*Tradu\u00e7\u00e3o de Betina Ticoulat.<\/p>\n

No transcorrer natural da vida h\u00e1 muitas coisas que se transformam, pr\u00e9-concep\u00e7\u00f5es que desaparecem, que deixam de vigorar. J\u00e1 faz muito tempo que quest\u00f5es como o div\u00f3rcio, a ado\u00e7\u00e3o e a gesta\u00e7\u00e3o (que antes era entendida como um presente da cegonha) deixaram de ser tabu e come\u00e7aram a ocupar lugares-comuns. Simultaneamente, outras quest\u00f5es que eram consideradas tabu, como o amor entre pessoas do mesmo sexo, come\u00e7aram a sair do arm\u00e1rio.<\/p>\n

No entanto, a menstrua\u00e7\u00e3o, um tema igualmente natural, j\u00e1 que metade da popula\u00e7\u00e3o a vivencia todos os meses, continua estando presa no ba\u00fa dos tabus: encerrada e privada de luz. <\/strong><\/p>\n

Mas\u2026 Se tantas coisas se transformam, por que o olhar, o estigma e a vergonha em rela\u00e7\u00e3o ao sangramento menstrual se mant\u00eam iguais atrav\u00e9s dos tempos?<\/p>\n

\u00c9 importante lembrar que desde a antiguidade se qualificou \u00e0 menstrua\u00e7\u00e3o como uma quest\u00e3o contaminante, impura e suja. Relegou-se a ela um lugar de esoterismo e misticismo. Susana Castellanos de Zubiria descreve este processo em\u00a0 <\/span>seu texto Deusas, bruxas e vampiras: “A ideia de que toda mulher seja ‘impura’ durante um per\u00edodo de todo m\u00eas devido a um processo que n\u00e3o pode ser controlado suscitou rumores supersticiosos e cren\u00e7as inquietantes (…) Em textos cient\u00edficos que conformam o corpo hipocr\u00e1tico da Gr\u00e9cia do s\u00e9culo IV a.C. fazem refer\u00eancia \u00e0 menstrua\u00e7\u00e3o como uma circunst\u00e2ncia perigosa, contaminante e misteriosa.” (Castellanos, 2009, p.38)<\/p>\n

Sem d\u00favidas, estas concep\u00e7\u00f5es correspondem apenas a uma jogada a mais do patriarcado, para o qual terminamos sendo muito \u00fateis enquanto mulheres, quando nos desconectamos da for\u00e7a intr\u00ednseca que jaz da natureza animal e selvagem que nos habita. Sendo esta outra forma de nos afastarmos da capacidade de aceitar e acreditar em n\u00f3s mesmas e de habitar plenamente nossos corpos.<\/p>\n

Como consequ\u00eancia disto, pouco a pouco vamos crescendo e aprendendo que o corpo feminino implica adoecimento e sofrimento. \u00c9 como se houvesse algo ruim nele, algo meio descomposto, alguma car\u00eancia de harmonia. Cren\u00e7as, na maioria das vezes inconscientes, alimentadas generosamente por uma doutrina judaico-crist\u00e3, que pouco a pouco fraturam a vida das mulheres dando origem a uma batalha delas contra si mesmas.<\/strong><\/p>\n

\u00c9 por isto que um dia, depois de acompanhar durante v\u00e1rios anos processos psicoterap\u00eauticos com mulheres baseados no reconhecimento da ciclicidade feminina e da harmoniza\u00e7\u00e3o, da resignifica\u00e7\u00e3o e da cura das viv\u00eancias menstruais, decidi dar in\u00edcio ao projeto liter\u00e1rio e pedag\u00f3gico Princesas Menstruantes. \u00c9 um fato que, tendo escutado tantas hist\u00f3rias de menarcas (primeira menstrua\u00e7\u00e3o), eu j\u00e1 tinha material suficiente para escrever uma hist\u00f3ria de terror. Durante este processo tornou-se evidente que a forma como se vive a menarca estabelece determinados padr\u00f5es na rela\u00e7\u00e3o das mulheres com o pr\u00f3prio corpo e com as viv\u00eancias menstruais futuras.<\/p>\n

As meninas parecem muito c\u00f4modas com seus corpos at\u00e9 o momento da primeira menstrua\u00e7\u00e3o. A chegada desta traz consigo adoecimentos, proibi\u00e7\u00f5es, mal-estares e situa\u00e7\u00f5es embara\u00e7osas que s\u00e3o produto de uma hist\u00f3ria de tabu, mitos e desconhecimento.<\/strong><\/p>\n

Por estas raz\u00f5es nos propusemos a dar voz e lugar \u00e0 menstrua\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s do conto, dos relatos e das ferramentas did\u00e1ticas que criamos a partir deste projeto. “O vestido da Branca de Neve ficou tingido de vermelho!” foi o primeiro conto infantil latinoamericano que se atreveu a tocar no assunto. Nele, recriamos a primeira menstrua\u00e7\u00e3o da princesa Branca de Neve em um relato onde se combinam a fantasia, a poesia, a for\u00e7a feminina e a realidade: “O grande bosque encantado se deleitava todos os dias com a presen\u00e7a de uma linda menina que l\u00e1 passava suas tardes saltitando atr\u00e1s de borboletas coloridas (…) At\u00e9 que um certo dia Branca de Neve come\u00e7ou a frequentar menos o bosque. (…) O bosque ficou muito triste\u2026 J\u00e1 n\u00e3o suspirava, j\u00e1 n\u00e3o sorria! (…) Ao perceber isto, Artemisa, a deusa dos bosques e da fertilidade, muito inquieta, manda um pombo-correio chamar Branca de Neve, e lhe diz: ‘A voc\u00ea, linda menina que coloriu o bosque com sua risada, entrego o mais belo jardim, as borboletas e as flores em seu ventre.’ (…) Surpresa, a menina sentiu que entre suas pernas flu\u00eda um mel vermelho que ado\u00e7ava e nutria toda a terra\u2026”<\/p>\n

\u00c9 hora de falar de menstrua\u00e7\u00e3o. De tirar este tema do ba\u00fa, de liber\u00e1-lo do tabu, de oferecer \u00e0s meninas uma viv\u00eancia acompanhada, amorosa, assertiva e informada. Minha sobrinha merece isso, as filhas das minhas amigas tamb\u00e9m, e todas as meninas do mundo merecem ter outras viv\u00eancias e assim come\u00e7ar a escrever outras hist\u00f3rias. Hist\u00f3rias mais alegres e tranquilas que celebrem o corpo e a vida.<\/p>\n

\u00a0<\/span>#menarcasfelizes<\/p>\n

**Se quiser saber mais sobre nosso projeto e nossos materiais liter\u00e1rios e pedag\u00f3gicos, voc\u00ea pode entrar em contato conosco atrav\u00e9s do e-mail princesasmenstruantes@gmail.com, acessar nosso site www.princesasmenstruantes.com ou acompanhar nossa p\u00e1gina do Facebook: Princesas Menstruantes – Proyecto literario y pedag\u00f3gico.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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