Oi m\u00e3e,<\/p>\n
Espero que esta carta encontre voc\u00ea num dia tranquilo, muito embora eu imagine que \u00e9 dif\u00edcil isso acontecer com uma m\u00e3e de cinco filhos e m\u00e3e-av\u00f3 de uma filha-neta.\u00a0<\/span><\/p>\n Por algum motivo, escrever \u00e9 mais f\u00e1cil que falar. E l\u00e1 vai text\u00e3o!<\/p>\n Escrevo porque preciso me desculpar. Preciso me desculpar por ter te culpado. Preciso me desculpar por ter feito o que todo mundo faz com toda e qualquer m\u00e3e o tempo todo: julga e culpa. Est\u00e1 na hora de nos desculparmos, de tirarmos esse peso uma da outra. Ningu\u00e9m vai nos ajudar, se n\u00f3s m\u00e3es n\u00e3o nos ajudarmos. Ningu\u00e9m! Ningu\u00e9m v\u00ea! Ningu\u00e9m que n\u00e3o seja m\u00e3e, sente! Penso.<\/p>\n J\u00e1 te julguei por ter tido tantos filhos, sem que os desejasse de fato e te julguei mais ainda por ter revelado isso. At\u00e9 que entendi que vivemos em uma sociedade patriarcal e a sua voz n\u00e3o foi ouvida. Voc\u00ea queria dois filhos, talvez nenhum; meu pai, queria muitos. Hoje te acho corajosa, porque dizer que n\u00e3o nos desejou n\u00e3o faz voc\u00ea nos amar menos, s\u00f3 \u00e9 uma verdade que voc\u00ea teve coragem de dizer. Hoje tenho certeza que \u00e9 uma verdade que muita gente n\u00e3o revela.<\/p>\n Hoje entendo que o trabalho de uma m\u00e3e \u00e9 duro demais e, se voc\u00ea n\u00e3o p\u00f4de escolher entre ser ou n\u00e3o ser m\u00e3e, ele se tornou insuport\u00e1vel… E se voc\u00ea tem, ao mesmo tempo, duas adolescentes e tr\u00eas beb\u00eas em casa, exclusivamente sob seus cuidados (j\u00e1 que pai tem sido historicamente item decorativo nessas quest\u00f5es), esse trabalho \u00e9 insano.\u00a0<\/span><\/p>\n J\u00e1 te julguei por me fazer cuidar dos meus irm\u00e3os, quando ainda era uma crian\u00e7a. Crian\u00e7a n\u00e3o trabalha! Crian\u00e7a cuidando de crian\u00e7a? Um absurdo!<\/i> Eu dizia… At\u00e9 que entendi: eu e minha irm\u00e3 \u00e9ramos as mais velhas e \u00e9ramos mulheres. Com quem mais voc\u00ea poderia contar? Entendi voc\u00ea e n\u00e3o o resto do universo, nesse ponto…<\/p>\n J\u00e1 te julguei por n\u00e3o ser presente na minha vida, por n\u00e3o acompanhar minha adolesc\u00eancia, por n\u00e3o me ajudar com os perrengues dessa fase.\u00a0 <\/span>At\u00e9 que me dei conta que voc\u00ea estava l\u00e1 o tempo todo, voc\u00ea e ningu\u00e9m mais. Tenho certeza que fez o que pode. O que deu…\u00a0<\/span><\/p>\n J\u00e1 te julguei quando escolhi fazer um parto normal e voc\u00ea n\u00e3o me apoiou. At\u00e9 que voc\u00ea me contou que havia sofrido viol\u00eancia obst\u00e9trica quando eu nasci. Depois disso, encarou mais dois partos e duas ces\u00e1reas. Que for\u00e7a!<\/p>\n J\u00e1 te julguei quando voc\u00ea me desencorajou a amamentar, dizendo que a f\u00f3rmula era mais pr\u00e1tica.\u00a0 <\/span>At\u00e9 que comecei a amamentar – com ajuda do meu parceiro e de uma consultora de amamenta\u00e7\u00e3o – e vi que, realmente, \u00e9 uma das tarefas mais dif\u00edceis da maternidade, da vida. Ent\u00e3o entendi que, no seu lugar, sem ajuda nenhuma, eu tamb\u00e9m n\u00e3o encorajaria ningu\u00e9m.<\/p>\n Mais de uma vez, voc\u00ea disse que quando eu fosse m\u00e3e te entenderia. Acho que isso aconteceu.<\/p>\n Hoje sei que a maternidade \u00e9 o mais insano dos trabalhos porque em vez de oferecer ajuda, as pessoas julgam, em vez de dividir as tarefas, muitas vezes o marido \u00e9 mais uma delas. \u00c9 insano porque n\u00e3o h\u00e1 intervalos para refei\u00e7\u00f5es, por longos per\u00edodos nem intervalo pra dormir h\u00e1, n\u00e3o d\u00e1 pra ir embora e voltar no dia seguinte, n\u00e3o h\u00e1 f\u00e9rias, n\u00e3o h\u00e1 remunera\u00e7\u00e3o, n\u00e3o d\u00e1 pra pedir demiss\u00e3o. N\u00e3o h\u00e1 reconhecimento. \u00c9 invis\u00edvel! E trabalhando nesse ritmo, ainda querem que voc\u00ea seja um c\u00e9u de ternura, aconchego e calor, como diz aquela m\u00fasica. Ah, e querem voc\u00ea linda tamb\u00e9m! \u00c9 insano.<\/strong><\/p>\n Se j\u00e1 te culpei tanto, hoje quem pede desculpas sou eu. Desculpa, m\u00e3e?\u00a0 <\/span>Pe\u00e7o desculpas porque n\u00e3o quero mais essa culpa pra mim, nem pra voc\u00ea. Pe\u00e7o desculpas porque um dia minha filha vai olhar pra minha trajet\u00f3ria, vai olhar pra dela e vai olhar pra sua. N\u00e3o quero culpa, n\u00e3o quero essa culpa pra mim, nem pra ela, nem pra voc\u00ea. Que em vez de julgamentos e culpas, tenhamos mais empatia e sororidade. Desejo que minha filha julgue menos e que n\u00e3o demore, tanto quanto eu demorei, pra ter conversas como essa com a m\u00e3e dela.<\/p>\n Se j\u00e1 te culpei tanto, hoje quem pede desculpas sou eu porque te amo. Te amo pela for\u00e7a que tens. Por ter sido de alguma forma e apesar de tudo, a primeira feminista que eu conheci. Talvez voc\u00ea n\u00e3o saiba, mas foi. Voc\u00ea sempre me ensinou a buscar minha independ\u00eancia, ensinou que eu poderia ser o que eu quisesse ser. Gratid\u00e3o!<\/p>\n Hoje entendo que o trabalho de uma m\u00e3e \u00e9 duro demais, \u00e9 por vezes insuport\u00e1vel, \u00e9 insano. O rem\u00e9dio para essa loucura toda? Amor e empatia. Acredito.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Preciso me desculpar por ter te culpado. 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