Consegui o emprego dos sonhos. Eu era qualificada e estava louca para colocar em pr\u00e1tica tudo o que eu tinha aprendido. N\u00e3o tardou,\u00a0no entanto, pra eu perceber que o ambiente de trabalho n\u00e3o era l\u00e1 muito acolhedor. Grande parte dos meus colegas e superiores era homem e eu logo comecei a ouvir coment\u00e1rios sexistas.<\/p>\n

Come\u00e7ou com um \u201ccomo voc\u00ea est\u00e1 bonita hoje\u201d. Em outra ocasi\u00e3o, eu estava com uma cal\u00e7a folgada, camisa preta abotoada at\u00e9 o pesco\u00e7o e um batom de um tom de rosa um pouco mais escuro do que de costume. Ouvi de um superior que eu estava \u201cdressed to kill\u201d. Tamb\u00e9m tive que ouvir que era bem melhor ficar olhando para a minha cara do que para a \u201ccara feia\u201d de um colega homem durante determinada reuni\u00e3o. Era pra achar isso bom? Ah, t\u00e1.<\/p>\n

N\u00e3o muito depois disso, decidi n\u00e3o mais usar saia ou vestido porque sempre acabava tendo que ouvir algum coment\u00e1rio sobre minha apar\u00eancia. Simplesmente risquei esses itens do meu arm\u00e1rio de trabalho. Passei a vestir camisas, cal\u00e7as sociais soltas e brincos fixos bem discretos na orelha.<\/p>\n

Comecei a me questionar. Ser\u00e1 que eu n\u00e3o estava me vestindo de forma adequada para trabalhar? Por que minha apar\u00eancia era alvo de conversas? Estaria eu ficando louca ao me sentir desconfort\u00e1vel com aqueles \u201celogios\u201d? O ambiente de trabalho \u00e9 um local adequado pra esse tipo de coment\u00e1rio? Era pedir muito que apenas meu trabalho estivesse em pauta? O que eu vivi \u00e9 algum tipo de ass\u00e9dio? Parecia t\u00e3o \u201cbrando\u201d, comparado a tantas hist\u00f3rias terr\u00edveis que ouvimos por a\u00ed.<\/p>\n

Mas aquelas situa\u00e7\u00f5es me feriam, me constrangiam.\u00a0Fui me fechando, aos poucos, para o mundo. Fui mais e mais me escondendo embaixo de roupas largas e \u201cmasculinas\u201d, esqueci que saias e vestidos existiam, usava o m\u00ednimo de maquiagem e tentava\u00a0 passar furtivamente pelos corredores para que n\u00e3o fosse vista.<\/p>\n

De acordo com Tha\u00eds Dum\u00eat<\/a>, oficial-t\u00e9cnica da Organiza\u00e7\u00e3o Internacional do Trabalho, ass\u00e9dio sexual no trabalho \u00e9 \u201ctodo ato, gesto e\u00a0insinua\u00e7\u00e3o de natureza sexual que constrange e intimida outra pessoa\u201d. Esse v\u00eddeo<\/a> traz diversos relatos de ass\u00e9dio no ambiente de trabalho e mostra como esse \u00e9 um crime rotineiramente silenciado. Ent\u00e3o eu vivi sim um tipo de ass\u00e9dio – hoje eu posso nomear, com todas as letras. E infelizmente n\u00e3o estou sozinha. O Locomotiva Instituto de Pesquisa<\/a> identificou que 31% das mulheres entrevistadas em 2016 haviam sofrido alguma forma de ass\u00e9dio no trabalho por parte de um superior. A brilhante campanha Chega de Fiu Fiu<\/a>, lan\u00e7ada em 2013, ajudou a descortinar essa triste realidade.<\/p>\n

Hoje n\u00e3o trabalho mais l\u00e1. De uns tempos pra c\u00e1, percebi que estava na hora de fazer as pazes com as saias e os vestidos. N\u00e3o tem nada de errado com minha apar\u00eancia. Comprei at\u00e9 uns brincos novos, grandes! Dia desses encontrei uma saia de um comprimento que nunca havia usado antes (midi) que \u00e9 at\u00e9 meio rodada, linda! E me sinto \u00f3tima ao vesti-la. Devagarinho, estou aceitando colocar pra fora uma certa feminilidade que tinha ficado guardada a sete chaves como forma de prote\u00e7\u00e3o. Talvez agora eu consiga me defender mais desse tipo de coment\u00e1rio. Tomara.<\/p>\n

Voc\u00ea j\u00e1 passou por algo parecido? Quer dividir sua experi\u00eancia com a gente?<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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