N\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil, n\u00e3o \u00e9 \u201csimplinho\u201d o que escreverei aqui e sei que muitas de n\u00f3s, mulheres, recorrentemente vivenciamos em nosso cotidiano tais situa\u00e7\u00f5es. Vamos l\u00e1!<\/p>\n

O caso<\/strong><\/p>\n

Sou professora, estou em sala com outro professor e explico conte\u00fado \u2018x\u2019 aos alunos. O professor me contraria na frente deles, sigo falando. O professor sai da sala e come\u00e7a a bufar no corredor, todos percebem o desconforto. Sou novata, estou insegura, nunca lecionei o conte\u00fado e o professor em quest\u00e3o tem d\u00e9cadas de casa.<\/p>\n

Me calo, deixo que ele retome a aula e siga explicando do jeito dele, me sinto constrangida, \u201cser\u00e1 que fiz algo errado\u201d? Durante o semestre me silencio cada vez mais, minhas ideias \u2013 quando as consigo falar \u2013 s\u00e3o exclu\u00eddas ou ent\u00e3o repetidas como se fossem dele.<\/strong><\/p>\n

Durante o processo, acho que a culpa \u00e9 minha, que sou uma fraude, mesmo tendo uma forma\u00e7\u00e3o mais elevada. \u201cMas como posso competir com o discurso de um homem do mercado?” Alunas mulheres (que este professor se referia como \u201cgrupo das sapatas\u201d) come\u00e7am a trocar mensagens no whatsapp com outros colegas e dizem que o professor est\u00e1 fazendo mansplaining*<\/i> comigo. Todos t\u00eam medo do professor, inclusive eu. Professor me chama para um caf\u00e9 e me conta das conversas, faz uma mea culpa<\/i> pois, creio eu, tem receio que a circunst\u00e2ncia possa ser levada para a coordena\u00e7\u00e3o ou ouvidoria da institui\u00e7\u00e3o. Diz que se sente sobrecarregado, que precisa da minha participa\u00e7\u00e3o em sala de aula. \u201cMas como, se ele n\u00e3o deixa?” Pe\u00e7o reuni\u00e3o particular com a coordenadora. \u201cN\u00e3o quero mais trabalhar com esse homem\u201d! Ou\u00e7o a resposta que \u00e9 uma situa\u00e7\u00e3o complicada. Nada acontece, nada muda.\u00a0<\/span><\/p>\n

\u00a0<\/span>Reflex\u00f5es um ano depois\u00a0<\/span><\/i><\/strong><\/p>\n

Por raz\u00f5es que fogem do meu controle, n\u00e3o precisei mais lecionar ao lado do professor mansplaining<\/i>. Ele est\u00e1 deletado das minhas redes sociais e, thank God,<\/i> nunca mais tive not\u00edcias de sua pessoa. Mas as marcas ficam, est\u00e3o l\u00e1, na ansiedade e mal estar que sinto ao lembrar o inferno que era trabalhar ao lado dele. Penso que deveria ter agido diferente, mostrado mais seguran\u00e7a, dom\u00ednio, atitude. O tempo todo nos passam a mensagem que somos seres aut\u00f4nomos e livres e que a possibilidade de mudan\u00e7a est\u00e1 dentro de n\u00f3s, mas n\u00e3o \u00e9 bem assim.\u00a0 <\/span><\/p>\n

Tenho buscado compreender aquilo que pesquisadores chamam de structural sexism <\/i>(machismo estrutural), que possui em sua defini\u00e7\u00e3o os modos como a organiza\u00e7\u00e3o de uma sociedade, e mais especificamente suas institui\u00e7\u00f5es, subordinam indiv\u00edduos e grupos baseados em sua classifica\u00e7\u00e3o de g\u00eanero. Atrav\u00e9s dessa abordagem \u00e9 poss\u00edvel compreender que as diferen\u00e7as entre homens e mulheres come\u00e7am desde o acesso \u00e0s escolas, tempo de estudos, entrada no mercado de trabalho, sal\u00e1rios, expectativas de profiss\u00f5es e pap\u00e9is, etc. Lendo sobre o assunto, aprendi que a naturaliza\u00e7\u00e3o de comportamentos machistas e de outras pr\u00e1ticas discriminat\u00f3rias podem ser compreendidas em princ\u00edpios antigos da filosofia.<\/p>\n

Em entrevista, M\u00e1rcia Tiburi esclarece que essas pr\u00e1ticas \u201corientam o pensamento em geral, nosso modo de ver o mundo, a moral, a sensibilidade, a a\u00e7\u00e3o. \u00c9 o princ\u00edpio pelo qual eu detenho a verdade e o outro n\u00e3o. Por esse princ\u00edpio, n\u00e3o \u00e9 preciso abrir espa\u00e7o para o outro. Na filosofia, chamamos de princ\u00edpio de identidade. Ele aniquila o outro, ou constr\u00f3i o outro para aniquil\u00e1-lo\u201d.<\/p>\n

Ou seja, se retorno para o epis\u00f3dio que relatei acima, percebo que a resposta n\u00e3o est\u00e1 em \u201cpreciso mostrar dom\u00ednio\u201d, mas \u201cpreciso compreender que existe um machismo estrutural que naturaliza certas pr\u00e1ticas, inclusive faz eu pensar que a resposta \u00e9 que deveria mostrar dom\u00ednio, por\u00e9m um caminho mais verdadeiro seria que ambos, homens e mulheres, refletissem juntos porque a voz de um tem mais peso que a voz do outro\u201d. <\/strong><\/p>\n

S\u00f3 o fato de realizar o exerc\u00edcio de relatar o ocorrido, refletindo, j\u00e1 me ajudou bastante. Que esse exerc\u00edcio se espalhe, para que todas sintam que n\u00e3o s\u00e3o culpadas de nada.\u00a0<\/span><\/p>\n

*Quando um homem dedica seu tempo para explicar algo \u00f3bvio a uma mulher, de forma did\u00e1tica, como se ela n\u00e3o fosse capaz de entender. O termo \u00e9 uma jun\u00e7\u00e3o de \u201cman\u201d (homem) e \u201cexplaining\u201d (explicar). Em atos de\u00a0mansplaining, um homem acha que sabe mais sobre um t\u00f3pico do que uma mulher.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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