Em uma das consultas do meu pr\u00e9-natal, meu obstetra comentou que, para algumas mulheres, amamentar havia sido mais dif\u00edcil do que parir. \u201cImposs\u00edvel\u201d, pensei na \u00e9poca. Durante a gravidez, pesquisei muito sobre as dores e del\u00edcias de um parto normal. Estava certa de que, apesar das dificuldades, era aquilo que eu queria. Considerando que m\u00e9dicos, hospitais, profissionais de sa\u00fade e sociedade ainda apoiam muito pouco este tipo de empreitada, ser\u00e1 que poderia existir algo ainda mais desafiador na minha jornada como m\u00e3e?<\/p>\n

Pois bem. Tive o parto que quis: sem nenhuma interven\u00e7\u00e3o, na presen\u00e7a do meu marido, doula e obstetra, meu filho mamou na primeira hora de vida, nasceu com um bom peso e tudo parecia estar correndo muito bem. Por\u00e9m um ou dois dias ap\u00f3s o parto, meus seios come\u00e7aram a doer.<\/p>\n

Sangue. L\u00e1grimas. Dor. Muita dor. Sofrimento. Assim foi minha primeira semana amamentando. Pense numa pele fininha, sens\u00edvel e pouco \u201cusada” que passou a ser sugada ferozmente, de hora em hora, por um bebezinho que dependia daquele leite pra viver.<\/p>\n

Chamamos uma consultora de amamenta\u00e7\u00e3o, que nos deu um suporte imenso: foram dicas preciosas sobre pega, ordenha e sobre como aliviar peitos que vazavam. \u00c9 dif\u00edcil saber o que fazer com tanto leite no come\u00e7o. Minhas blusas viviam molhadas. Lembro que, com muito carinho, ela falou: \u201cfilha, teu peito precisa de tempo pra sarar, pra ficar mais forte\u201d. E foi a\u00ed que ela matou a charada, pois de fato eu precisei de tempo. Dois meses, pra ser exata. Foi uma saga. Chorei muito. A montanha russa hormonal e emocional do puerp\u00e9rio estava a pleno vapor. E a vida do meu filho dependia daquele mam\u00e1. N\u00e3o era pouca coisa.<\/p>\n

Usei todos os recursos que tinha \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o: pomada de lanonina, \u00f3leo e leite materno pra cicatrizar as feridas abertas – que aos poucos se converteram em buracos. Nada disso pareceu ajudar muito. Passei semanas perambulando pela casa sem blusa pro peito ficar seco. Pegava sol quando era poss\u00edvel. Cada vez que meu filho chorava, eu sentia um arrepio na espinha porque teria que coloc\u00e1-lo para mamar – o que significava que a casquinha que estava sendo formada sobre a ferida seria ferozmente arrancada e eu iria at\u00e9 a Lua de tanta dor. E a\u00ed o processo de cicatriza\u00e7\u00e3o recome\u00e7ava do zero – de novo. Mamada ap\u00f3s mamada. Dia ap\u00f3s dia.<\/p>\n

Um fantasma que pairava sobre minha cabe\u00e7a nessa \u00e9poca era que a pega estava errada. Se tem ferida no seio, a pega est\u00e1 errada – ou \u00e9 isso que dizem quase todos os sites sobre amamenta\u00e7\u00e3o por a\u00ed. Tr\u00eas consultoras checaram minha pega e o veredito era de que estava certa, mas mesmo assim eu sentia muita dor. Ent\u00e3o descobri que nem sempre fissura no mamilo significa pega errada.<\/p>\n

No meu caso, o que realmente ajudou foi n\u00e3o oferecer o seio pra acelerar a cicatriza\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o eu tirava meu leite com uma bomba el\u00e9trica e dava para o meu filho atrav\u00e9s de uma t\u00e9cnica chamada sonda-dedo. N\u00e3o quis correr o risco de oferecer mamadeira pra ele t\u00e3o novinho (entenda aqui <\/a>o porqu\u00ea ). Ent\u00e3o durante uma semana eu n\u00e3o dei o peito. S\u00f3 que a trabalheira era insana. Tinha que ordenhar o leite, armazenar na geladeira, amornar (n\u00e3o ferver), dar mam\u00e1 pra ele na sondinha, lavar e esterilizar tudo (copinho, sondinha, bomba) e pouco tempo depois j\u00e1 come\u00e7ava tudo de novo, inclusive de madrugada. Sem o apoio do meu marido eu teria pirado. Foi dif\u00edcil. O fato de meu filho sugar meu leite pela sonda bem direitinho – ele tava fazendo a parte dele, t\u00e3o mi\u00fado – me dava uma vontade louca de chorar. At\u00e9 hoje me d\u00e1.<\/p>\n

Em diversos momentos pensei que n\u00e3o aguentaria tanta dor. Nunca estive t\u00e3o perto de enlouquecer. I mean it<\/em>. Pensava em abrir a porta do apartamento e sair correndo – pra nunca mais voltar. Mas de algum lugar vinha uma for\u00e7a que me empurrava pra frente. De v\u00e1rios lugares, na verdade.\u00a0 Do amor que eu sentia crescendo pelo meu filho, dia ap\u00f3s dia – falei pra ele mil vezes que ir\u00edamos superar aquilo tudo juntos. Do meu marido, que atravessou as trevas comigo. Das minhas irm\u00e3s, que ainda amamentavam seus filhos e me mandavam toda a for\u00e7a que podiam por telefone. Da minha m\u00e3e, minha sogra, minhas amigas. Jamais esquecerei essa rede incr\u00edvel que foi se formando em torno de mim.<\/p>\n

A grande li\u00e7\u00e3o dessa fase foi: tempo. O tempo cura, o tempo fortalece. E, eis que depois de dois meses, a dor come\u00e7ou a diminuir, diminuir, at\u00e9 que amamentar foi se tornando, aos poucos, prazeroso. Hoje vejo que esse perrengue todo que passamos fortaleceu nosso v\u00ednculo m\u00e3e e filho. E ele continua mamando, com um ano e meio. Atualmente guardo cicatrizes nos meus seios e a certeza de que se consegui sobreviver a isso tudo, sou capaz de muito mais.<\/p>\n

Se voc\u00ea estiver enfrentando problemas para amamentar, voc\u00ea n\u00e3o est\u00e1 sozinha. Veja relatos aqui<\/a>\u00a0e aqui<\/a>. Para quase todos os problemas, h\u00e1 solu\u00e7\u00f5es (veja algumas aqui<\/a>). Voc\u00ea pode fazer relacta\u00e7\u00e3o<\/a>, transla\u00e7ta\u00e7\u00e3o e mais um monte de coisas. Procure ajuda, procure uma consultora de amamenta\u00e7\u00e3o, procure um Banco de Leite. Se voc\u00ea realmente quiser amamentar, tenha f\u00e9 e continue. \u00a0E se voc\u00ea n\u00e3o aguentar mais, tudo bem tamb\u00e9m. Voc\u00ea n\u00e3o ser\u00e1 menos m\u00e3e por causa disso.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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