Sabe aqueles livros imposs\u00edveis de parar de ler? O caminho de casa<\/a>, de Yaa Gyasi, \u00e9 desses. Os cap\u00edtulos passam voando, voc\u00ea quer ler mais e mais e mais e, quando acaba, d\u00e1 um aperto no peito. O romance \u00e9 fabuloso porque consegue mostrar, a partir de uma narrativa poderosa, como a escravid\u00e3o impactou a vida de milhares de pessoas negras ao redor do mundo nos dias de hoje. A obra, de autoria de Yaa Gyasi, uma ganense de 27 que foi criada nos Estados Unidos, rapidamente ficou entre os mais vendidos do The New York Times<\/i>, foi inclu\u00edda na prestigiosa lista dos 100 livros not\u00e1veis de 2016 do mesmo jornal e ganhou o pr\u00eamio PEN\/Hemingway de melhor romance de estreia. Leia aqui<\/a> uma entrevista com a escritora.\u00a0<\/span><\/p>\n Entender a escravid\u00e3o muito me interessa. Durante meu curso de doutorado, estudei p\u00f3s-colonialismo, que \u00e9 uma abordagem te\u00f3rica que se debru\u00e7a exatamente sobre isso: entender o legado do colonialismo no mundo de hoje – e, no caso da Administra\u00e7\u00e3o, minha \u00e1rea – como isso afeta as organiza\u00e7\u00f5es modernas. Pesquisei muita coisa sobre escravid\u00e3o e colonialismo para escrever minha tese. Li livros que me davam vontade de chorar por dias – como Pele negra, m\u00e1scaras brancas<\/a> do argelino Frantz Fanon. Me debrucei sobre volumes gigantes que mostravam os pormenores da explora\u00e7\u00e3o mar\u00edtima e dos \u201cneg\u00f3cios” empreendidos nas col\u00f4nias. Estudei como o discurso – entendido aqui como um conjunto de enunciados, podendo ser escritos ou falados – era constru\u00eddo por uma elite europeia representando pessoas negras como selvagens, bestiais e carentes de civiliza\u00e7\u00e3o. E quem seriam os iluminados a convert\u00ea-las aos bons modos e ao cristianismo? Eu europeus brancos, claro.\u00a0<\/span><\/p>\n Foram anos nesse processo de desconstru\u00e7\u00e3o da hist\u00f3ria que eu aprendi na escola (a come\u00e7ar pelo odioso \u201cdescobrimento do Brasil\u201d que deixa claro que a perspectiva hist\u00f3rica \u00e9 euroc\u00eantrica) e reconstru\u00e7\u00e3o de uma s\u00e9rie de narrativas alternativas, que foram apagadas, menosprezadas e silenciadas no que conhecemos como hist\u00f3ria oficial. Foi triste constatar que a pr\u00f3pria ci\u00eancia (ou pseudoci\u00eancia), especialmente a antropologia, contribuiu enormemente para a constru\u00e7\u00e3o da ideia de que o povo negro \u00e9 inferior ao branco. Muitas vezes era dif\u00edcil explicar pras pessoas o que eu estudava, o que aquilo tinha a ver com Administra\u00e7\u00e3o (pode ser que esteja mais pra Ci\u00eancia Pol\u00edtica mesmo) e porque eu ficava t\u00e3o brava quando as pessoas n\u00e3o entendiam a heran\u00e7a do colonialismo do mundo atual. \u201cAh, isso j\u00e1 passou\u201d, muitos me diziam.<\/p>\n Pois bem. O caminho de casa \u00e9 a p\u00e9rola que permite entender esse legado de forma simples e direta. A escrita de Yaa flui maravilhosamente, \u00e9 bela. O romance trata de duas irm\u00e3s, naturais de Gana, que se separam no s\u00e9culo XVIII: uma \u00e9 vendida como escrava e enviada para os Estados Unidos e a outra permanece na terra natal. Cada cap\u00edtulo narra a vida de um descendente das irm\u00e3s e assim sucessivamente at\u00e9 chegarmos nos dias de hoje. Vale demais a leitura! Quisera eu ter tido a oportunidade de ler esse livro l\u00e1 no come\u00e7o do doutorado!<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Foram anos nesse processo de desconstru\u00e7\u00e3o da hist\u00f3ria que eu aprendi na escola e reconstru\u00e7\u00e3o de uma s\u00e9rie de narrativas alternativas<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":3004,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[204,125],"tags":[140,64,142,141],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3003"}],"collection":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3003"}],"version-history":[{"count":6,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3003\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":8100,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3003\/revisions\/8100"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/3004"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3003"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3003"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/falafrida.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3003"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}