Querida Frida,\u00a0<\/span><\/p>\n

Perdoe-me a intimidade, mas de tanto me ver em suas imagens acabo me atrevendo a pensar que temos algum tipo de conex\u00e3o. Espero que n\u00e3o se importe.\u00a0<\/span><\/p>\n

Tanta coisa aconteceu desde sua partida. O mundo revirou-se tantas vezes, unindo-se e dividindo em na\u00e7\u00f5es e poderes sem o menor sentido. O ser humano ainda permanece como uma pequena parte de um grande jogo de tabuleiro.\u00a0<\/span><\/p>\n

N\u00f3s, mulheres, ainda estamos na luta. Ali\u00e1s, quando n\u00e3o estivemos? Hoje temos um meio capaz de nos unir, tornando as dist\u00e2ncias mero detalhe. Chamamos de internet. \u00c9 uma rede virtual onde constru\u00edmos nossas identidades nas chamadas \u201cm\u00eddias sociais\u201d e ali compartilhamos nossas ideias.\u00a0<\/span><\/p>\n

O feminismo, lembra-se dele? Hoje consegue alcan\u00e7ar diversas mulheres fortalecidas pelos seus princ\u00edpios de igualdade e empoderamento. Muitas artistas se tornaram s\u00edmbolo do movimento, mas voc\u00ea \u00e9 o que chamamos de \u201cdeusa feminista\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n

Seu rosto se tornou um \u00edcone, uma esp\u00e9cie de senha para nos reconhecermos. Suas obras, hist\u00f3ria, tudo o que fez virou uma refer\u00eancia do que pretendemos alcan\u00e7ar. De alguma maneira ou de outra.<\/p>\n

Entretanto, minha querida, infelizmente apagaram um detalhe de sua vida e por esse motivo lhe escrevo esta carta. Sei que seu corpo e suas limita\u00e7\u00f5es foram fonte de inspira\u00e7\u00e3o e, muitas vezes, de sua dor enquanto mulher. Mas para muitas, esse \u00e9 o principal ponto de se reconhecer no movimento.<\/p>\n

Sua defici\u00eancia, bem como a nossa, foi apagada. Toda a hist\u00f3ria do seu corpo e de sua vida \u00e9 ignorada nas imagens que a representam em camisetas, x\u00edcaras e todo tipo de produto. Suas cicatrizes, fonte de sua for\u00e7a, foram suavizadas. Esquecidas.\u00a0<\/span><\/strong><\/p>\n

N\u00e3o sei como voc\u00ea se sentiria vendo isso. Eu, particularmente, considero absurdo. Evitar a lembran\u00e7a de sua defici\u00eancia torna sua obra completamente sem sentido. Sua pintura com a coluna fragmentada esvazia-se da profundidade real quando vejo sua imagem com o corpo todo padronizado e pasteurizado. Aceitaram suas grossas sobrancelhas, suas flores no cabelo, mas rejeitam todo o resto.<\/p>\n

Talvez voc\u00ea n\u00e3o saiba, contudo hoje n\u00f3s, mulheres com defici\u00eancia, tentamos arduamente sermos vistas como mulheres. Seu trabalho abriu um caminho em sua vida, n\u00f3s tentamos segui-lo.\u00a0<\/span><\/p>\n

Queremos ser vistas, compreendidas, respeitadas e creio na possibilidade disso, por isso te escrevo.<\/p>\n

Ou\u00e7a Frida, sua voz alcan\u00e7ou o mundo, precisamos que seu corpo acompanhe esse caminho.<\/strong><\/p>\n

Buscamos um lugar para nossas colunas tortas, p\u00e9s pendentes, m\u00e3os atrofiadas, corpos gordos… onde nada disso nos limite. Aquele espa\u00e7o onde ainda seremos mulheres do jeito que somos.\u00a0<\/span><\/p>\n

Sei que posso contar com voc\u00ea.\u00a0<\/span>N\u00e3o me estenderei mais nessas linhas, j\u00e1 tomei demais o seu tempo. At\u00e9 a pr\u00f3xima, minha querida, te vejo nessa jornada.\u00a0<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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