\u00e3o de que n\u00e3o dava mais p\u00e9, que j\u00e1 n\u00e3o tinha ch\u00e3o nem passado a que se agarrar, as suas dores, os medos, os traumas abruptamente sumiram por que eles j\u00e1 n\u00e3o pertenciam \u00e0quele presente onde tudo era onda e deleite.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Eles deitaram na areia, mas ele ainda n\u00e3o sentia o ch\u00e3o, ela, vestida de conchas e corais, tinha algas nos cabelos e seu olhar era de ressaca, desses que arrastam pra dentro, desses que um dia ele leu em livros mas que at\u00e9 agora n\u00e3o havia conhecido.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Eles eram mist\u00e9rio um pro outro e cada beijo era uma tentativa de descobrir novos sabores, as l\u00ednguas se dedicando \u00e0 tarefa de investigar, lambiam o sal das peles e descobriam nesse tempero algo inesperado, a correnteza de uma atra\u00e7\u00e3o que n\u00e3o precisava de palavras – eram dois estranhos se amando e se comendo, e havia mais sinceridade nos seus sil\u00eancios do que em mil hist\u00f3rias maquiadas.<\/strong><\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ele era um homem a quem o sofrimento quase tinha seduzido por completo, um homem que se deixou abater; ela era um ser a quem a felicidade aben\u00e7oava, um ser que via gra\u00e7a e beleza transbordando em tudo ao redor, e nele via a beleza que ele tinha esquecido. No reflexo dos olhos dela ele se via e se via bonito, se via grande, se via puro.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Eles se abra\u00e7aram como n\u00e1ufragos, como se tivessem nadado milhas e milhas at\u00e9 aportarem um no outro, e assim mesmo havia sido, tomados por uma enorme gratid\u00e3o por terem se encontrado. Borbulhava por dentro dela uma vontade imensa de ser tomada, dentro dele crescia o desejo de tom\u00e1-la, de nela afundar: estavam submersos no grande mist\u00e9rio da carne, se agarravam com desespero, com sede, com fome um do outro, o pau dele explodindo no linho da cal\u00e7a, a buceta dela encharcada de expectativa, e quando ele tirou o pau pra fora da cal\u00e7a ela teve vontade de chorar, se emocionava facilmente e aquele era um pau lindo, grosso, reto, moreno e rosa, duro e apontando em sua dire\u00e7\u00e3o, ela se adiantou e o enfiou dentro dela.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

E ele sentiu que ali, ali era ainda mais macio que o interior das conchas, era mais macio que o para\u00edso, ela subiu por cima dele e ele lhe abriu os grandes l\u00e1bios com delicadeza, procurando a p\u00e9rola, achou, lambeu os dedos salgados e a acariciou at\u00e9 que ela gozasse encharcando sua barriga, ela tremia e ele sentia todo o seu corpo vibrar, o gozo dela era maremoto e ele foi arrastado, gozando no seu ventre arredondado o que parecia litros de um esperma que cintilava de t\u00e3o denso.<\/strong><\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ela limpou com a m\u00e3o a barriga gozada e lambeu tudo o que pode, querendo devorar tudo dele e foi isso que fez, nada impedia que fizesse o que queria e quando queria, e sem deixar ele amolecer ela o colocou na boca e recome\u00e7aram.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

O sol queimava, mas n\u00e3o queimava mais que aquele desejo louco um do outro, ela enchia a boca com ele, ele preenchia os buracos dela, continuaram at\u00e9 que a noite descesse, continuaram at\u00e9 que ela o tivesse sugado por inteiro, at\u00e9 que ele j\u00e1 n\u00e3o tivesse gala pra gozar,\u00a0at\u00e9 a maciez da buceta dela se cansasse e ardesse \u00e1spera, at\u00e9 ca\u00edrem exaustos. Ele sentia a cabe\u00e7a dela no seu peito, ela sentia sua respira\u00e7\u00e3o funda e isso trazia paz pra ambos, ela se sentia protegida, ele se sentia apaziguado, cuidando n\u00e3o mais apenas de si e da sua dor, mas do amor daquela mulher, e nessa calmaria ca\u00edram na escurid\u00e3o da noite e do sono.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ele acordou com os primeiros raios de sol \u2013 estava sozinho. Olhou ao redor confuso, procurando-a, mas n\u00e3o viu nada al\u00e9m da areia e do sarga\u00e7o, das conchas que ela deixou de rastro. Ela havia partido. Ela havia sequer existido? Ele se perguntou.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ent\u00e3o, ele fez o que poucos fazem diante da d\u00favida, mas que tem se mostrado um recurso esperto: n\u00e3o pensou. Ele se sentiu. E pela primeira vez em muito tempo se sentiu calmo, oceano pac\u00edfico, como se sua tristeza (praticamente cr\u00f4nica) houvesse sido sugada, arrastada pra fora dele. Ele j\u00e1 n\u00e3o conseguia se identificar com suas antigas dores, que por tanto tempo ele pensou que fosse o que constitu\u00eda ele pr\u00f3prio, n\u00e3o, algo nele havia morrido, ele estava vazio, vazio.<\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Foi a\u00ed que ele descobriu o que os homens que n\u00e3o conheceram sereias n\u00e3o entendem: elas devoram, sim, elas enfeiti\u00e7am e matam, mas matam a parte dos homens que eles n\u00e3o precisam mais, e os devolvem \u00e0 areia faltando um peda\u00e7o, mas um peda\u00e7o desnecess\u00e1rio. <\/strong><\/p>\r\n\r\n\r\n\r\n

Ele compreendeu que ela, fosse o que fosse, era um ser m\u00edtico, um milagre, um mist\u00e9rio, e n\u00e3o fez esfor\u00e7o pra entender o que havia acontecido, n\u00e3o se maltratou com d\u00favidas sobre a realidade das coisas, aceitou o presente do encontro e seguiu \u2013 sem mais pescar dores que n\u00e3o lhe pertenciam.<\/p>\r\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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