Em duas semanas ser\u00e1 meu anivers\u00e1rio. Muitos n\u00e3o ligam. Alguns n\u00e3o gostam. Eu? Eu adoro meu anivers\u00e1rio. Me perguntaram como vou comemorar. Eu disse que n\u00e3o sabia. Me disseram que depois dos trinta j\u00e1 n\u00e3o se deve comemorar. Esse dizer veio acompanhado de um olhar de pena, que me incitava a me sentir mal por quem eu sou: uma mulher envelhecendo. Discordei profundamente.<\/p>\n

A cada ano eu me sinto melhor, mais verdadeira comigo. A cada ano eu pratico mais e mais a gentileza comigo mesma tanto por dentro como por fora. Eu me olho no espelho com o carinho com que se olha pra quem j\u00e1 enfrentou v\u00e1rias batalhas. Eu abra\u00e7o meu corpo farto e lhe permito caber no meu cora\u00e7\u00e3o. O meu cora\u00e7\u00e3o \u00e9 grande e tem amor de sobra. Nele cabem celulites, dobras, estrias, roxos, espinhas, rugas, tatuagens, cicatrizes, dores nas costas.<\/p>\n

O meu corpo me ensina a amar, ele me alegra, me carrega no mundo e produz l\u00e1grimas pra quando eu preciso lavar a minha alma polu\u00edda. Eu gostaria que o corpo fosse uma palavra feminina, j\u00e1 que infelizmente o meu corpo de mulher determina muito da minha experi\u00eancia no mundo. Seria justo trat\u00e1-lo no feminino e trat\u00e1-lo, sobretudo, muito bem. N\u00e3o como inimigo, causador de inadequa\u00e7\u00e3o, mas como quem me leva para ver o p\u00f4r do sol. E n\u00e3o h\u00e1 quase nada que eu goste mais do que ir ver o p\u00f4r do sol.<\/p>\n

Abra\u00e7o o meu corpo, acaricio a minha pele. Permito que meus pr\u00f3prios dedos reconhe\u00e7am quem eu sou. Que eles me tragam prazer ou afeto dependendo do que eu preciso. O meu corpo me traz tantos prazeres. Ele abra\u00e7a aqueles que eu amo. Minhas m\u00e3os acariciam cachorros e gatos. Meu corpo farto se estremece quando a minha pele se encontra com outra e ele sorri sentindo o seu calor.<\/p>\n

A pele \u00e9 uma palavra feminina. A empatia tamb\u00e9m. A empatia \u00e9 se colocar na pele alheia. \u201cEu n\u00e3o gostaria de estar na sua pele\u201d dizem quando nem na pr\u00f3pria pele conseguem estar. Estar na pr\u00f3pria pele pode doer muito. Eu estou sempre \u00e0 flor da pele, com o dentro saltando, pulsando, escorrendo. Se mal caibo em mim, como posso querer encolher-me e entrar na loucura da industria da beleza? Se a cada ano me sinto mais poderosa, como posso querer evitar que a minha pele n\u00e3o mostre o passar de um tempo t\u00e3o valioso?<\/p>\n

Abra\u00e7o tamb\u00e9m as minhas dores tamb\u00e9m fartas, porque elas me ensinam sobre a exist\u00eancia. Elas me ensinam a pensar sobre o mundo e quem sabe, se tudo der certo, elas me ensinam a ajudar voc\u00ea a\u00ed que est\u00e1 lendo. Eu as abra\u00e7o, muitas vezes v\u00e1rias dores ao mesmo tempo, tanto as minhas como as suas, para que elas cumpram estadias em mim e depois possam seguir o seu caminho e me fazer mais rica.<\/p>\n

Eu tenho me esfor\u00e7ado para abra\u00e7ar e acolher as minhas fragilidades. \u00c9 um desafio reconhec\u00ea-las como parte de mim. Por mais que elas gritem na minha cara e amacerem a minha carne. Eu quero ser forte. Queria tanto que adoeci de tristeza. A vida me exige for\u00e7a, mas ser forte talvez seja mesmo encarrar as fragilidades. Saber se perguntar e se respeitar sobre o que precisamos.<\/p>\n

A cada ano eu me sinto mais verdadeira comigo e melhor conhecedora das minhas necessidades como ser humano. A cada ano eu conhe\u00e7o e mantenho por perto pessoas (em geral mulheres) que me ajudam a carregar o viver. Apenas estar viva \u00e9 uma conquista, conquista de quem agarra a vida com as unhas e n\u00e3o a deixa passar.<\/p>\n

Eu n\u00e3o poderia estar mais contente de fazer 33 anos. Tenho muito a comemorar. Estou praticamente onde gostaria de estar na vida: recome\u00e7ando do zero e cada vez mais longe do que esperam de mim enquanto mulher de 33 anos. Entre as minhas conquistas n\u00e3o est\u00e3o: bens materiais, sucesso profissional, marido, filhos, casa, comida, sequer roupa lavada.<\/p>\n

Hoje de manh\u00e3 eu estava colocando uma meia cal\u00e7a que comprei sem querer um tamanho menor. Naquela dificuldade irritante, eu pensei que se eu fosse magra n\u00e3o teria esse problema. Ao mesmo tempo dei um passo atr\u00e1s e pensei que quem estava errada era a meia cal\u00e7a, n\u00e3o o meu corpo. O meu corpo \u00e9 bom para mim. O meu corpo \u00e9 bom pra mim. Eu repito sempre que me sinto tentada a me odiar.<\/p>\n

Pensar no meu corpo como o meu melhor parceiro \u00e9 uma conquista. Poder praticar uma atitude positiva em um mundo que quer que nos odiemos em busca da magreza \u00e9 um exerc\u00edcio que venho praticando h\u00e1 anos. Pensar no meu corpo como um instrumento para a minha felicidade, um corpo livre para se exercer entre outros de forma verdadeira, sem medos, sem imposi\u00e7\u00f5es, sem vergonhas, um corpo que responde aos seus (n\u00e3o) desejos \u00e9 bastante liberador.<\/p>\n

Imagina que eu trocaria me sentir livre e verdadeira pela possibilidade de chegar aos 33 e ser propriet\u00e1ria de uma vida instagramicamente perfeita?<\/p>\n

Aceitar e amar meu cabelo cacheado foi uma conquista que meus 33 anos me trouxeram. Finalmente me sinto feliz com o que sai da minha cabe\u00e7a metaforicamente e literalmente. Sou verdadeira comigo mesma e estou feliz com a desordem dos meus cachos, com a desordem dos meus pensamentos.<\/p>\n

Aceito tamb\u00e9m a minha menstrua\u00e7\u00e3o e n\u00e3o brigo com ela. Meu corpo acolhe-a no coletor menstrual, que conheci por meio de outras mulheres. Descarto meu sangue com carinho por que ele \u00e9 parte de mim e o agrade\u00e7o pelo fim de sua passagem por mim. Pode soar maluquice, mas quando nos amamos com plenitude, n\u00e3o h\u00e1 nada que escape ao nosso amor infinito por n\u00f3s mesmas. Tantos anos odiando esse aspecto inevit\u00e1vel de quem sou. Amar o poss\u00edvel \u00e9 uma conquista.<\/p>\n

Pensar em outras mulheres como minhas irm\u00e3s-amigas \u00e9 tamb\u00e9m uma bastante digno de orgulho, porque eu nunca me sinto sozinha. Elas est\u00e3o sempre comigo e eu estou sempre com elas. Somos apoio e cuidado incondicional. Aprendemos a cuidar desde crian\u00e7as, mas n\u00e3o aprendemos a nos cuidar, nem a cuidar uma das outras. Aprendemos a nos colocar de lado em quest\u00e3o de segundos. Aprendemos que as outras s\u00e3o rivais.<\/p>\n

Conseguir me colocar como prioridade cuidar de mim e de outras \u00e9 uma conquista muito bonita. Estar em outro pais com certeza intensifica mais a necessidade de auto cuidado e de uma rede de apoio, mas n\u00e3o vejo como nenhuma de n\u00f3s n\u00e3o poderia se beneficiar desse cuidado que oferecemos ao outro muitas vezes sem receber nada em troca.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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