De uma forma ou de outra, acho que sempre fui feminista. Lembro de achar um absurdo a norma cultural que diz que a mulher tem que esperar o homem a pedir em casamento. Como depender de algu\u00e9m para decidir algo t\u00e3o importante? Pra mim, estava fora de cogita\u00e7\u00e3o. Quando eu achei que era hora, fui l\u00e1 e conversei com meu ent\u00e3o namorado. Tanto que no nosso convite de casamento, escrevemos: \u201cEla pediu, ele aceitou\u201d. E obviamente n\u00e3o inclu\u00ed o sobrenome dele no meu nome, que adoro, ali\u00e1s.\u00a0<\/span><\/p>\n

Com o passar do tempo, fui enxergando outros aspectos do patriarcado. Durante o mestrado, fiz uma disciplina sobre g\u00eanero e o trabalho final foi sobre ass\u00e9dio sexual no ambiente de trabalho. No doutorado, estudei as diversas formas de opress\u00e3o que povos negros foram submetidos em diversas partes do mundo por conta de uma ordem chamada \u201ccolonialismo\u201d. No final do curso, ao ler mulheres, entendi que, se homens negros sofriam por conta de sua ra\u00e7a, mulheres negras sofriam duplamente: por conta da ra\u00e7a e por conta do g\u00eanero.\u00a0<\/span><\/p>\n

Mais ou menos na mesma \u00e9poca em que li estas coisas, engravidei. Foi um choque perceber que, ao exibir uma barriga proeminente, meu corpo parecia ser de \u201cdom\u00ednio p\u00fablico\u201d. Muitas pessoas se sentiam no direito de colocar a m\u00e3o na minha barriga sem autoriza\u00e7\u00e3o e de me dizer o que comer ou o que n\u00e3o beber. A busca por um parto natural foi \u00e9pica. Mudei de m\u00e9dico e de cidade para ter a chance de trazer meu filho ao mundo sem as interven\u00e7\u00f5es que eu considerava desnecess\u00e1rias.\u00a0<\/span><\/p>\n

Mas acho que foi durante as muitas tardes solit\u00e1rias com meu filho nos bra\u00e7os que eu me dei conta de que o feminismo era absolutamente necess\u00e1rio para mim enquanto m\u00e3e. O que ficou evidente de cara foi a necessidade de uma licen\u00e7a paternidade muito maior do que os \u00ednfimos cinco dias a que o pai do meu filho teve direito. Eu mal tinha aprendido a amamentar quando ele teve que voltar ao trabalho! N\u00e3o existia rotina, n\u00e3o sab\u00edamos como nosso filho “funcionava” e eu estava l\u00e1, sozinha, na maior parte do tempo – descobrindo o que fazer com ele.\u00a0<\/span><\/p>\n

O in\u00edcio da introdu\u00e7\u00e3o alimentar, por volta do sexto m\u00eas, coincide com a volta ao trabalho da maioria das mulheres. Eu, como trabalhava de casa, n\u00e3o senti tanto esse percal\u00e7o (at\u00e9 porque voltei a escrever minha tese quando meu filho tinha dois meses). Mas entendi que voltar ao trabalho com um beb\u00ea t\u00e3o pequeno \u00e9 punk<\/i>. N\u00e3o podia nem imaginar ficar longe dele. Diminuir a alimenta\u00e7\u00e3o \u00e0 base de leite e introduzir s\u00f3lidos \u00e9 um momento muito delicado na vida da fam\u00edlia e ter que se separar da crian\u00e7a por horas ao mesmo tempo \u00e9 simplesmente cruel.<\/p>\n

Criar uma crian\u00e7a d\u00e1 muito trabalho. E, na nossa cultura, ainda \u00e9 muito comum que a maior parcela deste trabalho fique com as m\u00e3es, independente da classe social ou do fato dela trabalhar fora ou n\u00e3o. S\u00e3o as m\u00e3es que, na maioria dos lares, costumam alimentar na madrugada, levar ao pediatra, preparar a mochila da escola, fazer comida, comprar roupas, levar ao parque, trocar fralda, dar banho, colocar para dormir. Dia ap\u00f3s dia. Ano ap\u00f3s ano. \u00c9 muito cansativo. E n\u00e3o estou nem falando em educar, que \u00e9 um cap\u00edtulo \u00e0 parte. Ser m\u00e3e \u00e9 um trabalho sem f\u00e9rias, sem remunera\u00e7\u00e3o, e o pior: sem reconhecimento. Agora se um pai troca uma fralda, pronto: ele \u00e9 o pai do ano!\u00a0<\/span><\/p>\n

N\u00e3o bastasse tudo isso, n\u00e3o podemos reclamar. Ai de quem falar que ser m\u00e3e \u00e9 exaustivo ou que essa divis\u00e3o de tarefas n\u00e3o \u00e9 justa. Ingrata! Com essa crian\u00e7a linda nos bra\u00e7os, como voc\u00ea tem coragem de reclamar? Al\u00e9m disso, existem diversos modelos de cria\u00e7\u00e3o de filhos pairando sobre nossas cabe\u00e7as. S\u00e3o v\u00e1rios os \u201cideais” de maternidade aos quais tentamos nos submeter, sob pena de sermos considerados p\u00e9ssimas m\u00e3es. Escutamos diariamente palpites que v\u00eam de todos os lados. E isso tudo cansa! Sem contar que nem sempre funciona.<\/p>\n

Ao me tornar m\u00e3e, \u00e9 que fui juntando todos esses pontos para compor uma grande imagem – a do machismo estrutural: controle do corpo da mulher, viol\u00eancia obst\u00e9trica, licen\u00e7as parentais muito curtas, divis\u00e3o desigual de tarefas, ideais de maternidade, julgamento\u2026 Estas s\u00e3o algumas das caracter\u00edsticas deste sistema social chamado patriarcado, em que os homens ficam com as fun\u00e7\u00f5es produtivas e, \u00e0s mulheres, cabem as fun\u00e7\u00f5es reprodutivas. O que o hom\u00e3o da porra faz e todo mundo acha o m\u00e1ximo \u00e9 o que uma mulher qualquer faz todo dia sem nenhum reconhecimento!!! Quando entendi isso, tudo mudou.\u00a0<\/span><\/p>\n

Foi muito duro tirar a venda dos olhos e encarar o mundo como ele \u00e9: mis\u00f3gino, violento, bruto, desigual, perigoso, injusto com as mulheres. Chorei. Mas, ao me tornar m\u00e3e, tamb\u00e9m recebi um grande presente: entendi a for\u00e7a que mulheres, juntas, t\u00eam. Dessa dor e desse amor \u00e9 que surgiu uma vontade imensa de falar e de dar voz a outras mulheres. Foi da\u00ed que nasceu o Fala Frida. E c\u00e1 estamos, dia ap\u00f3s dia, fortalecendo o feminismo, esse movimento lindo que luta para transformar o mundo num lugar melhor para todas as mulheres.\u00a0<\/span><\/p>\n

Ent\u00e3o, dia das m\u00e3es \u00e9 dia de luta. Dia de conscientiza\u00e7\u00e3o. Basta olhar\u00a0ao redor para ver que a maioria das m\u00e3es que andam por a\u00ed est\u00e3o sozinhas precisando n\u00e3o s\u00f3 de bra\u00e7os extras mas sobretudo desejando ser ouvidas e respeitadas. Mais amor, por favor.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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